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Os Jogos Olímpicos na Televisão Brasileira - Seul 1988, Globo




(Vinheta de abertura das transmissões da TV Globo para a cobertura dos Jogos Olímpicos de 1988. Postado no YouTube por “Arca da Fuzarca”)




Narração: Galvão Bueno, Luiz Alfredo e Ciro José

Comentários: Raul Plassmann (futebol), Hélio Rubens (basquete) e Antônio Carlos Moreno (vôlei)

Reportagens: Luiz Fernando Lima, Isabela Scalabrini, Francisco José, Marcos Uchôa, Carlos Dornelles e Neide Duarte

Apresentação: Fernando Vannucci, Léo Batista, Valéria Monteiro, Sérgio Ewerton, Lina Menezes e Leilane Neubarth

Participação: Armando Nogueira


Se em Los Angeles-1984, a ideia de uma cobertura mais modesta foi paulatinamente substituída por mais espaço aos Jogos Olímpicos na programação, a TV Globo foi para Seul-1988 novamente sem grandes intenções. Algo expresso até por um dos coordenadores da cobertura. Falando à revista Istoé/Senhor de 7 de setembro de 1988, o diretor de esportes da emissora, Leonardo Gryner, foi claro em sua descrença: “É pena, mas a audiência dessa Olimpíada será pequena, por causa do horário da madrugada”. E muito tempo depois – mais precisamente, em 2011, quando depôs ao projeto Memória Globo -, o diretor de operações Fernando Guimarães relembrou a diminuição dos investimentos da Globo na cobertura de Seul-1988: “A gente fez um pool, e tinha muito pouca coisa exclusiva que a Globo fazia. Não se apresentava nada de lá, as apresentações [para as competições] eram todas feitas aqui”.


O que não quer dizer que a emissora campeã de audiência absoluta no Brasil, naquele fim de anos 1980, trataria os Jogos Olímpicos de 1988 como um evento qualquer. 200 dias antes da cerimônia de abertura, o já tradicional Globo Esporte começou a ter um quadro olímpico, em suas edições diárias. Era o Momento Olímpico, que começava com o tigre Hodori, popular mascote daqueles Jogos, fazendo a “contagem regressiva” para a abertura. Depois, notícias de preparação de Seul e de apresentação da cidade-sede, terminando com a apresentação dos atletas brasileiros que iriam aos Jogos e da preparação deles, bem como de outros candidatos a estrelas nos Jogos. Em 2 de maio de 1988, a Globo começou a exibir uma segunda edição do Momento Olímpico, de segunda a sexta, no minuto posterior ao Jornal Nacional, reapresentada antes do Globo Esporte do dia seguinte. Nesta versão noturna, o programa-vinheta geralmente lembrava grandes medalhistas, com a locução de Fernando Vannucci (1951-2020).


À medida que se aproximava o 17 de setembro de 1988 (para o Brasil, pelo fuso horário, ainda seria dia 16) da cerimônia de abertura no Estádio Olímpico de Seul, o canal da família Marinho foi definindo seus 66 enviados à cidade-sede sul-coreana, que fariam a cobertura das disputas, tendo o auxílio de 100 outros profissionais que ficariam na sede global, no bairro carioca do Jardim Botânico. A equipe em Seul teria dois “capitães”. Um deles, como se escreveu pouco acima, era o diretor de esportes Leonardo Gryner. O outro era diretor de jornalismo da emissora, mas tinha ligação íntima com o esporte: Armando Nogueira (1927-2010). Já os que permaneciam no Rio seriam comandados por um trio: o editor de esportes Telmo Zanini, o diretor de eventos Alfredo Taunay e o também supracitado Fernando Guimarães, diretor de operações.


Entre os 66 nomes que representariam a TV Globo em Seul – a maior delegação, entre as emissoras brasileiras -, Galvão Bueno seria a voz absoluta nas narrações. Se ainda dividira o posto de locutor principal do canal em Los Angeles-1984 (e na Copa de 1986, no futebol) com Osmar Santos, Galvão enfim viveria sua primeira cobertura global como grande estrela, naqueles trabalhos olímpicos na capital da Coreia do Sul. Outro locutor da emissora seria Luiz Alfredo, em seu segundo trabalho nos Jogos pela Globo.


Já o terceiro a dar voz às disputas em Seul pela Vênus Platinada era um nome tradicional que estava de volta ao canal: Ciro José. O paulista deixara a Globo em 1982, para se concentrar na Traffic que comandava em sociedade com José Hawilla (1944-2018). Por meio da Traffic, Ciro trabalhara na cobertura do pool SBT-Record para os Jogos Olímpicos de 1984 e para a Copa de 1986. Foi justamente depois daquela Copa que ele foi convidado por José Bonifácio “Boni” de Oliveira Sobrinho, o poderoso diretor de operações da Globo, para retornar à emissora em que fora nome fundamental na estruturação da divisão de esportes. Ciro aceitou, como se lembrou aos jornalistas Allan de Abreu e Carlos Petrocilo: “Aceitei o convite. Estava com saudades do jornalismo”. E voltou à antiga casa, em 1987, para ser diretor executivo de esportes – um posto abaixo de Leonardo Gryner, na hierarquia. Em Seul, Ciro também seria locutor, no atletismo, na ginástica e na natação.


Narradores definidos, a Globo trouxe três nomes para fazerem os comentários das disputas em Seul. Comentando as partidas de vôlei (óbvio, com destaque para as equipes brasileiras masculina e feminina), um nome que já tinha experiência de televisão em Jogos Olímpicos: Antônio Carlos Moreno, técnico do Banespa e destaque da Seleção Brasileira masculina nos anos 1970, comentarista da TV Manchete em Los Angeles-1984. Para o basquete masculino – no qual a expectativa de medalha do Brasil era gigante, após a façanha do título pan-americano contra os (e nos) Estados Unidos em 1987 -, a Globo teria outro nome de experiência: Hélio Rubens, que jogara em duas edições (Cidade do México-1968 e Munique-1972). No futebol, o ex-goleiro Raul Plassmann já estava na emissora carioca desde 1987, como convidado especial nas transmissões de jogos. E Raul foi efetivado na Globo justamente naquela cobertura olímpica, comentando dos estúdios no Rio de Janeiro os jogos que Galvão Bueno narraria.


Mas a grande aposta da cobertura da Globo estava nos repórteres, que teriam muito trabalho para todos os telejornais – fossem os esportivos (como o Globo Esporte e o Esporte Espetacular, então exibido nas noites de domingo), fossem os gerais (o Bom Dia Brasil, o Jornal Hoje, o Jornal Nacional e o Jornal da Globo). Com a experiência prévia da cobertura pela Globo em Los Angeles-1984, Francisco José foi a Seul, onde faria as reportagens sobre vários esportes – entre eles, futebol e vôlei. Outro nome remanescente de 1984 era Isabela Scalabrini, que acompanharia os atletas brasileiros na Vila Olímpica. A novidade global para Seul entre os repórteres estava em um nome vindo da TV Manchete em 1987, tornando-se um símbolo do canal nas coberturas: Marcos Uchôa, que se focaria principalmente nas disputas do atletismo. Para a cobertura do contexto social que Seul vivia, com protestos pedindo a unificação das duas Coreias, dois repórteres da emissora foram destacados: o gaúcho Carlos Dornelles e a paulista Neide Duarte.


Finalmente, também focado no acompanhamento de tantas modalidades quantas fossem possíveis, estaria mais um repórter de ponta na divisão de esportes da Globo: Luiz Fernando Lima. Inclusive, Luiz esteve na cabine, lado a lado com Galvão Bueno e Ciro José, na transmissão da Globo para a cerimônia de abertura. Durante ela, no desfile das delegações, os países mais notáveis para a audiência brasileira – Estados Unidos, União Soviética, Alemanha Oriental e, claro, Brasil – teriam rápidas apresentações dos candidatos mais fortes a medalha, com locução gravada de Fernando Vannucci. E no revezamento entre Galvão e Ciro, coube ao primeiro estar falando no momento em que três atletas sul-coreanos (Kim Won-tak, Chung Sun-man e Sohn Mi-chung) acenderam a pira olímpica.


Mas o parágrafo inicial deste texto já sinalizava: a Globo teria investimentos mais modestos para sua cobertura dos Jogos, em 1988. E isso foi sentido no montante gasto: US$ 4 milhões, metade do investimento da TV Bandeirantes em Seul. Além disso, o canal já não teria mais satélite exclusivo para enviar imagens a qualquer momento do dia ou da noite olímpica: somente 135 minutos diários. E fora a óbvia exibição das provas, a emissora da família Marinho só teria espaço para os Jogos Olímpicos em dois momentos dentro da programação diária. O primeiro momento seria logo após a madrugada olímpica brasileira terminar: por volta das 12h40 de Brasília, o Globo Esporte servia como um informativo diário dedicado ao que se vira em Seul.


Já à noite, para esquentar o telespectador rumo ao que se veria na madrugada, o Jornal Nacional e o Jornal da Globo teriam um “Bloco Olímpico” diário enquanto durassem os Jogos. Dia a dia, dos estúdios no Rio de Janeiro, três duplas se alternariam na apresentação de reportagens da equipe em Seul: Sérgio Ewerton e Valéria Monteiro, Fernando Vannucci e Lina Menezes, Leilane Neubarth e Léo Batista. Tais duplas também ancorariam a cobertura da Globo na madrugada olímpica – e no caso do bloco do Jornal da Globo, Juca Kfouri (que chegara à TV Globo naquele 1988) também participaria, com um comentário diário, como já fazia normalmente. Finalmente, cada “Bloco Olímpico” do Jornal Nacional terminaria com uma crônica de Armando Nogueira, sobre o fato mais importante que tivesse acontecido nos Jogos naquele dia.



(“Bloco Olímpico” dentro do Jornal Nacional de 16 de setembro de 1988, horas antes do início da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 1988, com a apresentação de Sérgio Ewerton e Valéria Monteiro)


Competições iniciadas em Seul, as coisas foram ficando melhor definidas na cobertura da Globo. Galvão era o narrador nos torneios de futebol e basquete masculinos, tendo os comentários de Raul Plassmann naquele, e de Hélio Rubens, neste.




(Primeiro tempo de Espanha 118x110 Brasil, pela fase de grupos do torneio de basquete masculino, nos Jogos Olímpicos de 1988, em 24 de setembro de 1988, na transmissão da TV Globo, com a narração de Galvão Bueno e os comentários de Hélio Rubens)


Nos torneios masculino e feminino de vôlei, Galvão só deu voz às partidas das fases decisivas – como fez na transmissão da vitória da União Soviética sobre o Peru, decisão do ouro no vôlei feminino. Luiz Alfredo acompanhou as partidas do Brasil nas fases iniciais ou menos importantes, tendo ao lado Antônio Carlos Moreno.



(Trecho de Alemanha Oriental 3 sets a 1 no Brasil, na decisão do quinto lugar do torneio de vôlei feminino, nos Jogos Olímpicos de 1988, na transmissão da TV Globo, com a narração de Luiz Alfredo e os comentários de Antônio Carlos Moreno)


Por sinal, foi ao lado de Moreno que Luiz Alfredo acabou sofrendo uma punição que, por vias tortas, terminou sendo sua grande sorte naquela cobertura. O narrador descreveu o ocorrido numa entrevista ao UOL, em 2015. Era o dia 30 de setembro de 1988. Com poucos jogos de vôlei agendados, Luiz e Moreno foram visitar uma loja da Asics, em Seul. Segundo o locutor: “Voltamos a tempo de trabalhar, mas já começaram os comentários. Diziam que eu havia ido passear. Então, fui punido. Me tiraram do vôlei e mandaram fazer o judô. Peguei informações na sala de imprensa e fui trabalhar”. Coube a Luiz acompanhar a categoria até 95kg, do centro de imprensa em Seul. Nela estava o brasileiro Aurélio Miguel. O locutor da Globo já ouvira falar do judoca paulistano: “Conhecia o Aurélio Miguel lá do Clube Pinheiros. Sabia que ele estava bem treinado”.


Luiz Alfredo foi narrando, Aurélio foi ganhando suas lutas no ginásio Jangchung, já teve a semifinal exibida em flashes pela Globo no meio da madrugada... e veio a final. Alguns locutores já queriam assumir o posto na cabine, mas Luiz lá estava e lá ficou. Seguiu ignorando palpites da coordenação da transmissão, no Rio de Janeiro: “Vi que o Aurélio tinha um koka de vantagem. E, quando faltavam 40 segundos, comecei a dizer: são dois adversários, o alemão [Marc Meiling] e o tempo. No Rio, estava o presidente da federação carioca de judô e uns caras da retaguarda. Ficavam no meu ouvido falando que eu estava errado e que a luta estava empatada. ‘Não fala merda’, eles gritavam. E eu firme, bancando”. Finalmente, o cronômetro fica zerado. E Luiz lembrou ao UOL, bem humorado: “Terminou a luta, eu grito que foi ouro. E o Aurélio ajoelhou. Você acha que o Aurélio iria se ajoelhar para agradecer um empate?”. O azar da punição após a saída do centro de imprensa foi a sorte de Luiz Alfredo, narrador da Globo para a única medalha de ouro brasileira em Seul.


No atletismo, Ciro José, Luiz Alfredo e Galvão Bueno se alternavam na narração das provas, no Estádio Olímpico de Seul. Mas nas finais das provas, Galvão era a previsível escolha para narrar, enquanto nomes como Luiz Fernando Lima e Marcos Uchôa faziam as reportagens para os noticiários da Globo. Aí, Galvão despontou: foi dele a voz para outra medalha brasileira – o bronze de Róbson Caetano, nos 200m, relatado por Luiz Fernando para o “Bloco Olímpico” do Jornal Nacional, em 28 de setembro de 1988.



(Final dos 200m masculinos no atletismo, nos Jogos Olímpicos de 1988, na transmissão da TV Globo, com a narração de Galvão Bueno)


Mas foi outra final do atletismo, narrada por Luiz Alfredo, que causou celeuma – e causou, talvez, o momento mais alto da cobertura olímpica global em Seul. Claro, aqui a referência é à final dos 100m, em 24 de setembro, à meia-noite e meia de Brasília, quando Ben Johnson não só superou sua grande nêmesis da época, Carl Lewis, mas também bateu os recordes olímpico e mundial com os 9,79s que o davam a medalha de ouro, inicialmente.



(Final dos 100m masculinos no atletismo, nos Jogos Olímpicos de 1988, na transmissão da TV Globo, com a narração de Luiz Alfredo)


Na crônica para encerrar o “Bloco Olímpico” do Jornal Nacional daquele dia, muitas horas depois, Armando Nogueira se embevecia: “Ben Johnson é o homem mais rápido do mundo. Veloz como o próprio tempo, ele passa pela pista (...) Ben Johnson é uma maravilhosa multidão de músculos, faiscando pelo corpo afora, clarão em plena luz do sol. Ainda bem que o homem inventou a câmara lenta, para nos mostrar, numa cadência mais humana, um pouco do vertiginoso milagre que faz de Ben Johnson, mais do que um atleta, um tesouro olímpico”.


Dois dias depois, não havia mais “multidão de músculos”, nem “tesouro olímpico”. Havia apenas a explosão que abalou aqueles Jogos Olímpicos: a revelação de que o exame antidoping do atleta canadense, vencedor da prova olímpica mais esperada do atletismo, apontara a presença de estanozolol, um esteroide anabolizante. Contraprova também positiva, Ben Johnson foi banido dos Jogos, seu recorde mundial foi cancelado, e o ouro caiu no colo de Carl Lewis, bicampeão olímpico dos 100m. Isabela Scalabrini e Luiz Fernando Lima reportaram todo aquele terremoto nos noticiários da Globo, diretamente da Vila Olímpica em Seul. E na sua crônica para o Jornal Nacional de 27 de setembro de 1988, Armando Nogueira voltou atrás, com um texto raivoso – de cujo encerramento Galvão Bueno nunca mais se esqueceu: “Devolve a medalha, malandro. E trata de pedir desculpas ao Carl Lewis, pelo mau jeito”.


Muito próxima dos atletas na Vila Olímpica, Isabela Scalabrini não só relatou o chocante doping de Ben Johnson. Foi a repórter carioca da Globo que comunicou o que acontecia a Joaquim Cruz, uma das estrelas do Brasil em Seul. Por sinal, no mesmo dia 26 de setembro, Joaquim ganhava a medalha de prata nos 800m, em prova narrada por Galvão Bueno e reportada por Marcos Uchôa para o Jornal Nacional daquele dia. Isabela relatou ao projeto “Memória Globo”, em 2007: ao fazer as reportagens na Vila Olímpica para o Jornal da Globo de 26 de setembro, contando a Joaquim Cruz sobre o doping, a resposta do corredor de Taguatinga (DF) foi “eu sabia, esses campeões todos se dopam”.


A repórter começou a gravar com Joaquim Cruz para o noticiário noturno, e o atleta foi além: “Eu só sei que tem um monte de gente fazendo resultados absurdos, tanto no masculino quanto no feminino, sabe? E esse pessoal apareceu de repente, sabe, num estalo de dedos. Não dá para entender o que esse pessoal fez para obter esses resultados”. Isabela inquiriu: “É o caso do Ben Johnson?”. E Joaquim seguiu: “É o caso do Ben Johnson, porque ele vem correndo há muito tempo, e de um ano para o outro ele apareceu com 9,83s, 9,79s, então esse rapaz deve estar fazendo alguma coisa anormal para correr nesses resultados. Pegaram hoje, né?”. Isabela: “O que mudou em Ben Johnson?”. Joaquim: “O físico. Era bem mais fraco, bem menor, e hoje ele é uma pessoa completamente diferente”.


A repórter perguntou sobre outras estrelas dos Estados Unidos no atletismo, naqueles Jogos: “A Florence [Griffith-Joyner] também, a recordista dos 100m?”. O desabafo de Joaquim seguiu: “A Florence, em 1984, você via aquela pessoa, era uma pessoa feminina. Hoje, parece mais um homem do que uma mulher. E a própria [Jackie] Joyner [ouro no heptatlo e no salto em distância], parece um gorila”. Isabela: “Você não está surpreso com o que aconteceu”. Joaquim: “Não fiquei, porque, sabe, é uma coisa que o pessoal vem comentando há muito tempo. Dessa vez, alguém resolveu pegar de vez, e deu esse escândalo todo”. Isabela ainda brincou, perguntando se o doping não era o caso do queniano Paul Ereng, que vencera Joaquim Cruz e levara o ouro nos 800m. Joaquim, claro, negou: “Não, não é o caso do queniano. Ele venceu e venceu bem”. E o atleta concluiu: “[O banimento de Ben Johnson] Foi bom para o atletismo, e eu só espero que peguem o resto também, porque tem muita gente usando droga”.


Bastou: várias emissoras, de todo o mundo – principalmente dos Estados Unidos – foram ao escritório da Globo no centro de imprensa em Seul para pegar as imagens da entrevista bombástica de Joaquim Cruz a Isabela Scalabrini no Jornal da Globo. Antes mesmo das imagens ganharem o mundo, o brasileiro se desculpou com Bob Kersee, técnico da equipe de atletismo estadunidense (e marido de Jackie Joyner). Com legendas em inglês e tudo o mais, a CNN exibiu as imagens da emissora brasileira em seus noticiários. Como Joaquim já treinava havia muito tempo em Eugene, no estado do Oregon (cidade em que até hoje mora), os atletas norte-americanos o conheciam. Claro, a imagem de Cruz ficou manchada para eles. Abalado pela repercussão e sem concentração, Cruz preferiu nem participar da semifinal dos 1500m. Por sinal, decisão revelada a Isabela Scalabrini, no Jornal da Globo: “Para ir lá dentro e ficar em último, não ia dar”.


E no futebol? Com Galvão Bueno narrando e Raul Plassmann comentando, a Seleção Brasileira foi empolgando aos poucos. Já esquentou bastante nas quartas de final, com o triunfo sobre a Argentina. Mas o auge da cobertura do que fazia o time treinado por Carlos Alberto Silva (com Taffarel, Jorginho, Bebeto, Romário e Geovani como destaques em campo) veio para a TV Globo na semifinal do torneio olímpico, contra a Alemanha Ocidental. Na transmissão do jogo no Estádio Olímpico de Seul, em 27 de setembro, no 1 a 1 durante 120 minutos, pela primeira vez em sua carreira, Galvão gritou de alegria com defesas de Taffarel em pênaltis – um no tempo normal, dois na disputa de cobranças.


Comentando, Raul Plassmann também se envolveu com a dramática semifinal: logo após a defesa de Taffarel no penal do tempo normal, Galvão mencionou que “Raul não está podendo falar nestes últimos minutos por causa dos lances de emoção seguidos”. Finalmente, após o 3 a 2 do Brasil na decisão por pênaltis que levou à final pelo ouro, Galvão Bueno exultou: “Passa a existir um novo herói no futebol brasileiro, e ele se chama Taffarel!”. O Globo Esporte também aproveitou: Márcio Canuto fez uma matéria com os transeuntes que viraram torcedores naquele Brasil x Alemanha, vendo a semifinal num televisor na Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Em Seul, coube a Francisco José falar no gramado com Taffarel, o herói absoluto do dia.




(Compacto de Brasil 1(3)x1(2) Alemanha, semifinal do torneio de futebol nos Jogos Olímpicos de 1988, na transmissão da TV Globo, com a narração de Galvão Bueno e os comentários de Raul Plassmann. Exibido em 2016, na faixa “SporTV Classic”, no SporTV. O gol da Alemanha, aos 24min50. O gol do Brasil, aos 29min58. A defesa de Taffarel no tempo normal, aos 31min32. A decisão por pênaltis, a partir de 45min06)


No “Bloco Olímpico” do Jornal Nacional em 30 de setembro, Francisco José fez a reportagem sobre a torcida de todos os atletas brasileiros na Vila Olímpica pela vitória do time brasileiro de futebol. Mas... não deu, com a amarga derrota para a União Soviética na final (2 a 1). Pelo menos, a Globo pôde comemorar vitórias mais importantes: na audiência. Mesmo concentrando seu trabalho na madrugada, mesmo sem se dedicar à exibição das disputas olímpicas como Bandeirantes e Manchete, a habitual liderança global de audiência sempre se manteve. Por exemplo: pela medição do Ibope divulgada na revista Placar de 28 de outubro de 1988, semanas depois do fim dos Jogos, o mencionado Brasil x Alemanha da semifinal do futebol masculino teve a Globo com 31 pontos na audiência paulista, contra 11 da Bandeirantes e 2 da Manchete. Em outra semifinal – a do vôlei masculino, quando os Estados Unidos fizeram 3 sets a 0 no Brasil -, a Globo obteve 33 pontos de audiência no Rio, contra 7 da Manchete e 1 da Band.


E se houve um símbolo vitorioso daquela cobertura, foi Galvão Bueno. Não só por se consolidar em Seul como principal narrador da Globo, mas pela jornada pesada de trabalho: afinal, narrou não só várias competições dos Jogos, mas também os Grandes Prêmios de Portugal e Espanha, no Mundial de Fórmula 1, então em momento decisivo na disputa que Ayrton Senna e Alain Prost travavam pelo título – que Senna ganharia.


Pior: no dia 2 de outubro de 1988 da cerimônia de encerramento dos Jogos, Galvão saiu do Estádio Olímpico direto para um estúdio, em Seul, onde narrou a corrida da Espanha, vencida por Prost. O narrador perdeu uma festa que a Globo organizara para sua equipe, à guisa de festejos do trabalho em Seul. Mas ganhou um reconhecimento de que se lembrou com carinho em seu livro de memórias, em 2015. Voltando do estúdio após narrar o GP espanhol da Fórmula 1, encontrou no hotel um buquê de flores e um cartão: “Galvão flor, você foi nossa voz, nosso coração batendo forte, nossa emoção nos Jogos de Seul. Um beijo, Armando”. Era o reconhecimento valioso do chefe Armando Nogueira...

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