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Os Jogos Olímpicos na televisão brasileira: Atlanta 1996, Manchete






(Vinheta de abertura das transmissões da TV Manchete para as disputas dos Jogos Olímpicos de 1996)


Narração: Alberto Léo, Carlos Borges, Halmalo Silva e José Silvério

Comentários: Carlos Alberto Torres (futebol), Wlamir Marques (basquete), Ênio Figueiredo (vôlei), Adhemar Ferreira da Silva (atletismo), Rômulo Arantes (natação), Fernando Brochado e Mônica Brochado (ginástica)

Reportagem: José Ilan

Apresentação: Márcia Peltier e Alberto Léo


É impossível falar da cobertura da TV Manchete para os Jogos Olímpicos de 1996 sem descrever as várias reviravoltas vividas pela emissora carioca, dentro e fora do esporte, até as disputas em Atlanta começarem. Para começar e lembrar: em julho de 1992, dias antes do início dos Jogos de Barcelona, a troca de comando da emissora - das mãos de Adolpho Bloch para as de Hamilton Lucas de Oliveira, dono da IBF Formulários. Só que os problemas com dívidas e atraso de salários ocasionaram duas greves em 1993 (dos funcionários paulistas da Manchete, em 15 de fevereiro, e dos cariocas, de 15 a 29 de março).


Mais impressionante: no meio de todas as aflições, a Manchete voltou às mãos de Adolpho Bloch, em 23 de abril de 1993 – alegadamente, porque Hamilton Lucas de Oliveira sequer pagara a primeira parcela da compra do canal carioca. Contestando isso, Hamilton entrou com processo, iniciando uma batalha jurídica que duraria seis anos. Pior: dois anos depois, em 19 de novembro de 1995, Adolpho Bloch morria, deixando o Grupo Bloch – e, claro, a TV Manchete – sem sua figura mais simbólica atrás das câmeras.


Trazidas pelo destino ou causadas pelas aflições financeiras vividas, as turbulências também atingiram o esporte dentro do canal sediado no bairro carioca da Glória. A começar pela Copa de 1994: sem poder pagar à OTI (Organização de Televisão Iberoamericana) a última parcela da compra dos direitos de transmissão do mundial de futebol, a Manchete ficou sem poder exibir o torneio. O que mantinha a emissora forte era ainda manter o noticioso Manchete Esportiva e ter alguns direitos de transmissão, por volta de 1993.


No futebol, a Manchete conseguia exibir o Campeonato Paulista, a J-League (Campeonato Japonês, na primeira temporada de sua história, com vários jogadores brasileiros), o Campeonato Italiano, a Copa do Brasil e até torneios amistosos de futebol feminino (como o Torneio de Uberlândia, em janeiro de 1995). Osmar Santos era o principal narrador, se valendo da grande criatividade para novidades como virar a câmera da cabine para si, no meio de uma partida, indagar o que aconteceria, e concluir com o atraente “Zoom, meu garotinho! Vamos pro jogo!”.


No basquete, o canal exibia o campeonato paulista da modalidade, e ganhava fama a dupla de transmissão (Osmar Santos narrando, Wlamir Marques comentando), assim como as expressões de Osmar - numa bola que batia no aro e não entrava na cesta, o narrador paulista exclamava “bambeou mas não caiu”. No automobilismo, a Manchete se fazia presente com outra grande novidade: as transmissões da Fórmula Indy, a partir de 1993, em rede com a CNT. A contratação de Galvão Bueno chegou a ser cogitada (para ser diretor de esportes, além de narrador das provas da Indy), mas Galvão preferiu a volta à Globo. E o caminho se abriu para um jovem locutor goiano ganhar sua primeira grande chance: Teocles José Brocos Auad, vulgo Téo José, contratado para narrar as provas, com os comentários de Willy Hermann e as reportagens de Luiz Carlos Azenha – este, um nome do jornalismo geral da Manchete transferido para o esporte. Além da Indy, a Manchete também se fazia presente nos campeonatos sul-americanos de Fórmula Ford e Fórmula 3, tendo o paranaense Luiz Carlos Largo como a voz do que ocorria nas pistas. E ainda havia a DTM europeia, com Edgard Mello Filho na locução.


Arrematando esse momento em que o vigor esportivo superava os problemas financeiros na Manchete, um programa notável começou em 1994: A Grande Jogada. Exibido aos domingos, feito pela produtora independente Multisport, às vezes apresentado por Osmar Santos, o programa chegava para concorrer com o Show do Esporte já tradicional na TV Bandeirantes. Eram dez horas ocupadas por eventos – ou por especiais como as exibições de filmes do célebre Canal 100, apresentados por Milton Neves, numa das primeiras aparições de destaque do radialista mineiro em televisão. E assim, no biênio 1993-94, tão crítico na história da Manchete, a dobrada A Grande Jogada/eventos esportivos conseguia manter a tradição da emissora nas coberturas esportivas, apesar de tudo.


Neste momento, o golpe veio do destino, não das finanças. Em 22 de dezembro de 1994, num acidente automobilístico ocorrido na Rodovia Transbrasileira, na altura do município paulista de Getulina (próximo a Birigui e Marília), um caminhão manobrou irregularmente no meio da pista e atingiu a BMW guiada por Osmar Santos. No choque, a haste que prendia o vidro do para-brisa virou um aríete, atingindo a cabeça de Osmar – mais precisamente, a Área de Broca, justamente a parte do cérebro responsável pela fala – e rompendo-lhe a artéria temporal. O narrador paulista perdeu muita massa encefálica, mas uma primeira internação na Santa Casa de Lins, outro município próximo, e a posterior, no hospital paulistano Albert Einstein, salvaram a vida de Osmar, que aprendeu a conviver com as sequelas na fala e nos movimentos, mantendo a vida social ativa – até hoje, aliás. Porém, sua carreira como narrador estava forçosamente encerrada.


A Manchete perdia um dos principais galvanizadores de sua atuação esportiva naqueles duros tempos. E no começo de 1995, A Grande Jogada foi perdendo fôlego. Para completar, o SBT comprou os direitos de transmissão da Fórmula Indy (e todos que faziam parte da transmissão dela na Manchete, como Téo José e Luiz Carlos Azenha), naquele mesmo 1995.


A partir de então, voltou a ganhar força dentro do departamento de esportes a “ala carioca” da Manchete – claro, com Paulo Stein, Márcio Guedes e Alberto Léo (1950-2016) à frente. Paralela e notavelmente, a emissora continuou em dia com a OTI. Mostrou recuperação financeira e até leve reação de audiência, após reformulações na programação. E conseguiu pagar a sua parte para levar os direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos de 1996. Só teve de lidar com mais um impacto. Ou melhor, dois: logo que o ano das disputas em Atlanta começou, tanto Paulo Stein quanto Márcio Guedes deixaram a Manchete rumo à TV Record – Paulo para narrar os jogos do Campeonato Carioca de futebol, Márcio para apresentar a mesa-redonda dominical Com a Bola Toda.


Alberto Léo ficou. E foi o símbolo da disposição da Manchete na cobertura do que ocorreria em Atlanta, batizada pela Manchete de “Olimpíada de Ouro”. O diretor de esportes - e também narrador - prometia à Folha de S. Paulo, em 7 de julho de 1996: “Vamos colocar 15 horas por dia direto dos Estados Unidos, mais duas edições do Movimento Olímpico, jornal com resultados e informações dos Jogos”. Dito e feito: a Manchete teve a menor equipe entre as emissoras brasileiras de televisão presentes nos Estados Unidos para as disputas olímpicas (apenas 25 enviados), mas lembrou tempos mais luxuosos no volume de transmissões. Primeiro, com os boletins preparatórios pré-Jogos, exibidos no decorrer da programação – A Caminho de Atlanta, sobre os atletas brasileiros que buscariam medalhas, e Deuses do Olimpo, com nomes icônicos na história olímpica. Depois, durante os Jogos, com as cerca de 15 horas de programação dedicadas às competições, arrematadas com a edição noturna do Movimento Olímpico, às 22h30, resumindo o que se vira no dia.


(Vinheta promocional da cobertura da TV Manchete para os Jogos Olímpicos de 1996)


Outra estrela da Manchete que simbolizou a cobertura em Atlanta foi Márcia Peltier. Então apresentadora do Jornal da Manchete, a jornalista carioca foi uma das enviadas aos Jogos, exatamente para apresentar o principal noticiário do canal, diretamente do centro internacional de transmissões na cidade-sede. E Márcia se mostrou entusiasmada, à Folha de S. Paulo, no dia supracitado, celebrando seu primeiro trabalho em Jogos Olímpicos: “Estou superemocionada. Gosto muito de esportes. Na hora de uma Olimpíada, vemos como o esporte pode transcender. A quebra de um recorde é um momento mágico”.



(Abertura do Jornal da Manchete em 22 de julho de 1996, com a apresentação de Márcia Peltier e as participações de Florestan Fernandes Júnior e Marcos Hummel, horas antes da final dos 100m do nado livre na natação masculina, nos Jogos Olímpicos de Atlanta. Postado no YouTube por Diogo Montano)


Peltier dividiria a locução das cerimônias de abertura e encerramento com Alberto Léo. Na hora dos esportes, Alberto seria o narrador das principais partidas e competições. E Halmalo Silva, àquela altura outro símbolo da Manchete, seguia como opção na locução. Como terceiro narrador entre os enviados, um experiente nome do rádio carioca: Carlos Borges, egresso da Rádio Nacional. No entanto, na maioria das vezes, as disputas seriam narradas do próprio IBC de Atlanta, ao invés da Manchete ocupar as cabines nos locais dos eventos.


Haveria ainda uma tentativa notável da emissora da família Bloch, com um narrador cujo nome já estava marcado com letras garrafais na história do rádio esportivo de São Paulo. Havia muito entronizado pela fama de suas transmissões na Jovem Pan, desde 1975 (com passagem de alguns meses pela Rádio Bandeirantes, em 1985), José Silvério tivera suas primeiras experiências televisivas narrando partidas da Seleção Brasileira de futebol na Copa de 1962, em programas especiais da TV Cultura paulista. O mineiro de Itumirim também teve experiência semelhante em 1995, dando voz às partidas da Seleção na Copa de 1970, para a série especial “25 anos do Tri”, feita pela ESPN Brasil.


E em março de 1996, Silvério recebeu a proposta da Manchete para ser um dos principais narradores da equipe em Atlanta, junto ao trabalho simultâneo na Jovem Pan. Foi, trabalhou, agradou. Mas, por opção própria do locutor, aquela foi sua última experiência televisiva: mesmo recebendo da Manchete sucessivas ofertas posteriores para fazer parte da equipe em definitivo, com “um salário que era o dobro do que ganhava no rádio” (revelação do próprio em entrevista ao UOL, em 2019), Silvério preferiu seguir somente na Pan – onde ficou até 2000, indo depois para a Rádio Bandeirantes, na qual ficou até o 2020 passado.


Nos comentaristas, a “Equipe de Ouro” da Manchete se mantinha firme, edição após edição dos Jogos Olímpicos. Após duas edições ausente, Carlos Alberto Torres (1944-2016) voltava a ser o comentarista da emissora para os torneios de futebol (masculino e, desde Atlanta, feminino). Nos certames olímpicos de basquete em Atlanta, Wlamir Marques se consolidava como outra marca da Manchete no bola-ao-cesto – repórter naquela cobertura, José Ilan reportou a despedida de Oscar Schmidt, na decisão do 5º lugar do basquete masculino, entre Brasil e Grécia. A mesma coisa para Adhemar Ferreira da Silva (1927-2001), que voltava a comentar o atletismo pela Manchete nos Jogos. E também para o técnico Ênio Figueiredo, cujas opiniões estiveram nos torneios de vôlei (masculino e feminino) disputados no Omni Coliseum e no Stegeman Coliseum de Atlanta.




(Trecho de Rússia 3 sets a 1 na Holanda, pelo torneio olímpico de vôlei feminino, em 30 de julho de 1996, nos Jogos Olímpicos de Atlanta, na transmissão da TV Manchete, com a narração de Carlos Borges e os comentários de Ênio Figueiredo. Postado no YouTube pelo canal “Memória do Vôlei”)


No comentário para as provas olímpicas da natação, no Georgia Tech Aquatic Center de Atlanta, a Manchete uniu o útil ao agradável na “Equipe de Ouro”. Em 1996, Rômulo Arantes (1957-2000) já era conhecido como ator e cantor, e dava sequência à sua carreira no canal carioca, com um papel na novela Xica da Silva. Mas era justo dizer: muito antes de ser ator, Rômulo tivera passado elogiável na natação, com um bronze no Mundial de Natação em 1978, cinco medalhas em Pan-Americanos (duas na Cidade do México-1975, três em San Juan-1979) e participação em três Jogos Olímpicos (Munique-1972, Montreal-1976 e Moscou-1980). Coube a Rômulo ser a voz para comentar as braçadas olímpicas na Manchete – e ter o prazer de ver as medalhas de Fernando Scherer e Gustavo Borges, de certa forma continuadores de uma história da qual Arantes fizera parte.





(Transmissão da TV Manchete para a final dos 200m livres na natação masculina, nos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta, com a narração de Carlos Borges e os comentários de Rômulo Arantes. Postado no YouTube por Danilo Guedes)


E mais um integrante habitual da Equipe de Ouro voltou à Manchete em 1996. Desta vez, com uma sucessora: o professor Fernando Brochado marcou presença novamente as competições de ginástica (artística e rítmica), tendo a seu lado a também professora Mônica Brochado. Fernando relatava o que se via, com os comentários de Mônica.



(Transmissão da TV Manchete para a final olímpica do salto sobre o cavalo, na ginástica artística feminina, nos Jogos Olímpicos de 1996, no Stegeman Coliseum de Atlanta, com a narração de Fernando Brochado e os comentários de Mônica Brochado. Até 35min21s do vídeo)


E a duras penas, com equipe pequena e condições menos luxuosas, a Manchete conseguiu concluir a última cobertura olímpica de sua história, de modo digno. No futebol, voltaria a uma Copa do Mundo, em 1998. Se os problemas financeiros renitentes acabaram levando-a ao fim, em 1999, a Manchete ficou com o consolo de ter mostrado tradição e força nas coberturas esportivas enquanto pôde.



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