A Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio conseguiu nos surpreender, seja positivamente ou negativamente. Desde a escolha de Osaka Naomi até a falta de elementos tecnológicos, o tom escolhido foi o da austeridade. Uma cerimônia feita para o pequeno público presente, de atletas, funcionários, voluntários e jornalistas - a tal Família Olímpica -, passando uma mensagem de simplicidade e moderação para os bilhões de telespectadores.
Segundo a assessoria de imprensa dos Jogos Olímpicos, um total de 10.400 pessoas estiveram no estádio: foram 6.000 atletas, 900 pessoas envolvidas na realização, além de convidados de honra e 3500 membros da imprensa.
Protestos realizados em frente ao Estádio Olímpico na tarde permaneceram audíveis dentro do estádio, mas nada que ameaçasse realmente o poder de resiliência de Thomas Bach e do Comitê Olímpico Internacional (COI) em levar os Jogos a frente contra tudo e todos.
É impossível aqui evitar uma impressão subjetiva, tendo assistido esse momento presencialmente. Alguns momentos causaram frisson no estádio todo, especialmente aquele em que uma série de drones fez o símbolo de Tóquio 2020 em cima do estádio.
Outro destaque ficou coma apresentação dos 50 pictogramas, liderados por Garmarjobat (Hiro-Pon), mímico e diretor teatral, com o dueto Gabez (MASA e hitoshi), além de Minami Daisuke e Matsumoto Ryo. Foi o respingo de criatividade, irreverência e diversão em uma cerimônia sóbria e marcada por escândalos e trocas de rumo. O momento do badminton, quando a interação deu errado, pareceu simbolizar toda a superação em momentos de adversidade dos Jogos que quase não aconteceram.
Muitos aplausos eram ouvidos em momentos específicos, como na chegada do Imperador e após o hino nacional interpretado pela famosa cantora e ativista Misai. Os discursos emocionados de Hashimoto e Bach comoveram os voluntários e funcionários, além dos atletas, que eram maioria absoluta no estádio. "Imagine", música não só de John Lennon, mas também da japonesa Ono Yoko, foi um belo toque do Japão moderno e globalizado, mas ainda assim sensível.
De resto, momentos emocionantes e reflexivos, como na escolha em alguns atletas veteranos e com mobilidades físicas e motoras para conduzir a tocha dentro do estádio. O apontamento de Osaka Naomi para acender a pira localizada num palco que representa o Monte Fuji, havia sido sugerida e talvez seja decepcionante para quem esperava a escolha de alguém que fizesse referência à Covid-19 ou mesmo um atleta de história olímpica.
Osaka tem causado uma revolução na sociedade e comportamento por todo Japão e passou por um ano turbulento. Somente nos últimos meses, ela expôs que é possível expor suas fraquezas e problemas para um país voltado ao comportamento comedido e sereno, e dialogar mesmo que timidamente e de forma desajeitada, em prol de um mundo mais justo. Quer uma reconstrução mais importante e necessária que essa?
Outro momento de quebra de protocolo foi quando Hashimoto Seiko chorou em seu discurso e apresentou tanta emoção em sua voz e rosto escondido por trás da máscara. Apesar de não entendermos o que ela falava, sem a tradução simultânea, era impossível não ver na presidente do Comitê Organizador de Tóquio (TOCOG) a luta de oito anos e muitas barreiras em levar para a frente um evento que parecia - parece - desafiar o bom senso. Chorei junto com ela.
Sem ignorar os problemas, os desafios e o possível surto de covid-19 dentro da pseudo-bolha olímpica, a mensagem de Thomas Bach pedindo solidariedade aparentou emocionar os atletas presentes. Pode não ser a Olimpíada que eles sonhavam ou se preparavam, mas é visível o alívio na maioria. Eles entraram da forma tradicional, ainda que foram fazendo vários grupos no estádio, para montar mosaicos. O gramado coberto do Estádio Olímpico praticamente não contou com artistas, funcionários e voluntários. Ele foi preparado para receber apenas eles, os atletas.
Atletas de 206 comitês olímpicos foram convidados a entrar no estádio, liderados pela Grécia. Um bom toque deste ano foi a entrada da Equipe de Refugiados Olímpicos logo em seguida. Reforçados e estabelecidos, em um mundo cada vez global, a criação do EOR tem tudo para ser o grande legado de Thomas Bach.
Cada delegação escolheu a forma de se apresentar. Lesoto, por exemplo, não levou atletas, com uma voluntária carregando a bandeira e membro da delegação presentes. O Brasil levou apenas Bruninho, Ketleyn Quadros, o chefe de missão Marco La Porta e Joyce Ardies, funcionária responsável por garantir que os atletas ficassem o mínimo possível.
Alguns trouxeram delegações grandes e de mãos dadas, caso dos EUA, afetos de um mundo pré-Covid 19 e que pode causar estranheza alguns. Outras delegações, caso de Quirguistão e Tajiquistão, chocaram ao mostrar atletas sem máscara, como se não houvesse uma pandemia que impediu os espectadores de estarem presentes na cerimônia.
Atletas do Quirguistão desfilam sem máscara. Bizarro. Não foi só um que tirou, foram vários - se não foi a delegação toda.
— Mateus Nagime (@MateusNagime) July 23, 2021
Por mais que estou torcendo pelo ouro inédito no wrestling, isso talvez seria caso para punição - incluíndo aos atletas infratores.#SurtoemTóquio
A igualdade de gênero foi muito bem-vinda, ainda que em alguns casos aparentemente não cumprida, já que em muitos países havia apenas um homem segurando a bandeira. No caso de Zimbábue, mais do que igualdade de gênero, Donata Katai e o remador Peter Purcell-Gilpin carregaram juntos a bandeira do país, que ainda vive sob forte tensão racial. Katai, inclusive, é a primeira nadadora negra a representar o país africano nos Jogos Olímpicos.
Ficou a sensação óbvia que faltou algo mais criativo, em uma cerimônia que teve que se reinventar. Os organizadores se contentaram em fazer algo simples e emocionante, o que é válido. Mas, pensando que é uma cerimônia exclusivamente televisiva, poderíamos ter tido mais momentos de interação virtual.
Na expectativa de algo grandioso e inventivo para os bilhões de espectadores na televisão fomos surpreendidos por uma cerimônia simples e baseada na palavra e movimentos corporais, destinado aos poucos milhares de atletas e trabalhadores presentes no gramado.
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