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Jogos Olímpicos na televisão Brasileira - Londres 2012, Introdução




Ao longo da década de 2000, a TV Record tinha seu departamento de esportes bem ativo e fornido. Graças a uma parceria com a Traffic, conseguira os direitos de transmissão de vários campeonatos de futebol (Brasileiro, Copa do Brasil, Série B, alguns campeonatos estaduais), todos sublicenciados pela Globo entre 2002 e 2006. Mesmo após o fim da parceria, a emissora paulistana do bairro da Barra Funda seguiu forte nos eventos esportivos. No futebol, chegou até a exibir a Euro 2004, com exclusividade na tevê aberta brasileira. Em outros esportes, mostrou algumas etapas do Circuito Banco do Brasil de vôlei de praia, em 2005, e até se aventurou pelo automobilismo, exibindo provas da Fórmula Renault. Além do mais, a emissora exibiu os Jogos Pan-Americanos de 2007.

Toda essa força – que sustentava uma tradição esportiva vinda desde os primeiros anos da televisão no Brasil, quando a Record (ainda de posse da família Machado de Carvalho) exibia o futebol paulista – embutia um desejo expresso do canal: não só se consolidar no segundo lugar em audiência, mas superar a TV Globo, líder histórica das medições. Mais do que um desejo da direção, era desejo do dono da Record, o pastor e empresário carioca Edir Macedo, patrono da Igreja Universal do Reino de Deus. Afinal de contas, Edir se sentira desrespeitado pelo tratamento desdenhoso dado pela Globo em seus noticiários, quando foi preso, em 1992.

A raiva aumentou partir de 1995: exibida nesse ano, a minissérie global Decadência focava ascensão e queda de um pastor, Mariel, interpretado por Edson Celulari, evocando a própria trajetória de Edir, de modo até humilhante. Desde então, à frente da Record, na década seguinte, o mandamento do carioca era um só: destronar a Globo, fosse como fosse, para que ela fosse humilhada, amargasse tudo o que ele e a Record amargaram ao longo da década de 1990.

O esporte fazia parte dos planos de Edir Macedo: era preciso tirar a Globo do posto de habitual (às vezes, única) exibidora dos grandes eventos esportivos na televisão aberta brasileira. Para isso, o canal passou a se rebelar a partir de 2005. E tinha um nome destacado pelos comandantes para planejar as ofensivas: seu diretor de esportes, Eduardo Zebini, hoje diretor de mídia (e secretário-geral interino) da CBF. Egresso da área de estatísticas, já então com longa trajetória em direção – no SBT, na Bandeirantes e na Manchete -, Zebini reconheceu ao UOL, em 2015: “Eu pude entender qual era o anseio da emissora e de que forma poderia ser concorrente na área esportiva”.

Sob o comando de Zebini, a Record fez propostas ao Clube dos 13 para tomar os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de futebol, a partir de 2007 – não deu certo, e a parceria com a Globo foi rompida tão logo 2006 terminou. Inclusive, ainda nesse ano, um momento deixou clara como a guerra por direitos de exibição estava aberta entre Globo e Record: na 37ª e penúltima rodada do Brasileiro de 2006, o São Paulo festejou seu quarto título do torneio, ganho na rodada anterior, com um 2 a 0 no Cruzeiro. A Globo mostrou normalmente a partida no Morumbi. A Record, não: no mesmo horário, exibiu Titanic. Era como se dissesse: queria estar exibindo outra partida, não o mesmo jogo que a Globo mostrava, como era. De quebra, as conversas no Debate Bola, debate diário comandado por Milton Neves na hora do almoço, traziam ofensivas iradas contra a Globo.

No futebol nacional, não deu certo – embora a Record até conseguisse alguns direitos de transmissão, como os dos campeonatos Baiano e Catarinense. Em 2007, então, veio a tentativa de tirar da Globo o grande evento do futebol mundial: a Record fez oferta à FIFA pelos direitos de transmissão das Copas do Mundo de 2010 e 2014. Também não adiantou: embora se especulasse que a oferta da Record fosse maior (US$ 360 milhões, US$ 180 mi pelos direitos de cada Copa, contra US$ 220 milhões da Globo – US$ 100 mi por 2010, US$ 120 mi por 2014), a velha parceria Globo-FIFA fez com que a entidade novamente cedesse os direitos de transmissão dos Mundiais à emissora dos Marinho.

Restavam os direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos. Afinal de contas, o acordo conjunto entre Globo e Band com o Comitê Olímpico Internacional expirava após Pequim-2008. A partir dali, Eduardo Zebini e sua equipe traçaram um plano cuidadoso para convencer a entidade olímpica de que a Record merecia ter os direitos de transmissão do ciclo olímpico seguinte, com os Jogos de Inverno (de 2010, na canadense Vancouver) e os de Verão (Londres-2012), mesmo que não exibisse com regularidade outras modalidades além do futebol. Na entrevista ao UOL, Zebini explicou o ponto principal: “Quando as negociações para as Olimpíadas surgiram novamente, meu trabalho foi mostrar na Record que era uma grande aquisição e depois instrumentalizar a proposta”.

Negociando diretamente com o COI, sem usar a OTI (Organização de Televisão Iberoamericana) como emissária, Edu Zebini usou da qualidade apontada por colegas como sua principal: o poder de negociar sem se indispor com o interlocutor, conversando calma e longamente. Mostrou ao COI o grande trunfo: ao contrário da Globo, cuja grade de programação era historicamente rígida, evitando mexer nos horários dos grandes “cavalos de batalha” – as novelas, o Jornal Nacional, o Fantástico e o Domingão do Faustão, bem entendido -, a Record tinha flexibilidade bem maior nisso. Poderia abrir quantos espaços quisesse para mostrar as disputas em Vancouver e, principalmente, em Londres.

E enfim, o trabalho cuidadoso da diretoria de esportes da Record foi premiado. Em 16/17 de março de 2007, começou a vazar uma das notícias mais bombásticas envolvendo esporte e televisão no Brasil: o COI escolhera a oferta do canal paulista como vencedora da disputa pelos direitos de transmissão do ciclo olímpico 2010-2012 – em matéria de Eduardo Ohata, Ricardo Perrone e Mariana Lajolo, no dia 17, a Folha de S. Paulo noticiava que a oferta da Record teria sido de US$ 60 milhões, mais do que o dobro do que o consórcio Globo-Bandeirantes pagara pelos direitos de exibir as disputas em Pequim-2008. E não era só para a televisão aberta: a Record seria a detentora dos direitos para tevê a cabo, satélite, internet e celulares. Quem quisesse, teria de negociar com ela.

Era verdade: após 40 anos, a Globo ficaria sem exibir os Jogos Olímpicos. E a Record aproveitou plenamente o direito de espicaçar a rival. O COI até fez as declarações protocolares de sempre - na nota da confirmação, o presidente Jacques Rogge afirmou: “Ao fechar este inédito e importante contrato com a TV Record, o COI está garantindo que o maior número possível de pessoas possa desfrutar os Jogos Olímpicos e a experiência olímpica no Brasil”. Mas Eduardo Zebini fez questão de alfinetar a Globo, lembrando das nebulosas negociações pelos direitos de transmissão das Copas: “Agora, na primeira negociação transparente, em que o vendedor recebe as propostas e decide com critérios técnicos, a Globo perde”.

Porém, mesmo que se dispusesse a negociar com outras emissoras (exceto, obviamente, a arquirrival) a sublicença dos direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos de Inverno e Verão, aos poucos a Record foi repetindo certos vícios globais que já eram criticados. Nas negociações, o valor da sublicença afastou concorrentes como a Bandeirantes. Tudo por uma intenção clara: devolver com a mesma moeda os sofrimentos anteriores, sendo a exibidora exclusiva dos Jogos Olímpicos em televisão aberta. Em 2010 e em 2012. O grupo até aquiesceu na televisão fechada, revendendo os direitos a SporTV, ESPN Brasil e Bandsports. Mas nos canais abertos, não haveria mais conversa. Pior: segundo as emissoras fechadas, a Record chegava a negar credenciais a elas para entrarem nos locais de disputa em Londres. Negociação de sucesso, só na internet: o portal Terra acertou com a Record e exibiu as Olimpíadas em seu site.

A obsessão da Record em ser a única estação de televisão a mostrar as competições em Londres já causara alguns problemas, bem antes dos Jogos Olímpicos. Em 2009, apenas dois anos após ser o principal artífice da vitória no leilão do COI pelos direitos de transmissão de Londres-2012, Eduardo Zebini deixou o canal. Na entrevista supracitada ao UOL, Zebini (já então no FOX Sports, em que ficou de 2012 a 2020) foi lacônico nas justificativas: “A compra do direito exclusivo de um evento de tamanha importância criava um contexto de possibilidade de exploração dos demais eventos internacionais. A Record pretendeu se utilizar do evento com exclusividade e diante da minha visão diferente da companhia, meu espaço ficou restrito”.

Trocando em miúdos: Zebini pretendia que a cobertura olímpica em 2012 catalisasse a Record como uma opção notável para a transmissão de mais eventos esportivos. Para a emissora e seus altos diretores, Londres bastava. Vencer a Globo nas medições de audiência durante os dias esportivos na Inglaterra já era suficiente.

Veio a exibição dos Jogos de Inverno em Vancouver, em 2010, com o trabalho da Record sendo relativamente elogiado (e até atraindo audiência). E em 2012, entre 25 de julho e 12 de agosto de 2012, restaria à Globo cobrir laconicamente as Olimpíadas, com Marcos Uchôa e Pedro Bassan como únicos enviados a Londres, para curtos boletins olímpicos no Jornal Nacional e nos noticiários esportivos, apresentados em geral na frente do Estádio Olímpico. Transmitir as disputas, para o grupo da família Marinho, só no SporTV. Porque a Record impusera a ela a grande derrota de sua história na exibição de eventos esportivos, um cenário cada vez mais concorrido naquela época.

E para saber como foi a cobertura em cada uma das emissoras, é só clicar abaixo.

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