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Coluna Surto Mundo Afora: Há 25 anos, Mandela e Piennar uniam a África do Sul através do esporte


Por Bruno Guedes

Quando o capitão sul-africano François Pienaar cumprimentou Nelson Mandela e ergueu o troféu da Copa do Mundo de Rugby no dia 24 de junho de 1995, após vitória do seu país sobre a Nova Zelândia por 15 a 12 na final, um capítulo da História estava escrita. E não apenas do esporte.

Por conta do seu regime racista mundialmente conhecido, marcado pelo Apartheid oficial, a África do Sul foi isolada dos demais países em diversas esferas. A esportiva não ficou de fora. Punida pela Federação Internacional de Rugby, ficou impedida de disputar os Mundiais de 1987 e 1991. Paralelamente, o planeta também virava as costas para as práticas de segregação sul-africana, e havia um boicote de artistas, políticos e esportistas em shows e eventos culturais organizados pelo país..

Até mesmo das Olimpíadas foi banida. No dia 18 de agosto de 1964 o Comitê Olímpico Internacional excluiu o país das edições seguintes. Durante 28 anos ficaram de fora, voltando apenas em 1992. Mesmo com o rugby tradicional não fazendo parte dos Jogos Olímpicos desde 1924 e o chamado Seven apenas em 2016, a World Rugby foi uma das últimas a excluírem os sul-africanos.

Entretanto, já redemocratizada e como parte dos esforços de reintegração à comunidade internacional, a África do Sul foi escolhida também em 1992 como sede da Copa para três anos depois. Vencedor do Nobel da Paz, Mandela ganhara a eleição presidencial em 1994 e se tornou símbolo maior da luta contra o Apartheid. Acabou também sendo um dos principais personagens daquela edição.

O "Madiba" viu ali um instrumento para unir um país saído de um período traumático. Assim como o seu irmão mais popular, o futebol, o rugby teve origens na Inglaterra e se expandiu pelo mundo através das suas colônias. Porém, da mesma maneira que o esporte da bola redonda no começo do século XX, o da oval também era considerado elitista pela população negra da África do Sul.

A seleção Sul Africana então ganhou seu protagonismo tão necessário. Mandela percebeu que a nação, assim de fato chamada, só emergiria da união entre brancos e negro após quase 50 anos literalmente dividida. E a torcida em prol de algo em comum seria o caminho mais curto para isso.



O presidente então passou a trabalhar a imagem do rugby, aproximando os opostos e mudando o pensamento de que era modalidade das elites e dos brancos. Sob o comando do técnico Kitch Christie, a equipe, que vinha de péssimos resultados nos anos anteriores à Copa do Mundo, ganhou holofotes ao lado dos apoios político, esportivo e o principal: popular. Era tudo o que Nelson queria e fez.

Com práticas de jogos e ações sociais nas partes mais pobres da África do Sul, os Springboks, apelido da seleção, fizeram parte do choque cultural causado pela face de um país que não se reconhecia como nação. Os jogadores passaram a ter contatos diretos com diferentes públicos e, principalmente, negros, além destes se sentirem integrados a algo bem maior agora. Uma comunhão que foi crucial para o sucesso daquele time e do país em si.

Chegada a Copa do Mundo, os africanos eram apontados potenciais vencedores, mas não como favoritos. Esta alcunha pertencia às poderosas Austrália e Inglaterra, campeã e vice de 1991, além das sempre potências Nova Zelândia e França. Mas estas seleções não contavam com a força de uma nação emergente. A África do Sul, além de terminar em primeiro no Grupo A, chegou à final com 100% de aproveitamento, superando Samoa nas quartas de finais por 42 a 14 e os fortíssimos franceses por 19 a 15 nas semi-finais.

A decisão aconteceu no tradicional Ellis Park, em Johannesburgo, com 62 mil torcedores. Torcedores, não. Sul-africanos. Brancos e negros compartilhavam espaços antes separados pelo racismo e a segregação histórica. Todos agora em um só coro entendiam o sentido de "Madiba" erguer sua nação, como planejara. Piennar e seus companheiros contribuíram para isso, vencendo os All Blacks por 15 a 12. Estava escrita a História.

Na hora da entrega do troféu, Mandela agradeceu ao capitão, que resumiu tudo numa frase: "Obrigado a você, senhor presidente". Um agradecimento de milhões representados por um jogador. Ou melhor, por 15.

Este momento foi tão importante para o fim do século XX que virou livro através de John Carlin com "Conquistando o Inimigo" e filme com Clint Eastwood em "Invictus".

Aqueles tempos que começaram pouco mais de 100 anos antes com a colonização africana e levou às duas guerras mundiais, terminava com um aperto de mão entre um negro e um branco. Ambos heróis de uma nação, enfim assim descrita.

Foto: AFP/Jean -Pierre Muller

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