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O esporte na luta contra o racismo - Parte 1


Ahmed Arbery, Breonna Taylor, George Floyd, João Pedro Mattos, João Vitor Gomes da Rocha. Todos eles têm algo em comum. São pessoas negras que foram mortas por causa de ações de pessoas brancas. As desculpas são o clichê de sempre. Foram confundidos com bandidos, moravam em um local que passa constantemente por operações da polícia e foram baleados "sem querer", ou tiveram sua casa invadida durante execuções de mandato de busca e apreensão. É sempre o mesmo modus operandi que tenta encobrir o que não dá mais para ser omitido. O apartheid não acabou. O racismo é diário.

"Racismo é um ato de violência que coloca um grupo étnico superior a outro pela cor de sua pele. Provocar a desumanização das pessoas e assim sentir-se no direito de agredi-la por não considerar suas crenças e cultura aceitas por um padrão conservador e ignorante". Quem fez a afirmação foi o ex-lutador de taekwondo Diogo Silva, medalhista de ouro nos Jogos Pan-americanos Rio 2007, que sabe exatamente o que é racismo e lida com isso todos os dias. 


"Eu vivo o racismo estrutural todos os dias. O RH da empresa que diz que falta profissionais qualificados para preencher as vagas. Nossa formação nunca é o suficiente, nós precisamos ser espetaculares para ocupar o mesmo cargo que uma pessoa não negra ocupa, muitas vezes com uma formação básica e um cabelo liso. A violência policial é a instituição dando seu recado, a polícia foi criada para proteger a elite não para proteger pobre".

Diogo Silva é um dos porta-vozes de dentro do esporte na luta contra o racismo. Em um período onde cada vez mais se escancara a violência contra os negros (graças à tecnologia, gravações e denúncias em redes sociais), mais adeptos chegam com força para combater a segregação.

Uma dessas adeptas é a jovem tenista norte-americana Cori Gauff, de apenas 16 anos. Após a morte de George Floyd, ela gravou um vídeo protestando e questionando: "Serei a próxima?". O vídeo mostra fotos de várias pessoas negras que foram assassinadas nos últimos anos e termina com Gauff levantando as mãos como se estivesse recebendo a abordagem de policiais. 
Com mais um caso de uma pessoa negra morrendo após uma abordagem violenta da polícia norte-americana, uma grande onda de protestos está ocorrendo nos Estados Unidos. Algo que poucas vezes é possível ver no Brasil.

"Somos uma democracia mais jovem. Enquanto os americanos em 1861 já tinham Abraham Lincoln, nós tínhamos a colônia portuguesa. Outra diferença é que o negro americano nunca foi aceito, dessa forma eles se organizaram mais cedo. No Brasil nos fomos educados com o mito da miscigenação, assim como retrata as obras de Monteiro Lobato que apoiava a eugênia em suas histórias que foram passadas de geração a geração", relata Diogo Silva.

Surte +O esporte na luta contra o racismo - Parte 3

"Os negros brasileiros estão organizados, Zumbi dos Palmares, Machado de Assis, André Rebouças, Carolina Maria de Jesus, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro entre outros, fazem parte dessa organização, a revolução literária, do conhecimento. Não tem como articular politicamente sem financiamento. Mas a sociedade quer nos ver de arma na mão, como guerrilheiros para legitimar o extermínio", dispara Diogo. "A pergunta correta seria porque os brancos não se manifestam a favor da vida? A polícia é uma criação da sociedade branca, assim como a violência racial, apartheid, escravidão, fronteiras, arma de fogo, essas são as criações do branco. Eles deveriam responder porque se silenciam".

O atual momento político no Brasil não colabora para o diálogo entre as partes, sendo que a nação está divida por ideologias políticas que marcam este cenário. Com isso, os esportistas também ficam repartidos entre essas convicções. Ao ser perguntado sobre o atraso que isso causa no combate ao racismo, Diogo Silva tipifica a "ala esportiva" em três grupos, além de observar o fato de que o esporte está longe de uma conscientização política.

"Nos temos três tipos de atletas, o famoso, o invisível e o sobrevivente. O famoso é submisso ao dinheiro. O objetivo dele é ser famoso e ter dinheiro, ser consciente faz com que ele não alcance seu objetivo. O invisível tenta de toda forma obter algum destaque para ter o mínimo, não sobra energia para protestar. O sobrevivente é a minha classe, você vive em uma montanha russa, entre conquistas e frustrações, estuda para não ser passado pra trás e tenta se engajar politicamente para obter conquistas mínimas como contrato e salário", explicou Diogo.

"Os jogadores de futebol com mega salários que são afrodescendentes e que poderiam ser como os jogadores da NBA, não são, primeiro porque foi ensinado desde sua infância a negar seu cabelo, sua cor e sua origem. São de famílias miscigenadas que não discutem o racismo em casa e dizem como mantra que 'somos todos iguais'. Eles só descobrem que isso é mentira quando xingam ele de macaco na arquibancada. Como ele não se vê, não se aceita e não tem embasamento político para dialogar, ele vira alvo fácil de políticos", afirmou.

Rivais em quadra, os jogadores de basquete LeBron James, do Los Angeles Lakers, e Jaylen Brown, do Boston Celtics, são destaques no combate ao racismo nos Estados Unidos. James tem usado frequentemente sua conta no Instagram e no Twitter para postar mensagens de protesto contra a violência e morte de pessoas negras, que ocorre de forma recorrente. Por sua vez, Brown esteve presente em uma manifestação realizada em Atlanta e não se calou diante a onda de racismo que paira sobre o país.


Diogo Silva questiona a falta de protestos dentro do mundo esportivo brasileiro e relembrou belos exemplo de que esporte, política e luta contra o racismo podem caminhar lado a lado.

"Dentro dos clubes e seleções, política é proibido, manifestar-se é proibido, você perde patrocínio, perde titularidade e perde o clube. A educação brasileira é falha e apaga todo ato esportivo de política como a Democracia Corintiana, a atleta Soraia André do Judô que usou quimono preto para protestar, Aída dos Santos do atletismo que protestava durante a ditadura, entre outros".

Mas neste domingo (31), um grupo da Gaviões da Fiel, torcida organizada do Corinthians, foi até a Avenida Paulista para liderar a manifestação de torcidas antifascistas e clamar pelo fim do ataque à democracia no Brasil. O movimento também teve a participação de torcedores do Palmeiras.
Mas a geração que mantém viva a batalha contra o racismo, aos poucos está perdendo seus membros na ativa dentro do esporte, com a aposentadoria de muitos deles. Para Diogo, é possível ter atletas conscientes, mas para isso é necessário o apoio dos pais. Ele mostra otimismo para o futuro, com algumas boas ações das confederações esportivas.

"Quem deveria conscientizar os jovens são suas famílias. As famílias precisam entender que, há quatro gerações, moram mal, comem mal, vivem mal e são exploradas. Os livros salvam mais vidas do que as armas, atleta que não lê está fadado a ser invisível. O atleta jovem, se ele não tem as ferramentas mínimas que deveriam vir de casa, ele vai se deparar com um universo perverso. O estado provoca a deseducação, as organizações esportivas também. Mas hoje, cada confederação brasileira está tendo uma comissão de atletas para educar esse jovem, acredito que esse pode ser o caminho inicial para diminuir os impactos".

A jovem tenista japonesa Naomi Osaka, que inclusive já foi a número 1 do mundo na modalidade e lidera as mulheres na lista de atletas mais bem remuneradas dos últimos 12 meses na lista da Forbes, esteve presente em um protesto na cidade de Minneapolis, sendo mais uma esportista na luta contra o racismo.


Durante os Jogos Olímpicos de Atenas em 2004, Diogo Silva utilizou o momento oportuno para protestar.  Ao final da luta pelo bronze, na qual foi derrotado, Diogo ergueu o punho com uma luva preta, a exemplo do que foi feito pelos velocistas Tommie Smith e John Carlos no pódio dos 200m rasos das Olimpíadas da Cidade do México, 1968.

Foto: Retirada do site Uol, matéria "Com luva negra, Diogo protesta contra descaso ao taekwondo"

"Os Jogos Olímpicos são o maior evento esportivo do mundo, eu precisava falar para as pessoas o que é ser um atleta brasileiro. Trabalhei 20 anos como atleta e nunca tive carteira assinada. Minha profissão não é reconhecida no meu país. Fazer o que eu fiz foi um ato de cidadania", relatou Diogo.

Por fim, Diogo explica como o racismo poderá acabar. "Os racistas são os brancos e enquanto eles não admitirem que são, o crime não acaba. Nós como população negra precisamos estar cada vez mais unida e valorizar escritoras como Djamila Ribeiro, que tem um dos livros mais vendidos no Brasil que é o 'Pequeno Manual Antirracista'. Valorizar cineastas negros, atletas, atrizes, atores, trabalhadores autônomos, informais, médicos e todos que se destaquem".

Foto: Wander Roberto/Inovafoto/COB

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