Últimas Notícias

Surto Opina: Caminho para Rayssa Leal ser a maior atleta brasileira de todos os tempos também passa pela mídia

Caminho para Rayssa Leal ser a maior atleta brasileira de todos os tempos também passa pela mídia
Foto: Divulgação/SLS

Por Lucas Felix

Além dos feitos esportivos, é consensual que o apelo histórico de um atleta depende ainda do alcance de suas realizações. No Brasil, também é fácil chegar ao acordo de constatar que a ascensão crescente dos veículos digitais ainda passa longe de ser suficiente para alterar o quadro de importância essencial da TV aberta, como falamos por aqui ao observar a conjuntura sobre a mais recente edição do Pan.

Mas esse texto fica inspirado prioritariamente é por outra coluna, publicada pouco depois também aqui no Surto pelo colega Nathan Raileanu. A reflexão sobre o caminho para que a skatista Rayssa Leal se transforme na maior esportista feminina brasileira de todos os tempos passa não apenas por suas manobras e notas, mas por como elas irão impactar o país.

A trajetória de Rayssa é absolutamente sem precedentes na comparação com outros grandes nomes. Mesmo no futebol, que desperta atenções desde as categorias de base, nenhum jogador aos 13 anos já teve um foco similar ao da skatista com a conquista da medalha de prata em Tóquio. Mas ela já estava diante das câmeras em rede nacional, e não apenas social, desde os 7. Foi quando surgiu com a icônica fantasia de fadinha no Esporte Espetacular, que relembrou o momento no domingo (10) como parte das comemorações pelo seu cinquentenário.

Na matéria especial exibida para celebrar a efeméride, foram mesclados depoimentos de ídolos esportivos do passado e do presente, como Guga, Giba e Romário, além da própria Rayssa. Sem nenhuma coincidência, a sua fala foi ao ar logo depois da feita pela sobrinha de Ayrton Senna ao rememorar o piloto. E aqui cabe o óbvio disclaimer de que a simbiose emocional do mais célebre dos Silva com os brasileiros não se repetiu nem mesmo com o fim do jejum de 24 anos sem uma conquista de Copa do Mundo dois meses após o seu acidente fatal. Trata-se de um fenômeno quase espiritual à parte e irrepetível. Quando vistos os outros nomes, contudo, a chegada de Rayssa ao mesmo panteão é muito mais natural.

Mas o paralelo traçado sutilmente pelo EE permite observar algumas oportunidades que ainda são desperdiçadas pela Globo ao lidar com esse novo fenômeno. Embora o skate street tenha um circuito mundial estabelecido, com etapas rodando o mundo ao longo do ano, a emissora costuma optar por transmitir apenas a prova brasileira dessa turnê. É como se retomasse a Fórmula 1 para levar ao ar apenas o Grande Prêmio de Interlagos entre todo o calendário.

Vale frisar que há diferenças essenciais para que a disputa sobre rodinhas seja ainda mais amigável ao sempre desafiador objetivo de lidar com uma programação de canal aberto: há maior previsibilidade de duração na grade, um número de janelas que limita as interrupções ao longo do ano e um padrão favorável em relação aos fusos horários. Boa parte das “desculpas” usadas em relação ao preterimento de jogos de vôlei, por exemplo, deixam de ser pertinentes. Em 2023, as provas da liga foram realizadas em Chicago, Tóquio e Sydney, além de São Paulo.

Além das fronteiras e da bolha


Ampliar as exibições de disputas mundiais seria um passo importante para consolidar as rivalidades da modalidade aos torcedores. Se Senna teve a “ajuda” de nomes como Alain Prost e Nigel Mansell para consolidar a sua jornada, ter as japonesas, estadunidenses e australianas mais presentes na rotina da cobertura além da Olimpíada propriamente dita seria um passo importante para a ascensão do skate.

É uma lacuna que não é preenchida pelas transmissões eventuais do circuito brasileiro, o STU. Embora louváveis para a diversidade esportiva do calendário do programa, uma característica de resistência em suas cinco décadas, as exibições de finais entre os melhores atletas nacionais funcionam mais como uma demonstração da beleza do esporte do que para a sua fixação no imaginário coletivo de forma competitiva.

O problema pode vir de forma prática muitas vezes por parte das organizadoras estrangeiras interessadas em ampliar suas bases digitais, mas um planejamento real de exibições regulares para um mercado como o nosso tende a ser irresistível.

Outro passo essencial para a massificação da modalidade, o que virtualmente só traria benefícios para a própria rede que irá deter o seu momento máximo pelo menos até 2032, é a intensificação do processo de tradução de alguns nomes ligados aos eventos. É um precedente que já está ativo. Com razão, a divulgação da emissora nos dias que antecederam a disputa falou prioritariamente sobre a final da “Liga Mundial de Skate” e não sobre o “Super Crown”. Furar a bolha exige que a “comunidade do esporte” lide com essas concessões.

Na boa transmissão feita pelo narrador Everaldo Marques e pelo comentarista Geninho Amaral, houve espaço para contextualizar a origem dos nomes de algumas manobras. É um passo, mas fatalmente também haverá a demanda por algumas traduções aportuguesando determinadas expressões.

E embora até possa soar um contrassenso querer deixar o “skate street” mais próximo do idioma local, essa busca está sendo feita também pela próxima sede olímpica. Por lá, há inclusive uma missão ministerial dedicada somente a conduzir a aproximação das modalidades com o francês.

Em entrevista ao site Francs Jeux, o atual comandante dessa tarefa esclareceu que traduzir determinados movimentos é essencial para ajudar na compreensão da imprensa e do público. Daniel Zielinski pontuou sobre a necessidade de equilíbrio entre os conhecedores do esporte e os da língua. Seja na transmissão ao vivo, seja nas reportagens…


Surto Opina: Caminho para Rayssa Leal ser a maior atleta brasileira de todos os tempos também passa pela mídia
Foto: Helena Petry/COB

Nos VTs, a Globo ficou devendo na repercussão da glória brasileira na derradeira etapa da SLS. O Fantástico do domingo da disputa, no dia 3, dedicou 1m21s a falar das conquistas de Rayssa e do seu compatriota Giovanni Viana, vencedor entre os homens. Embora ambos tenham falado ao canal logo depois das conquistas, suas vozes não foram ouvidas. O dominical resumiu a dobradinha em uma nota coberta.

Meses antes, ao falar sobre o título do sérvio Novak Djokovic no Aberto de Tênis da França, o cronômetro foi bem mais generoso, com 2m04s apenas para a decisão masculina da disputa. Em ambos os casos, foram domingos relativamente comuns para o programa. Não houve nenhuma excepcionalidade que tomasse o tempo de pauta de forma central. E não custa lembrar que o tênis possui quatro finais relevantes por ano, mais do que o skate.

Talvez traumatizada com críticas do passado por um suposto pachequismo, a principal rede brasileira em alguns momentos parece achar que a única resposta possível é traçar um caminho diametralmente oposto. É uma contradição para uma editoria que está atualmente separada do jornalismo no organograma interno por, entre outros motivos, ter a emoção como sua matéria-prima com mais protagonismo. E se tratando de um veículo de massa, é óbvio que todo direcionamento deveria pensar mais no telespectador médio do país do que no comitê de eleitores do Laureus. Afinal, se o tamanho externo de uma conquista for ser importado para nós, o críquete e o rúgbi largariam na frente de modalidades mais concentradas no eixo Estados Unidos-Europa.

A percebida escassez de novos ídolos brasileiros com a dimensão daqueles de outrora passa muito por essa postura. Já foram algumas as chances desperdiçadas, mas Rayssa oferece uma oportunidade rara em que os resultados esportivos sustentam todos os demais atributos de imagem oferecidos por ela (e são vários!) de forma contínua ao longo do ciclo, como comprovado com a sua presença solitária como estrangeira entre os seis skatistas que foram ao pódio no Mundial encerrado ontem (17) no Japão.

Levando em conta a máxima de que o brasileiro gosta mesmo é de ganhar (e nada consta que seja tão diferente assim em outros países), que esse interesse do público seja abastecido. O caminho está aberto para que a outrora (e eterna) Fadinha seja não apenas a maior de nossas atletas femininas, mas também a mais midiática delas.

0 Comentários

.

APOIE O SURTO OLÍMPICO EM PARIS 2024

Sabia que você pode ajudar a enviar duas correspondentes do Surto Olímpico para cobrir os Jogos Olímpicos de Paris 2024? Faça um pix para surtoolimpico@gmail.com ou contribua com a nossa vaquinha pelo link : https://www.kickante.com.br/crowdfunding/ajude-o-surto-olimpico-a-ir-para-os-jogos-de-paris e nos ajude a levar as jornalistas Natália Oliveira e Laura Leme para cobrir os Jogos in loco!

Composto por cinco editores e sete colaboradores, o Surto Olímpico trabalha desde 2011 para ser uma referência ao público dos esportes olímpicos, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.

Apoie nosso trabalho! Contribua para a cobertura jornalística esportiva independente!

Digite e pressione Enter para pesquisar

Fechar