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Jogos Olímpicos na Televisão brasileira - Los Angeles 1984, Globo

  





Por Felipe dos Santos Souza



(Vinheta de abertura das transmissões da TV Globo, durante os Jogos Olímpicos de 1984. Postada no YouTube por Flávio Baccarat)


Narração: Galvão Bueno, Osmar Santos e Luiz Alfredo

Comentários: Luiz Fernando Lima e Ricardo Pereira

Reportagens: Luiz Fernando Lima, Ricardo Pereira, Isabela Scalabrini, Ricardo Menezes, Reginaldo Leme, Kitty Balieiro, Lucas Mendes, Francisco José e Glória Maria

Apresentação: Léo Batista e Fernando Vannucci



Já durante a cobertura luxuosa que fez para a Copa do Mundo de 1982, exibida com exclusividade por ela, a TV Globo anunciava sua preparação para os Jogos de Los Angeles. Diretor de jornalismo da emissora, Armando Nogueira explicava tamanha antecedência à Veja, em junho de 1982: “Nós aprendemos com os americanos, que para as coisas assim darem certo é preciso prepará-las com pelo menos dois anos de antecedência”. Não fosse assim, e talvez a emissora carioca não aguentasse os duros golpes sofridos após aquela Copa.


Afinal, menos de um mês após a Itália conquistar seu terceiro título mundial de futebol, ela perdia seu principal narrador: Luciano do Valle anunciava sua saída, para impulsionar o projeto de sua empresa, a PromoAção, na transmissão de esportes olímpicos em associação com a TV Record (claro, com o vôlei como grande destaque). Em outubro de 1982, a saída foi dupla: deixaram a Globo tanto Ciro José Gonsales, diretor de esportes da emissora até então, quanto José Hawilla, editor de esportes em São Paulo, por uma razão em comum – ambos se concentrariam em fazer decolar a Traffic da qual haviam se tornado sócios naquela época. Ficava a pergunta: como a cobertura global para Los Angeles se refaria de perdas impactantes?


A resposta começou a ser exibida aos poucos aos telespectadores. Com o sucesso da parceria PromoAção/Record no vôlei, a Globo também entrou na onda – tanto que, ainda em 1982, transmitiu não só o Mundial de Basquete Masculino, na Colômbia, como também o Mundial de Vôlei Feminino, no Peru. Ainda cobriu os Jogos Pan-Americanos de Caracas, em 1983, com uma equipe diminuta – para se ter uma ideia, Léo Batista chegou a ser narrador (transmitiu a final do futebol naquele Pan, em que o Brasil caiu para a Argentina), enquanto Osmar de Oliveira foi a voz da medalha de ouro do vôlei masculino. Só que a concorrência parecia preparada como nunca para neutralizar as tentativas da poderosa Vênus Platinada no esporte – tanto que, ainda durante o Pan, Osmar acertou sua ida para a Bandeirantes, destino da PromoAção de Luciano do Valle a partir do meio de 1983.


A reação definitiva da Globo para os Jogos Olímpicos começou a vir a partir das medidas tecnológicas. A primeira foi ter um tempo generoso para enviar matérias via satélite: eram 15 horas disponíveis para o canal, das 9h à meia-noite em Los Angeles (13h às 4h da manhã, no horário de Brasília), exatamente o horário do dia de competições. E nem era para o trabalho ser tão massivo assim. Mas a coisa mudou de figura, conforme revelou ao projeto Memória Globo Fernando Guimarães, na época diretor de operações da Globo, cargo que ocupou até 2019: “A ideia era mandar o máximo de material [filmado] bruto para cá, aqui seriam editados, e você diminuía a equipe que estava indo para lá – a gente foi com uma equipe menor. Mas é o seguinte: a gente só tinha um satélite, então, como a gente iria gerar esse material bruto tendo um satélite só? E é uma Olimpíada, com muitas modalidades – não é um ou dois jogos de futebol por dia, são milhões de coisas acontecendo todo dia. Então, lá a gente teve que mudar completamente a operação”.


O aumento da importância da operação do canal dos Marinho nos Jogos Olímpicos de 1984 foi confirmado por Luiz Fernando Lima, repórter e dublê de comentarista em Los Angeles, por muito tempo diretor de esportes da emissora: “Tudo que estava estimado inicialmente para ser uma cobertura pequena – subestimado – passou a ser, de repente, extremamente solicitado, e a Globo passou a botar muito mais coisas, muito mais gente envolvida na operação, e a Olimpíada passou a ser um grande evento”. Grande não só pela utilização do satélite, mas também por novidades que estreavam naquele 1984 pela Globo e se tornariam comuns não só no canal, mas em toda transmissão esportiva que se preze. Como a presença de uma equipe para colocar estatísticas no ar, durante as partidas. Sem contar outros recursos tecnológicos que a emissora pôde reutilizar, como as seis câmeras exclusivas nas competições em Los Angeles.


Todos esses recursos ficaram à disposição dos 92 enviados a Los Angeles, equipe chefiada pelo supracitado Armando Nogueira e por Leonardo Gryner, então diretor de esportes da emissora carioca. Todos trabalhariam não só nas transmissões das competições, mas também nas reportagens exibidas no Globo Esporte, no Jornal Nacional, no Jornal da Globo e no Fantástico, totalizando seis horas diárias de transmissão – com preferência para as competições exibidas ao vivo já no horário noturno brasileiro, não raro dividindo horário com 'Partido Alto', a novela das 20h/21h que a Globo exibia à época. Tudo isso, sem contar o Boletim Olímpico, flashes exibidos a qualquer hora dos dias de competições – apresentados ora por Léo Batista, diretamente do centro internacional de transmissões em Los Angeles, ora por Fernando Vannucci (1951-2020), dos estúdios da Globo no Rio de Janeiro.




No primeiro trabalho de sua carreira em Jogos Olímpicos, Galvão Bueno já teve destaque na cobertura da Globo – mas ainda o dividiu com Osmar Santos (Reprodução/TV Globo/Arquivo de Fábio Marckezini)


Achar um narrador para preencher o espaço deixado pelo carisma de Luciano do Valle foi até fácil: afinal, foi uma das razões pelas quais Galvão Bueno fora contratado pela Globo, em outubro de 1981, após três anos na TV Bandeirantes (Galvão iniciara a carreira na TV Gazeta paulistana, em 1974, e passara rapidamente pela TV Record, em 1977, durante três meses). Com carisma semelhante ao de Luciano, Galvão foi se tornando gradativamente o locutor principal da emissora, entre 1982 e 1983, e assim chegou a Los Angeles, para a primeira cobertura olímpica in loco de sua carreira. Todavia, não seria o narrador carioca a única cara a simbolizar aquela cobertura durante os 15 dias de competições. Aqueles Jogos Olímpicos seriam a estreia em grandes coberturas televisivas para uma das grandes apostas da TV Globo naquele ano: Osmar Santos.


Embora já estivesse firme havia mais de uma década na caminhada para ser um dos grandes nomes da história das transmissões esportivas paulistas no rádio, nas passagens pelas rádios Jovem Pan e Globo, o narrador paulista de Osvaldo Cruz tivera poucas oportunidades na televisão até então: sobravam para ele apenas narrações esporádicas de VTs noturnos dos jogos de futebol dos times paulistas. Isso começou a mudar em 1983, ano em que Osmar – então principal narrador e diretor de esportes da Rádio Globo paulista - começou a colaborar mais frequentemente com a televisão no mesmo grupo. Passou a fazer o comentário esportivo do Jornal da Globo, e vez por outra apresentava a edição paulista do Globo Esporte. E isso culminou na sua elogiada narração da transmissão da Globo para a Corrida de São Silvestre que fechou 1983, com a vitória do mineiro João da Mata naquele 31 de dezembro.


Foi vendo a emocionada narração de Osmar, celebrando a vitória de João, que o senador Álvaro Dias, organizador do comício paranaense que se integraria à campanha que pedia a aprovação da Emenda Dante de Oliveira (prevendo a volta das eleições diretas para a Presidência da República), pensou alto, durante sua festa de réveillon com a família: “É ele, tem de ser ele”. Tinha de ser Osmar o mestre de cerimônias do comício em Curitiba, em janeiro de 1984. Convidado, o narrador aceitou, após rápidas consultas com a direção global. E começaram ali os meses que o tornaram uma das personalidades de mídia mais célebres do Brasil naquele ano: comandando os comícios da campanha das Diretas nas mais conhecidas capitais do país (até a derrota da Emenda, na votação em 25 de abril de 1984), Osmar tornou nacional a fama gigantesca que já tinha em São Paulo.


Foi montado nessa imensa fama e na simpatia que angariara com o público (até capa da revista 'Veja' foi, naquele ano) que Osmar Santos ampliou seu espaço na Globo. Começou em março, apresentando o dominical Guerra dos Sexos, programa de gincanas entre casais. E em julho, Osmar partiu para dividir com Galvão Bueno o posto de narrador principal da Globo em Los Angeles. Tanto que ambos dividiram a locução da cerimônia de abertura no Coliseum Memorial, no sábado, 28 de julho de 1984. Cerimônia que rendeu momentos marcantes para os personagens da cobertura da TV Globo. Antes de começar: fora do Coliseum, Glória Maria encontrou por acaso Edwin Moses, grande favorito para o ouro nos 400m com barreiras (ouro que ganhou, de fato) – e o estadunidense antecipou para a repórter como faria o juramento olímpico para o qual fora designado.


O decorrer da cerimônia impressionava Galvão muito tempo depois, como ele confessava ao projeto Memória Globo, em 2007: “Foi a primeira vez que se transmitiu uma cerimônia de abertura inteira. Espetacular, como teria que ser nos Estados Unidos – foi de um gosto meio duvidoso aquele cara que veio de jato, voando, para chegar (...) Acho que foi a transmissão em que eu mais tive o comando do Boni [José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, vice-presidente de operações da TV Globo], durante aquelas quatro horas e meia no meu ouvido”.


Mas foi o que ocorreu após o encerramento da abertura que mais emocionou Galvão. Uma lembrança de Armando Nogueira, que o narrador descreveu em detalhes em seu livro de memórias, lançado em 2015: “Quando terminou, eu e Osmar estávamos exaustos, física e emocionalmente acabados, mas certos de que havíamos feito um bom trabalho. ‘Valeu, gente, muito obrigado, tudo certo, até amanhã.’ Foram essas as palavras do então diretor de esportes ao final da transmissão. Osmar Santos vinha do mundo do rádio e estava acostumado a ser tratado como uma grande estrela, que ele era! Ele olhou para mim com cara de apavorado e eu disse: ‘Vai se acostumando, a coisa é mais ou menos assim...’ Quando acabei de falar, entrou a voz do Armando na caixa de som do controle: ‘Galvão, Osmar, eu quero dizer uma coisa para vocês. As competições nem começaram, mas vocês já ganharam as primeiras medalhas de ouro, pelo menos no meu coração. Boni e eu estamos mandando um carro buscá-los, vocês vêm jantar conosco”. Ao Memória Globo, Galvão concluía comovido: “Essas coisas ficam na cabeça da gente”.


Iniciados os Jogos, um dos eventos que mais chamava a atenção dos brasileiros em Los Angeles não teve a voz nem de Galvão Bueno, nem de Osmar Santos. Trabalhando na TV Globo desde o começo daquele ano, o narrador Luiz Alfredo recebera a chance de sua vida, graças a uma sugestão do editor de esportes do canal, lembrada numa entrevista ao UOL em 2015: “Comecei a fazer [transmissões de] vôlei em 1984. Eu havia jogado um pouco e o Toninho Neves sugeriu que eu narrasse”. Em abril daquele ano, com Luiz Fernando Lima acumulando as funções de repórter e comentarista, Luiz Alfredo foi a Cuba para narrar uma série de amistosos da equipe brasileira masculina contra a seleção da casa, na primeira transmissão televisiva de Cuba para o território brasileiro, num período em que as nações estavam diplomaticamente rompidas.


Nos Jogos Olímpicos, coube ao locutor filho de Geraldo José de Almeida fazer as partidas de vôlei masculino e feminino na Arena de Long Beach. As decepções brasileiras doeram, por razões diferentes. Mesmo eliminada na primeira fase, a seleção feminina vendeu caríssimo a derrota por 3 sets a 2 para os Estados Unidos, num jogo duríssimo. E obviamente, também foi muito lamentada a prata da seleção masculina, derrotada pelos anfitriões na final, após evoluir no decorrer da campanha e brilhar na semifinal. Ainda assim, Luiz Alfredo celebrou o feito dos homens, logo após os 3 sets a 0 norte-americanos na decisão: “O Brasil conquista uma medalha de prata! Uma medalha de prata inédita na história do vôlei brasileiro! (...) Essa é a esperança: de que o vôlei brasileiro há de crescer sempre”. Começava ali o caminho que, até inesperadamente, levou Luiz Alfredo a ser a voz da Globo na vitória do vôlei masculino em 1992. Começava ali também o caminho para Luiz Fernando Lima: acompanhando aquela geração desde sua passagem pelo jornal O Estado de S. Paulo, o jornalista gaúcho consolidava ali a relação com o vôlei, que resultou em seu momento atual, secretário-geral da FIVB que é atualmente.


(Tie-break em Estados Unidos 3 sets a 2 no Brasil, pela primeira fase do torneio olímpico de vôlei feminino, nos Jogos Olímpicos de 1984, na transmissão da TV Globo, com a narração de Luiz Alfredo. Postado no YouTube por thekoeman98)


Poderia ter sido a voz de Galvão Bueno a narrar a campanha que levou a equipe brasileira à prata no vôlei masculino. Só não aconteceu por causa de uma aposta errada do próprio Galvão, apaixonado por basquete - chegou a praticar a modalidade em equipes de São Caetano do Sul, região metropolitana de São Paulo, e Brasília, antes da vida levá-lo ao posto em que faz fama e história. O locutor comentou o desejo em suas memórias: “Escolhi acompanhar o basquete, pois achava que com o boicote dos soviéticos e sem seleções como a Iugoslávia, tínhamos chances de brigar por medalha”. Pois Galvão narrou as partidas do time brasileiro, comandado por Renato Brito Cunha fora de quadra (e pela geração de Oscar e Marcel, dentro), no Forum de Inglewood. E enquanto Luiz Alfredo dava voz às emoções do vôlei, Galvão amargava: “Errei feio: o Brasil não chegou a lugar nenhum, não passou da primeira fase, uma vitória e três derrotas”. A decepção da seleção masculina de basquete também teve uma repórter global a segui-la: Kitty Balieiro (1957-2019).


Todavia, se a preferência de Galvão por narrar o Brasil no basquete masculino fracassou, a sorte compensou, fazendo com que o locutor carioca desse a sua voz, às pressas, a um dos momentos mais marcantes - talvez o mais marcante – daqueles Jogos. O momento foi lembrado ao projeto Memória Globo por Marco Mora (1946-2018), produtor naquela cobertura global: “[Em] todos os grandes eventos, [há] uma grande imagem que você associa a ele. Para mim, a imagem que eu associo à Olimpíada de 1984 é aquela”. Claro, Mora se referia à chegada da suíça Gabriela Andersen-Schiess, 37ª colocada na maratona feminina, quase totalmente exaurida por uma desidratação, à beira do desmaio na pista do Coliseum Memorial.


E Mora ainda explicou o acaso que fez com que Galvão pudesse narrar a chegada de Gabriela, numa maratona (vencida pela norte-americana Joan Benoit) que a Globo nem exibia: “A princípio, ficou uma discussão. Porque o Galvão, elegantemente, não queria fazer [a chegada], porque tinham duas outras pessoas que estavam no Estádio Olímpico para fazerem as transmissões. Mas as pessoas, infelizmente, naquela hora, tinham saído da cabine. Quem eram as pessoas? Osmar Santos e Ricardo Pereira”. Galvão não estava no estádio, e sim no estúdio do IBC em Los Angeles, do qual narrava o Grande Prêmio da Alemanha de Fórmula-1, junto a Reginaldo Leme, outro enviado global aos Jogos Olímpicos.


A partir daí, o narrador descreveu ao Memória Globo: “Terminou a transmissão [da corrida], eu fui tomar café, estou voltando, estou passando ali pelo estúdio, e aí surge essa imagem”. Marco Mora volta: “O Galvão falava ‘eu não posso entrar e ocupar o lugar deles, porque eles estão lá, eles estão vendo o que está acontecendo!’. Eu falei: ‘Eu não tenho o menor interesse em saber’. Aí o Galvão falou: ‘Tá bom, eu vou para dentro, mas acho desagradável isso, com eles’. E eu disse: ‘Galvão, você não está entendendo. Eles não estão lá. Eu preciso de alguém [para] narrar, ou então eu vou colocar no ar sem ninguém narrar, porque eu acho que isso é relevante’. Aí ele foi para a cabine. E quando ele foi para a cabine, ela virou para o estádio”.


enquanto a repórter Isabela Scalabrini fazia a reportagem do mesmo momento para o Globo Esporte, Galvão pôde dar seu tom habitualmente heroico à chegada de Gabriela Andersen-Schiess naquele domingo, 5 de agosto de 1984, embora tivesse opinião menos laudatória sobre o caso ao Memória Globo, em 2007: “Eu, hoje, pensando bem, acho que não deviam nem ter deixado [Gabriela terminar a maratona]. Deviam, por questão de saúde, de segurança, alguém devia ter impedido aquilo. Mas foi uma coisa que foi contagiando a todos no estádio, você percebia, as pessoas que estavam em volta, e a mim também”.

(A chegada da suíça Gabriela Andersen-Schiess na maratona feminina, nos Jogos Olímpicos de 1984, na transmissão da TV Globo, com a narração de Galvão Bueno. Postado no YouTube por Luiz Sérgio Monte Pires)


Era a vez de Osmar Santos ter azar na cobertura da TV Globo. Sem problemas: no dia seguinte, 6 de agosto de 1984, o locutor paulista pôde ser a voz da única medalha de ouro para o Brasil em Los Angeles. Uma medalha que coroou e encerrou uma turbulenta história entre Joaquim Cruz e a emissora. Tal história foi explicada no livro “Correspondentes” (Globo Livros, 2018), por Ricardo Pereira, outro repórter a também ser comentarista naquela cobertura. Presente ao Coliseum Memorial, Ricardo começou a conhecer a carreira de Joaquim Cruz no ano anterior.



Osmar Santos e Ricardo Pereira: foi deles a voz da TV Globo nos grandes momentos do atletismo, nos Jogos Olímpicos de 1984 (Reprodução/Memória Globo)


Acompanhando à distância a evolução do corredor de Taguatinga nos 800m masculinos durante o Mundial de Atletismo, em Helsinque, na Finlândia, o repórter da Globo (correspondente em Londres naquele ano de 1983) sugeriu à emissora ser enviado à capital finlandesa para acompanhar a final dos 800m. Viajou, chegou ao Estádio Olímpico... mas a emissora brasileira não havia providenciado a credencial de imprensa. Resultado: Ricardo teve de ouvir Joaquim conquistando a medalha de bronze no carro, do lado de fora do estádio, pelo rádio. Pior: foi entrevistá-lo, mas “Quinca” inicialmente se recusou a falar, por mágoa, imaginando que a Globo não transmitira a prova por caprichos de audiência. O corredor até falou depois, mas se negou a mostrar a medalha.


O tempo passou, vieram os Jogos Olímpicos, Joaquim Cruz seguia como um dos grandes favoritos a medalha nos 800m... e a tensão dele com a TV Globo seguiu, nas provas eliminatórias. Aí, outro personagem sofreu: Reginaldo Leme, em rara experiência fora do automobilismo no canal. No seu depoimento ao Memória Globo, em 2007, o jornalista paulista lembrou o que viveu com o futuro medalhista no Coliseum Memorial: “O Joaquim fez todas as eliminatórias, e terminava as eliminatórias passando por um corredor onde estavam todos os jornalistas. Ele falava ‘gente, eu falo na final’. Até um dia em que ele parou para mim. Falou ‘não dou entrevista, só converso, com microfone desligado’. Eu falei: ‘Joaquim, eu preciso fazer, eu vim aqui ao estádio fazer você, eu preciso dessa entrevista com você’. Ele: ‘Eu vou falar com você na final, não se preocupe, mas agora não quero falar, não quero tirar minha concentração’. Aí, eu passei a respeitá-lo. Então, eu ficava no corredor, esperando ele sair, mas... [nem me importava]”.


Segunda-feira, 6 de agosto de 1984. Osmar Santos e Ricardo Pereira estavam a postos para as provas de atletismo do dia, como habitualmente naquela cobertura. E todos tiveram a compensação esperada, com o ouro de Joaquim Cruz. Osmar narrava um dos grandes momentos brasileiros naqueles Jogos; Ricardo Pereira se redimia do mal entendido no Mundial de Atletismo de 1983, entrevistando Joaquim na cabine da Globo para o Jornal Nacional daquela segunda (com direito a medalha mostrada); e Reginaldo Leme teve a compensação pelo respeito, como lembrou ao Memória Globo: “Na final, realmente, ele fez a corrida dele, ganhou a medalha de ouro, passou por todo mundo e veio direto aonde eu estava. Direto. E falou: ‘Como eu tinha prometido, é com você que falarei’. Foi bem bacana”.

(A íntegra da final dos 800m no atletismo masculino, nos Jogos Olímpicos de 1984, na transmissão da TV Globo, com a narração de Osmar Santos e os comentários de Ricardo Pereira. Postada no YouTube por Êgon Bonfim)


Não bastasse narrar o ouro de Joaquim Cruz, a dupla Osmar Santos-Ricardo Pereira ainda narrou no Coliseum Memorial as quatro medalhas de ouro de Carl Lewis, no atletismo. Osmar apareceu em outros momentos decisivos: como locutor das provas de natação no Estádio Olímpico de Natação do campus da University of Southern California, ele deu a voz à prata de Ricardo Prado nos 400m medley, após a equilibrada disputa com o canadense Alex Baumann. Curiosamente, no futebol ao qual estava tão vinculado pelo rádio, Osmar só apareceu em uma transmissão: no 1 a 0 da Seleção Brasileira na Alemanha, segunda partida da equipe que conquistaria a prata. Mas seria convidado da Rádio Globo à qual ainda estava ligado na transmissão do 2 a 1 sobre a Itália, na semifinal, e narraria por ela a derrota brasileira para a França na decisão do ouro, enquanto Galvão dava voz à partida na tevê.


(Brasil 1x0 Alemanha, pelo torneio olímpico de futebol, nos Jogos de 1984, na transmissão da TV Globo, com a narração de Osmar Santos. Postado no YouTube por jogosdobrasil)


Como já se indicou ao longo deste texto, os repórteres da Globo tiveram papel proeminente naquela cobertura. Não bastassem as aparições constantes de Luiz Fernando Lima e Ricardo Pereira como “repórteres-comentaristas”, também mereciam destaque as constantes reportagens de Isabela Scalabrini, Lucas Mendes (este, aproveitando o já longo tempo em que era correspondente da emissora em Nova Iorque) e Francisco José. Aliás, o repórter cearense radicado em Pernambuco ajudou o canal a improvisar mais uma aparição ao vivo para transmitir uma medalha brasileira.


Destacado para acompanhar as competições de judô, “Chico José” viu a evolução de Douglas Vieira, na categoria até 95kg. Por rádio portátil, comunicou-se com a direção da cobertura, alertando para a possibilidade de medalha. Bastou: outro repórter foi improvisado como narrador, nos estúdios do centro de imprensa. E Ricardo Menezes, conhecido das participações nas transmissões de futebol da Globo na época, transmitiu às pressas a prata do judoca paulista. Ricardo ainda foi responsável por um momento engraçado na cobertura das competições: narrando do estúdio o início da maratona masculina, viu uma imagem aérea e estática dos corredores. Falou: “Aí, do alto de um edifício, as imagens da maratona”. Eis que a imagem estática se mexeu – pois era filmada de um dirigível, não de um edifício...


Ao final das 100 horas e 32 minutos de cobertura olímpica em 1984 (69h de competições ao vivo, 28 boletins e 137 flashes), a TV Globo conseguia resultados controversos. Por um lado, Osmar Santos teve a participação criticada aqui e ali. Muitos anos depois, Marco Mora reconheceu a razão das críticas, na biografia “Osmar Santos – O milagre da vida”, de Paulo Matiussi (Sapienza, 2004): “Ele tinha carisma, empatia com o público, era bem humorado, mas a verdade é que ainda não estava preparado para a televisão. Ele narrava como se estivesse no rádio, atropelava as palavras, errava demais o nome dos atletas estrangeiros. A narração na televisão tem de ser mais descritiva, e não discursiva, como no rádio, como ele estava acostumado a transmitir”.


Por outro lado, Galvão Bueno apareceu mais. Também teve momentos decisivos para narrar: por mais que a decisão da medalha de ouro do futebol não tenha sido transmitida integralmente (era simultânea à do vôlei masculino, que recebeu a preferência), foi dele a voz para a vitória da França sobre o Brasil, no mesmo Rose Bowl de Los Angeles em que o narrador faria história com o “Acabou, acabou! É tetra, é tetra, é tetra!”, na final da Copa do Mundo de futebol, dez anos depois. Se Luciano do Valle tivera passagem marcante pela TV Globo, Galvão começava a deixar claro em Los Angeles que tinha tudo para se tornar o que é hoje: o grande símbolo esportivo da história da emissora do Jardim Botânico carioca.


(França 2x0 Brasil, decisão da medalha de ouro no futebol masculino, nos Jogos Olímpicos de 1984, na transmissão da TV Globo, com narração de Galvão Bueno. Postado no YouTube por jogosdobrasil)

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