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Coluna Gran Willy: Ídolos precisam ter responsabilidade social


O mundo está cada vez mais polarizado, possivelmente como nunca havia sido antes. Com isso, opiniões de artistas, esportistas, jornalistas e qualquer outra pessoa que tenha potencial midiático ganham o dobro de relevância. Nas últimas semanas dois tenistas específicos deram declarações que até o momento resultam em novas manifestações e respostas: Novak Djokovic e Dominic Thiem.

O caso de Novak Djokovic talvez seja mais preocupante. Tudo começou quando ele disse em uma live com outros atletas sérvios numa rede social, no dia 19 de abril, que não gostaria de ser forçado a tomar uma vacina de imunização contra o coronavírus para poder viajar, além de declarar ter seus próprios pensamentos sobre o tema e não saber se isso mudará. No dia seguinte ele tentou se retratar, disse que "gostaria de ter a opção de escolher o que é melhor" para seu corpo. 

Posteriormente, o atual número 1 do mundo no ranking da Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) fez uma nova transmissão, com alcance de 500 mil pessoas, dessa vez junto a um amigo chamado Chervin Jafarieh, que se auto-proclama alquimista. Eles conversaram sobre nutrição, detox, tratamentos alternativos para doenças e espiritualidade. 

No último domingo (10), foi publicado em diversos veículos internacionais que nesta mesma série de lives com Chervin, o tenista sérvio discutiu sobre a possibilidade de que as emoções possam alterar estruturas das moléculas de água, citando a transformação da "água poluída na água mais curativa, porque ela reage", disse o tenista, em referencia ao fato da água reagir a sentimentos e orações.

Foto: Divulgação/Australian Open
Djokovic é mais que um atleta. É uma celebridade do tênis, diversas marcas patrocinam sua "imagem" motivados por seus resultados em quadra. Ele é o terceiro maior vencedor de Grand Slams, com 17 conquistas, podendo ultrapassar em breve Federer e Nadal, que tem 20 e 19 respectivamente. Ele chegou em um patamar que não dá mais para desprender as atitudes que ele tem fora de quadra, daquilo que ele representa como tenista profissional.

O tenista sérvio tem liberdade de crer no que quiser. De fazer os tratamentos que optar, além de se relacionar espiritualmente com o mundo da forma que desejar. 

Mas a partir do momento em que Djokovic divulga informações pseudocientíficas sem devida comprovação, se posiciona contra uma vacina que é cada vez mais essencial para que o mundo volte ao normal e declara que água poluída pode "em um passe de mágica" ganhar propriedades curativas, enquanto milhares de pessoas realmente gostariam de ter água potável, ele assume a responsabilidade de influenciar seus próprios fãs, adoradores de tênis e pessoas que gostam de esportes. E isso pode criar uma reação em cadeia. Isso pode afetar as pessoas gravemente.

o caso de Dominic Thiem parece menos severo, mas não menos preocupante.

Após toda a especulação de que atletas do top 100 do ranking mundial poderiam fazer doações para o fundo de auxílio aos tenistas menos favorecidos, Thiem havia declarado ser contra a iniciativa. "Nenhum dos jogadores de ranking mais baixo está necessariamente lutando por suas vidas. Eu vi jogadores do circuito Future que não se comprometem 100% ao tênis. Muitos deles não são profissionais como deveriam. Não vejo por que teria que doar dinheiro para jogadores como estes", disse o austríaco.

Ele falou também sobre doar o dinheiro para instituições que "realmente precisam". Mas não deixou de mostrar uma visão elitista do circuito, sem conhecer direito os jogadores e sem analisar diversos aspectos dentro do esporte e da sociedade.

Mas Thiem recebeu uma resposta categórica da tenista Ines Ibbou, única argelina a estar no ranking da Associação Feminina de Tênis (WTA), que ocupa atualmente a posição 620. Ela divulgou uma carta aberta no formato de vídeo, rebatendo o tenista da Áustria.

Foto: Reprodução/YouTube
“Caro Dominic, depois de ler sua última declaração, fiquei imaginando como teria sido minha carreira e, portanto, minha vida, se eu estivesse no seu lugar. Imaginei como seria ter pais que eram professores de tênis quando toquei uma raquete pela primeira vez, aos 6 anos de idade, e imediatamente me apaixonei por ela. Como cresci nos arredores de Argel (capital da Argélia), em uma família muito modesta, com pais que não tinham absolutamente nada a ver com o mundo do tênis, não posso deixar de pensar que poderia ter tido ajuda. Mas eu não culpo você” disse ela no vídeo.

Ibbou também relatou sua dificuldade para conseguir patrocínios. “Se eu estivesse no seu mundo mágico, eu provavelmente teria atraído a atenção de muitos patrocinadores e a federação do meu país teria tomado conta de mim. Mas não aconteceu dessa maneira. Patrocinadores, você diz? Adidas? Nike? Wilson? Prince? Head? Eles nem existem na Argélia. Além de algumas equipes e o apoio de pequenas empresas locais, recebi apenas o mínimo para cobrir minha participação nos Grand Slams Júnior. E você sabe, na África, o orçamento para um atleta raramente acaba em sua conta bancária, se é que você me entende", prosseguiu.

A tenista argelina ressalta: “Estudo todas as possibilidades do calendário, tanto para otimizar custos quanto para tentar ganhar o máximo de pontos. Fico longe dos torneios para cortar custos. Você alterna entre saibro e quadra dura de uma semana para a outra como eu? Você termina torneios com buracos nos seus sapatos como eu? Eu sempre faço o meu melhor para corresponder às esperanças que as pessoas tinham quando eu era jovem, apesar da falta de fundos". 

Foto: Reprodução/YouTube
Por fim, Ibbou pede respeito e empatia não só a ela, como aos outros tenistas. "Caro Dominic, diferentemente de você, muitos compartilham minha realidade. Apenas um lembrete, não é graças ao seu dinheiro que sobrevivemos até agora e ninguém lhe pediu nada. A iniciativa veio de jogadores generosos que imediatamente demonstraram compaixão, com a classe. Jogadores que querem espalhar solidariedade e encontrar soluções para mudar as coisas. Campeões em todas as circunstâncias. Dominic, essa crise inesperada nos mergulha em um período delicado e revela a verdadeira natureza das pessoas. Ao ajudar jogadores você está ajudando o tênis a sobreviver. Este jogo é nobre”, sentenciou. 

Eu citei apenas alguns trechos do vídeo. Você pode acompanhar na íntegra, clicando aqui.

Thiem pode ter se expressado mal? Pode. Ele pode declarar suas opiniões? Com toda certeza, quanto mais os atletas se posicionarem, melhor para o esporte. Ele também tem todo o direito de não participar da iniciativa de doação ao circuito. 

O problema é que opinar com ideias elitistas sobre um "mundo" no qual você nem faz parte, pode gerar reações contundentes como essa de Ibbou. Ninguém está implorando "Nossa, Thiem, por favor nos ajude, precisamos de você". Não. O projeto do mesmo Novak Djokovic que critiquei no início do texto, de fazer doações para um fundo de auxílio aos tenistas foi algo espontâneo e humanitário visando a manutenção das boas condições no esporte. 

Os posicionamentos vindos do tênis, do esporte em geral e no nosso cotidiano, de autoridades e políticos, mostra cada vez mais como o mundo está polarizado e como falta responsabilidade social em várias dessas pessoas. 

Este é um texto opinativo, caro leitor. Vamos debater mais sobre o tema.

Smash!

Desde o início do mês o tênis profissional retomou atividades em torneios de exibição, com diversas restrições e protocolos para a segurança dos atletas. Todos os jogos não tiveram presença de público, por exemplo. É um bom teste para analisar o que poderá ser o retorno da temporada do tênis. Espero que não seja uma atitude precipitada.

Foto: ATP Tour

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