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Surto Opina: Pan sem TV aberta marca o auge de uma crise em que o esporte é o principal derrotado

Festa de encerramento dos Jogos Pan-Americanos
Foto: Alexandre Loureiro/COB

Por Lucas Felix


O encerramento dos Jogos Pan-Americanos de Santiago traz naturalmente ao torcedor brasileiro uma retrospectiva não somente da fantástica campanha esportiva feita pelo país na 19ª edição da história do evento, uma marca que evidencia a sua tradição. É a chance de recapitular também o impacto de uma transmissão inédita de um evento desse porte apenas pela internet, um movimento que espantou o público mesmo diante do avanço do streaming nos tempos pós-pandêmicos.

Antes de observar o efeito do meio que entrou de forma definitiva no mercado, contudo, é importante analisar o que se mostrou especialmente menos competitivo depois de décadas: a TV aberta. Detentora exclusiva dos direitos nos três ciclos anteriores à edição no Chile, a Record de fato inflacionou os valores de suas aquisições em patamares insustentáveis dentro da normalidade. Mas todas as suas outras agora ex-grifes se adaptaram ao mercado novamente sem grandes sobressaltos, como as competições mundiais de esportes aquáticos.

A partir do momento em que o canal rescindiu o seu contrato, ainda no auge da pandemia, a PanAm Sports teve tempo suficiente para perceber os novos ventos do mercado brasileiro, que não deixaram ilesos nem os torneios de futebol. Nesse intervalo depois de largar o Pan, a própria emissora de Edir Macedo já conquistou e perdeu o Carioca, que transmitiu em 2021 e 2022, e agora ainda está sem equipe para o Paulista que se inicia dentro de pouco mais de dois meses. Com apenas Mylena Ciribelli restando em seu time esportivo fixo, é evidente que a exibidora única da Olimpíada de Londres em sinal aberto fica cada vez mais distante do esporte.

O abandono gradual da pauta por um canal que entrou em decadência em praticamente todas as suas editorias seria um movimento menos preocupante para o fã do esporte olímpico se fosse isolado, mas a postura da Globo, líder incontestável no segmento, também traz motivos para aflição. O mais perceptível deles é o espaço decrescente que as modalidades além do futebol, soberano em seus variados gêneros, solos e faixas etárias, ganham em transmissões ao vivo além dos Jogos Olímpicos propriamente ditos. Mesmo o vôlei, outrora merecedor de destaque ao menos em competições realizadas no Brasil, viu a última edição do pré-olímpico masculino realizada no Maracanãzinho ser digna da transmissão de apenas dois de seus sete jogos em canal aberto. Partidas em faixas de pouco impacto para grade, como na manhã de sábado ou nas madrugadas (no caso do torneio feminino), foram solenemente ignoradas.

Com esse retrospecto envolvendo o segundo esporte mais popular do país, não é de se esperar que a situação fosse muito diferente caso a Globo tivesse os direitos do Pan, mesmo que as competições no Chile tenham tido o protagonismo de estrelas como Rayssa Leal e Rebeca Andrade. Ambas, aliás, já mereceram a exibição ao vivo dentro do Esporte Espetacular (a única faixa que parece ser possível) em competições de menor relevância esportiva.

A novidade negativa da principal exibidora das Olimpíadas no Brasil até 2032 em torno do Pan de Santiago esteve em um aspecto em que ela resistiu no ciclo dominado pela Record: a cobertura jornalística. Nas edições de 2011, 2015 e 2019, as medalhas brasileiras eram informadas, mesmo que através de fotos de agências, também no horário nobre da emissora. Jornal Nacional e Fantástico dedicavam diariamente cerca de um minuto a repercutir as conquistas do dia e o quadro de medalhas. A emissora chegava a reconhecer a sua limitação no uso de imagens, mas assumindo com o público o compromisso de seguir o desempenho dos atletas nacionais. Foi um padrão visto em Guadalajara, Toronto e Lima e agora abandonado.


Voluntário com a bandeira do Brasil durante a Cerimônia de Encerramrento
Foto: Gaspar Nobrega/COB


Essa mudança de rota acontece sem nenhum motivo jornalístico justificável. O esporte olímpico do Brasil conseguiu mais relevância nos quadros de medalhas dos grandes eventos de forma consistente, num movimento acompanhado pelo interesse do público tanto virtualmente quanto na própria TV. O referido jogo de classificação do vôlei, por exemplo, elevou a faixa horária matinal da rede em 25% em relação aos domingos anteriores. Se a partida do dia anterior teria tido efeito proporcional na comparação com os sábados, jamais saberemos, já que o É de Casa foi mantido integralmente em suas mais de quatro de horas de duração para abordar pautas como mitos e verdades sobre a calvície e a paternidade de seu apresentador Thiago Oliveira, nome egresso do esporte.

E o próprio Pan, embora mereça ressalvas sobre a diferença entre o seu tamanho esportivo e a sua relação emocional com os brasileiros, passou a distribuir mais vagas olímpicas e reunir nomes de maior peso em suas provas do que nas edições anteriores. Ao optar por praticamente ignorar o evento, a Globo jogou contra o seu próprio planejamento para os Jogos de Paris. Por mais que os primeiros detalhes anunciados ao mercado publicitário prenunciem uma cobertura digna de elogios na capital francesa, será uma grande incoerência da empresa caso não enxergue no esporte olímpico o mesmo potencial de diversidade que passou a entregar ao futebol feminino, dando espaço real além de apenas uma quinzena ou mês a cada quadriênio. A rede carioca, vale lembrar, repercutiu normalmente no JN a participação brasileira na mais recente Copa América da modalidade, mesmo que os direitos do torneio tenham sido do SBT.

A lembrança sobre a presença do canal de Silvio Santos no mercado de esportes mostra que a TV aberta segue sendo importante para o alcance dos eventos esportivos, tanto que Conmebol e UEFA conscientemente fecharam acordos com a rede paulista para as exibições da Taça Libertadores América, que voltou à Globo só nesse ano, e da Liga dos Campeões da Europa por lá. A PanAm Sports não conseguiu o mesmo nem com eles, nem com a tradicionalmente esportiva Band, muito menos com alguma TV pública…

A quantidade de portas que a organização antes conhecida como ODEPA não conseguiu abrir com quase três anos para as tratativas depõe menos contra todas as emissoras e mais contra ela própria. Por mais que a aposta na web seja necessária para a renovação do público, nenhum evento pode se dar ao luxo de dispensar uma plateia já cativa. E o Pan possuía essa importância, tendo chegado a instantes de liderança mesmo numa Record já em crise durante a edição de Lima.

Os excelentes números que tendem a ser apresentados pelo Canal Olímpico do Brasil e pela Cazé TV em seus universos indicam a fidelização de uma parcela mais fanática e predisposta a acompanhar os eventos, o que é realmente sensacional como elemento complementar em qualquer país do mundo. Mas nunca deveria ser justificativa para abandonar a possibilidade de conquistar novos fãs trazida pela televisão aberta. Resta torcer para que as experiências sejam complementares em Barranquilla 2027. Seria um ganho para todos os envolvidos, especialmente para os atletas.

1 Comentários

  1. As emissoras que não quiseram comprar a transmissão, a PanAm, CazéTV e o Time Brasil fizeram o que podiam fazer. Eu queria que eles transmitisse o Parapan também, que até agora nenhuma emissora quis comprar também.

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