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Coluna Gran Willy: Adria Tour era uma bomba relógio e não precisava ser especialista para saber


Sábado, 13 de junho. Novak Tennis Center, Belgrado, Sérvia. Arquibancadas lotadas. Pouquíssimas pessoas utilizando máscaras, nenhum distanciamento social. Abraços, festas, jogos, baladinhas pós torneio. Do lado de fora, uma grande pandemia. Mortos e infectados. Não precisava nem ser extremamente inteligente, vidente ou especialista sanitário para saber que todos os itens acima, transformariam o Adria Tour em uma bomba relógio.

No entanto, seguiram com a festa, afinal, ninguém havia sido contaminado. Estava tudo bem, era hora da retomada, né? Mesmo com Montenegro desistindo de sediar a terceira etapa exatamente porque não haviam protocolos sanitários no evento, Novak Djokovic e companhia decidiram ir à Croácia para dar continuidade ao evento. O que de ruim poderia acontecer?

Em dois dias, cinco pessoas que participaram efetivamente do Adria Tour foram detectados com coronavírus. Grigor Dimitrov foi o primeiro, anunciando o fato em seu perfil de Instagram, no domingo (21), causando o cancelamento da etapa croata do torneio. 

Nesta segunda-feira (22), mais três pela manhã. O tenista croata Borna Coric, Marko Paniki, preparador físico de Djokovic e Kristijan Groh, treinador de Dimitrov. 

De tarde, foi a vez de receber a confirmação de que Viktor Troicki, participante da primeira etapa do Adria Tour, também está com coronavírus. A informação é do canal sérvio de esportes, Sports Klub. Além disso, sua esposa, grávida também contraiu o vírus.

Mas jornalista, isso não significa que eles foram infectados no torneio!

Leitor, você tem total razão. Isso não significa que o Adria Tour foi o agente para essas infecções. Entretanto, ele pode ter virado um agente. Vou explicar. 

Há duas semanas os jogadores que atuaram no torneio não têm tomado as devidas precauções, que são normais durante uma pandemia. Pelo contrário. Jogaram futebol, basquete, entraram em contato com outros atletas, participaram de eventos com imprensa, inúmeras baladas, abraçaram fãs, participaram de eventos especiais para crianças (os famosos Kids Day). 

Foto: Srdjan Stevanovic
Agora imagine Dimitrov, já com coronavírus, no meio de todas essas pessoas. Pense em Dimitrov no Kids Day, podendo transmitir a doença para tantas crianças e automaticamente essas crianças transmitindo o vírus para seus pais, avós, amigos, vizinhos. Isso chama-se disseminação. E não, não há 100% de certeza de que você cria anticorpos ao pegar a doença. Existem muitos estudos sobre isso, mas não há comprovação ainda pra dar essa certeza. 

Isso sem tirar o fato de que pessoas podem reagir de forma diferente ao vírus. Podem ter complicações. Isso pode comprometer o sistema de saúde de um país, lotar leitos. Lembrando que, leitos hospitalares, leitos de tratamento intensivo, não são só para coronavírus. Uma pessoa pode sofrer um acidente, pode ter outras doenças e ela também precisará de um leito. Então se você pode evitar um colapso, evite.

A culpa é de Djokovic? 

Sim. Mais não só dele. E acredito que ele não é o maior culpado. Penso que ele é um grande oportunista, até mesmo um lunático, negacionista. Jogar toda a culpa para cima dos governantes, como se ele não tivesse feito nada de errado, impõe dúvidas sobre seu caráter. 

Djokovic tem se tornado a cada dia um personagem mais controverso e eu falei sobre isso nos textos "Ídolos precisam ter responsabilidade social" e "A irresponsabilidade que não surpreende". Ele não é obrigado a ser politicamente correto, ele pode sim dar suas opiniões, aliás, deve sempre falar. Mas precisa ter um mínimo de bom senso em suas atitudes e entender que ele é um espelho para muitos e que suas atitudes podem refletir na sociedade. Outro agravante é o fato de que Djokovic atua como presidente do conselho de jogadores da ATP. Também faltou decoro ao sérvio. 

De quebra, Djokovic, um cara que tem recursos, tem fácil acesso à informação, não pensou em impor regras de segurança para que o público entrasse no complexo de tênis? Não passou nem por um minuto na cabeça do sérvio que as pessoas precisavam no mínimo utilizar máscaras? O Adria Tour não tinha protocolo algum para garantir segurança à saúde das pessoas. E se não há protocolo, não tem como retomar atividades. A pandemia não acabou ainda, infelizmente. Ponto.

Mas precisamos deixar claro. Todos os participantes do Adria Tour têm sua parcela de culpa, afinal, Djokovic não apontou uma arma na cabeça deles para que jogassem tênis no seu playground. 

Governantes e autoridades sanitárias da Sérvia e Croácia também têm culpa, e talvez sejam os grandes responsáveis, já que eles têm poder de dar a "canetada" final e definir se um evento ocorre ou não. 

Quem compareceu ao estádio também tem culpa. O coronavírus não sumiu da Sérvia, como ocorreu na Nova Zelândia, por exemplo, para que já lotassem estádios. Isso chama-se irresponsabilidade e falta de empatia. Coisas que nós brasileiros já conhecemos bem. 

Como fica a imagem de Djokovic?

Foto: PA Images
Já disse em outros textos, Djokovic foi o atleta que mais manchou sua imagem durante o período da pandemia e segue com força para piorar cada vez mais. Se recusou a fazer o teste de coronavírus em Zadar, cidade croata que recebeu a segunda etapa do Adria Tour. Por não apresentar sintomas, declarou que só faria o teste após chegar em Belgrado, na Sérvia. O teste foi feito, mas foi dito que ele só revelaria o resultado na próxima terça-feira (23). 

Essas atitudes não apagam o que o Djokovic fez em quadra, ele deverá ser o tenista com os melhores resultados e recordes da história do tênis. Mas assim como Margaret Court, poderá ser visto muito mais como um vilão do que como um ídolo. Ele tem condições de ser o melhor deste esporte, mas nunca o maior dele. 

E o circuito de tênis?

ATP, WTA e ITF precisam tirar lições em todos os fatos ocorridos no Adria Tour, para que não fracasse no retorno do circuito. Se com protocolos já é uma retomada perigosa, sem eles, é suicídio

Qualquer evento com participação do público é algo muito problemático neste ano. Que fique o alerta para Roland Garros, que pretende realizar o torneio com a presença de até 5 mil pessoas. 

Não acho que esses casos de coronavírus farão as entidades voltarem atrás na decisão de retomar o circuito, mas farão eles ter mais cautela ainda nos procedimentos. Ainda há tempo para analisar a situação e apesar de tudo, não coloco a mão no fogo pela manutenção de qualquer torneio. 

Foto: Divulgação

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