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Surto em Tóquio #8: Qual será o legado dos Jogos Olímpicos de Tóquio sem espectadores?

Reunião por vídeo conferência tóquio 2020


Bom dia Tóquio, boa noite Brasil!!


A quinta-feira (8) foi dominada em Tóquio pela expectativa do Estado de Emergência que enfim foi decretado no início da noite japonesa (manhã no Brasil). Poucas horas depois, mais rápido do que eu imaginava, foi confirmada a ausência de público japonês nas arenas em Tóquio e na maioria das outras sedes. Afinal: a decisão de realizar os Jogos Olímpicos foi correta? 


Impossível para qualquer pessoa responder tal pergunta, porque são tantas variáveis que é certamente impossível decretar o certo ou errado. Porém, é possível perceber e analisar um pouco o processo de toda essa decisão e o impacto que possa ter não só para Tóquio, mas para Pequim e Paris.


Antes de tudo, é importante lembrar que Abe Shinzo, primeiro-ministro do Japão durante todo o processo de candidatura, preparação e até o ano passado, era o principal entusiasta de Tóquio. Não à toa, eu o chamava, brincando, de Eduardo Paes de Tóquio. Sem ele, uma série de políticos que não é favorável aos Jogos, entrou em cena para ter alguma influência sobre Suga Yoshihide, o novo primeiro-ministro.


Curioso antes de tudo notar que até as definições finais, a venda de ingresso continuou rolando solta. Primeiro as vendas internacionais rolaram ano passado mesmo com a incerteza e as vendas domésticas aconteceram até este ano e muitos eventos esgotaram bem rápido. Só isso deixa claro que hoje o fluxo de caixa é mais importante do que a clareza de informação.



Outra coisa que a gente já não aguentava mais era o disse-me-disse entre Comitê Organizador (TOCOG), Governo de Japão e Comitê Olímpico Internacional (COI), e de certa maneira Comitê Paralímpico Internacional (IPC) que participa das discussões, mas de forma mais discreta e eu comentei em uma coluna aqui. É importante notar que a decisão sobre público nas paralimpíadas será tomada somente após os Jogos Olímpicos.


Depois de uma certa demora em aceitar publicamente a situação no ano passado, a meu ver, Thomas Bach e seus parceiros do COI, trilharam um caminho louvável. Após consultas com as federações internacionais e comitês olímpicos nacionais, decidiram seguir adiante com os Jogos, tiveram a segurança do governo japonês que poderia acontecer e trabalharam duro para criar um ambiente seguro. Prova disso foi a reeleição unânime de Bach para presidente, num período que poderia fazer surgir uma oposição forte e com fortes críticas dirigidas ao esgrimista alemão. Dentre as recentes conquistas, o fortalecimento da Equipe de Refugiados - que tem grandes chances de levar medalha! - e, principalmente, o acordo com várias empresas e governos para o fornecimento de vacinas para atletas, delegações de todos os países que aceitassem, sem esquecer a população local. 


O que talvez deu errado nisso tudo foi que o Governo Japonês e membros do Comitê Organizador deram durante os últimos meses sinais claros de incerteza. Obviamente a decisão desta quinta-feira foi epidemiológica e de saúde pública, mas principalmente foi política. Em meio a um país que atrasou e muito na vacinação - ainda que em junho tenha andado bastante e agora a mídia aponta problemas mais locais do que nacionais - e que não consegue controlar a população numa quarentena rígida, as incertezas sobre o governo aumentam e numa Olimpíada bem impopular para a maioria, é importante tomar essa decisão, de fácil apelo ao público.


Mas a questão que deve ficar para a população japonesa é: para que aceitar dezenas de milhares de atletas, jornalistas e políticos e organizar um mega-evento que vai causar aglomeração e potenciais surtos do covid-19 se a festa estará fechada para os japoneses? Seria a mesma coisa de organizar uma festança em seu condomínio ou rua em plena pandemia, mas só para moradores de fora. 


Por enquanto, os japoneses ou estrangeiros que moram no Japão a qual entrevistei falaram que entendem a realização dos Jogos e que todos os atletas sonham em participar de uma Olimpíada, mas com a situação em Tóquio se deteriorando, a decisão foi acertada. Foram 920 casos na quarta-feira na capital japonesa, ainda que a média diária de mortes esteja em 1. Mas para um país-ilha e obcecado com questões sanitárias são números enormes.


Mas pensando em como a opinião do público mudou durante o evento tanto em Toronto 2015 quanto na Rio 2016, me pergunto se a sensação será a mesma durante os eventos. O governo e comitê organizador tiveram um ano para pensar em esquemas que permitissem a ida de público de forma um pouco mais segura para as arenas, talvez restringindo contato com estrangeiros, ou oferecendo vacinas para espectadores. Ou mesmo bolando um plano mais rápido de vacinação.


Sabemos que as coisas são mais difíceis do que parecem, mas fica uma frustração ao ver Jogos Olímpicos feitos exclusivamente para jornalistas, políticos e membros de delegação, uma Olimpíada cada vez mais midiática e sem interação com o público. O que será das arenas temporárias? E o legado olímpico?


Claro que a decisão mais óbvia e fácil de se fazer atualmente por parte do governo é proibir os espectadores e apresentar uma falsa sensação de segurança. Mas com a cidade virtualmente aberta e com estrangeiros circulando pela cidade e tendo contato - ainda que restrito -, qual diferença real terá na proibição dos espectadores?


Não seria mais interessante e produtivo criar condições seguras para que os jogos pudessem acontecer com público? Promover uma aproximação do povo japonês e os jogos e provar que tanto esforço e dedicação valeu a pena não para a elite do esporte no país mas para o público? Afinal, qual será a mensagem que ficará dos Jogos Olímpicos para Tóquio, exceto um grande elefante branco? Difícil saber agora, mas esperamos que o espírito olímpico encontre suas brechas.


Acompanhe aqui os textos anteriores: dia 1dia 2dia 3dia 4dia 5, dia 6 e dia 7



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