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Especial 20 anos: detalhes sobre Guga Kuerten número 1 do mundo



Um conto de fadas. É assim que o próprio Gustavo Kuerten, o Guga, define as façanhas feitas em 2000. Terminar uma temporada como número 1 do mundo no tênis, em simples, é algo para poucos. Apenas 17 homens conseguiram este êxito no ranking da Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) que existe desde 1972. 

Imagine então concluir o ano na liderança do ranking mundial e de quebra, alcançar este feito após vencer a Masters Cup (atual ATP Finals), torneio que reúne apenas os oito melhores tenistas da temporada. Além disso, bater na semifinal a lenda do tênis Pete Sampras e na final, Andre Agassi, outro atleta lendário. Melhor ainda, pense nisso tudo, após superar dores que provavelmente te tirariam do campeonato. 

Pois é, o Guga fez tudo isso há exatos 20 anos. Parece roteiro de filme clichê, onde sempre dá tudo certo para o personagem principal. Neste caso, que bom que o protagonista foi o brasileiro. Mas chegar até essa grande conquista não foi nada fácil. Confira alguns detalhes sobre estes feitos nesta matéria especial do Surto Olímpico.

O primeiro flerte com a liderança do ranking

Guga tinha terminado 1999 como número 5 do mundo e claramente buscaria evolução no ano seguinte, como ele mesmo contou durante uma coletiva de imprensa virtual, realizada na última terça-feira (1º).

“O Larri Passos (ex-técnico) sempre foi muito sagaz em passar informações que me faziam evoluir, sem entregar o ouro. Então montamos um plano para que eu alcançasse esse objetivo”, contou Guga. 

E foi dessa forma que na pré-temporada de 99 para 2000 que ele começou a me preparar para ser número 1 do mundo, sem eu saber. Ele começou a dar o retoque final.

Essa ideia, a princípio ‘maluca’, de ter um brasileiro no topo do tênis mundial foi revelada por Larri dentro de um avião, após um torneio em Miami, onde Guga por pouco não bateu Sampras na final. 

O treinador notou que seu pupilo não estava dormindo durante a viagem. Então surgiu a pergunta. “Guga, vamos ser número 1 do mundo?”






Os cenários da corrida pela liderança, que virou uma obsessão para o brasileiro

Claro, 2000 tinha tudo para ser um ano muito maluco, começando pelo famigerado Bug do Milênio (que não foi tão bugado assim, ainda bem). Portanto, no tênis não seria diferente. 

Nos Grand Slams, o ano foi dominado por quatro tenistas. Enquanto Guga ergueu seu segundo troféu de Roland Garros na carreira, Andre Agassi levou o Australian Open, Pete Sampras conquistou Wimbledon e Marat Safin venceu o US Open. 

Até o dia 2 de dezembro, três tenistas alternaram no topo do ranking: Agassi, que deixou o posto em setembro, Sampras, que liderou por 10 semanas e caiu em novembro e por fim, Safin, que teve ‘a faca e o queijo na mão’ para encerrar o ano como número 1. 

Guga teve diversas oportunidades para liderar o ranking após o bicampeonato no saibro de Paris, como o próprio ex-tenista confessou.

“Depois de Roland Garros o número 1 apareceu em cores vivas. E foi aí que eu me atrapalhei. De fato, eu tive um começo de temporada nos Estados Unidos (início de agosto) muito boa, ganhando torneio em quadra dura. A partir dali cada semana eu poderia ser número 1 do mundo. E ver o tamanho disso me atrapalhou”, disse Guga. 

A vontade passou do ponto, virou uma obsessão, uma loucura de querer de qualquer jeito. E nós ficamos uns três meses ganhando uma, duas partidas em cada torneio que eu disputava. Virou um pandemônio, eu não tinha capacidade de suportar.

Um dos momentos mais complicados para Guga durante a temporada, ocorreu no US Open.

“Entrei como número 2 do mundo e independente do que o Agassi fizesse, se eu ganhasse uns três jogos, assumiria a liderança do ranking”, contou o brasileiro. “Na primeira rodada joguei contra Wayne Arthurs (AUS), um qualifer, jogava no saque e voleio. Ganhei o primeiro set, estava bem, até que do nada apareceu meio do lado da quadra o Brad Gilbert, técnico do Agassi na época. Depois disso começou a dar tudo errado, eu errava voleio, levava ace. Quando ele viu que me encrenquei, saiu da quadra para não sobrar pra ele. Resultado final: perdi logo na primeira rodada”, contou o brasileiro, aos risos. 







A Masters Cup, as dores e o apoio fundamental da mãe

Guga chegou em Lisboa, capital de Portugal, para a disputa da Masters Cup de 2000, desacreditado pela mídia. No entanto, ele estava motivado após alcançar a semifinal do Masters (1000) de Paris. 

Mas no primeiro embate do torneio, ele teria que enfrentar Agassi. Parecia tudo correr bem, o brasileiro até venceu o primeiro set. Mas o estadunidense se recuperou, empatando o jogo. 

No set final, Guga já não tinha mais condições de jogo. Sentindo dores nas pernas e costas, o brasileiro sucumbiu diante o estadunidense e levou a virada. 

Além da derrota, Guga carregava a sensação de que a liderança do ranking estava cada vez mais distante, já que dependia do título e de uma queda de Safin no torneio. Pior que isso, ele sequer sabia se teria condições de continuar disputando a Masters Cup. 

Meu estado de espírito foi embora naquela situação. O que me manteve no torneio foi a esperança. Esse canal de sentimentos. O carinho da minha mãe (Alice) que passou a noite cuidando de mim. A oportunidade de jogar mais partidas num evento como o Masters, onde todo mundo luta o ano todo para se classificar. Ali as peças foram se encaixando. Baixei as expectativas e voltei a apenas jogar tênis e a entrar em quadra sorrindo, mesmo todo doído. Parecia um conto de fadas.


A volta por cima, a virada sobre uma lenda e o triplo 6-4 contra Agassi



O brasileiro teve um dia de descanso após perder para Agassi e além de se recuperar parcialmente, pode fazer ajustes em seu jogo, para os confrontos contra Magnus Norman (SWE) e Yevgeny Kafelnikov (RUS). 

Para batê-los o brasileiro precisava encurtar mais os pontos, utilizando mais agressividade nos golpes para vencer. Com isso, Guga se tornou o tenista que mais disparou aces no evento, com 62. 

A mudança surtiu efeito e Guga venceu os adversários que restavam no grupo, carimbando a vaga para à semifinal. “Saí do chão para fazer daquele o maior momento da minha carreira”, explicou Guga, sobre a situação na qual se encontrava.

Mas novamente o embate seria complicado. Do outro lado da quadra estava Sampras, quase que imbatível. Guga precisava vencer, para manter o sonho vivo. Mas em dois jogos até aquele momento, o brasileiro nunca tinha batido o estadunidense. 

"Na hora H, o Sampras sempre vencia. Ele tava lá para vencer o torneio”, ressaltou Guga. “Tive que me virar, ataquei, fui para a rede para ganhar os pontos no voleio. Tinha que funcionar tudo e ter a capacidade de saber quando sofrer os riscos de ser agressivo”. 

Eu estava tão inabalável. Tinha certeza que iria vencer o Sampras, mesmo depois de ter perdido o primeiro set.

E venceu. Guga virou diante Sampras, com placar de 6-7, 6-3 e 6-4 para garantir sua vaga na final. Já na outra semifinal, tudo conspirou para que o sonho pudesse ser realizado. Agassi passeou sobre Safin, que agora tinha que torcer pela derrota do brasileiro na final do Masters para encerrar o ano como número 1. 

“Eu estava sereno, acertando tudo. Em estado de excelência. Parecia só um protocolo, parecia que eu tinha sido campeão no jogo anterior, contra o Sampras. Era a nossa única chance. E tinha que ser ‘pa pum’. O que deu condições foi isso, esse bastidor, esse apoio. Toda peça conta, todo movimento é importante”.

O dia 3 de dezembro de 2000 entrou para a história do tênis nacional. Guga venceu Agassi por três sets a zero, um triplo 6-4, nesta que ele mesmo considera a melhor partida de sua carreira. Com o título da Masters Cup, o brasileiro alcançou o posto de número 1 do mundo, finalizando a temporada como o melhor tenista do ano. 

Faltava derrubar essa última barreira. Mas o interessante é que na minha cabeça (na final) eu não pensava mais em ser o número 1 do mundo. Pelo contrário, eu tava pensando na trajetória. Falei, vou vencer esse torneio, vou ganhar dos maiores da minha geração e vou ser campeão disso aqui. Que lindo, maravilhoso. Em Portugal e ainda vou poder falar em português. Eu saí do fundo do poço, há quatro dias estava lá amarrado, não tinha nada. E agora é alegria. É saborear. Hora da sobremesa, como o Larri falava.

Guga liderou o ranking mundial da ATP por 43 semanas, sendo o 13º com mais tempo no posto de número 1 do mundo, entre os 26 tenistas que alcançaram esta posição. 

As conquistas, a perseverança e o carisma deixarão Gustavo Kuerten gravado para sempre na história do esporte brasileiro e mundial. 

Foto: Reprodução
         Marcelo Ruschel / Poa Press

Artes: Lucas Bueno/Surto Olímpico

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