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Surto História - A polêmica por trás da carreira de Florence Griffith-Joyner


Muitas coisas definem a importância e o tamanho de um atleta para a história de sua modalidade. Evolução, influência, criação de novas técnicas, número de vitórias, quebra de recordes. E a ex-velocista norte-americana Florence Griffith-Joyner se encaixa perfeitamente em alguns desses pontos elencados para ser uma "gigante em seu esporte". 

Mas mesmo após sua morte em 1998, aos 38 anos, causada por uma asfixia acidental em uma almofada, durante um ataque epilético, muitas pessoas colocam suas marcas em dúvida, alegando suspeitas de doping.

Ainda atual recordista olímpica e mundial dos 100 e 200 metros rasos, Flo-Jo, como era apelidada, viveu o único momento de auge na carreira durante as Olimpíadas de Seul em 1988, quando ganhou medalhas de ouro nos 100m, 200m e revezamento 4x100m, aposentando-se pouco tempo depois do evento. 

A mídia sempre considerou Flo-Jo como um ícone excêntrico do esporte norte-americano. Foto: Divulgação
Mas além de demonstrar velocidade nas pistas, ela sempre foi uma figura muito carismática. Trajava  roupas extravagantes, mantinha grandes unhas colorias nas mãos e querendo ou não, se mostrava como um grande ícone em toda a sua personalidade e isso era um diferencial em comparação com outras atletas. 

Mas para contar a história de Flo-Jo, precisamos analisar o panorama do esporte olímpico vivido nos anos 80. 

O contexto histórico

Os Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980 marcaram o início da Era dos Boicotes. Foto: Globo
O mundo ainda passava pela Guerra Fria, com uma polarização entre o lado capitalista, comandado pelos Estados Unidos e o bloco socialista, liderado pela União Soviética. As ações de cada governo geravam reações, principalmente por causa de interesses econômicos e políticos. 

Tais reações levaram o mundo esportivo à era dos boicotes, com americanos deixando de disputar os Jogos Olímpicos em Moscou, 1980 e os soviéticos pulando a edição yankee, realizada em 1984, na cidade de Los Angeles. 

Os Jogos Olímpicos de 1988 em Seul foram os primeiros desde Montreal 1976, a contar com a participação dos Estados Unidos e União Soviética. 

Mas é importante relembrar também, que muito antes disso tudo, surgiram as primeiras grandes suspeitas de casos de doping, por volta de meados dos anos 60. Vencer competições esportivas reforçava valores patrióticos, dando muito prestígio aos países. Então cada vez mais era disseminada a ideia de que atletas utilizavam anabolizantes para ganhar medalhas e premiações. 

Mas em 1967 o Comitê Olímpico Internacional (COI) se mobilizou e assim foram realizados os primeiros testes antidoping. Mas os atletas não se intimidavam e até hoje paira a suspeita de que muitos recordes da época eram superados por atletas que trapaceavam para vencer. 

Aprofundando na história de Flo-Jo

Na maior parte da carreira, Flo-Jo obteve resultados medianos, até que em 88 estourou nos 100m e 200m. Foto: AFP Photo
Florence Griffith-Joyner disputou seu primeiro campeonato internacional em 1981, na Copa do Mundo de Atletismo, em Roma, ao integrar a equipe norte-americana do revezamento 4x100 metros. No ano seguinte venceu pequenos torneios nos 200 metros rasos. 

Em 1983, participou do primeiro campeonato mundial da história, realizado em Helsinque, na Finlândia. Na única prova em que competiu, os 200 metros rasos, Flo-Jo chegou à final, mas terminou em 4º lugar, marcando 22s46. 

Nas Olimpíadas de Los Angeles em 1984, veio a primeira medalha olímpica de Flo-Jo, a prata nos 200 metros rasos, com o tempo de 22s04, desempenho muito inferior ao 21s34 que a velocista marcaria nos Jogos de Seul. 

Nos dois anos seguintes, Flo-Jo ficou a maior parte do tempo ausente das competições. Casou-se com Al-Joyner, campeão olímpico do salto triplo e passou a dedicar-se ao emprego como bancária. Durante a noite, também fazia trabalhos como cabeleireira. Mas em 1987, decidiu retomar sua vida esportiva, no Mundial de Atletismo de Roma, onde foi campeã no revezamento 4x100 metros e ficou com a prata nos 200 metros, marcando 21s96. Na ocasião, ela apareceu pela primeira vez com o corpo transformado, muito mais forte e musculoso.

Mas para entender o significado da rápida ascensão de Flo-Jo nos Jogos de Seul em 1988 e o porque os recordes dela são tão duradouros, o Surto Olímpico foi atrás de um especialista. O comentarista de atletismo do Grupo Globo e treinador olímpico, Lauter Nogueira, explicou como foi a carreira da velocista norte-americana e toda a polêmica por trás de suas marcas. 

"Os recordes da Florence Griffith-Joyner nos Jogos Olímpicos de Seul assombraram o mundo simplesmente. Era muito grande a discrepância dos tempos nas distâncias dos 100 e 200 metros. Olha, 10s49 (recorde mundial de Flo-Jo nos 100m) na época era índice de alguns países para levar atletas homens para uma Olimpíada", disparou Nogueira, que exemplificou ainda o quanto era assustador a marca, se comparada com tempos desta década. 

Mesmo após a maternidade, Shelly-Ann Fraser tornou-se tetracampeã mundial dos 100m. Mas ainda segue longe de bater o recorde mundial de Flo-Jo. Foto: Jewel Samad/AFP
"A multicampeã mundial e olímpica dos 100m, Shelly-Ann Fraser não consegue se aproximar dessa marca abaixo dos 10s50, durante uma carreira inteira brilhante, colecionando medalhas e títulos. Mesmo assim ela pode ser considerada um grande fenômeno. Mas realmente existiu de maneira meteórica a Flo-Jo", ressaltou Nogueira.

A corredora jamaicana Shelly-Ann Fraser realmente nunca conseguiu ficar perto dos tempos da recordista norte-americana.  Mesmo sendo bicampeã olímpica dos 100m, ela tem apenas a 7ª melhor marca na prova, com 10s70, sendo que as três melhores marcas são de Flo-Jo.

Nogueira afirmou que não considera um absurdo tantas pessoas duvidarem dos feitos de Flo-Jo. "Qualquer pessoa em sã consciência coloca em dúvida as marcas da Florence Griffith-Joyner. Apesar de ter alguns 'relativamente' bons resultados anteriores, ela escancarou o que os Estados Unidos vinham fazendo em termos de doping", explicou Nogueira, que na sequência relembrou um imbróglio envolvendo uma forte declaração do campeão olímpico dos 800m, Joaquim Cruz. 

"Quando pegaram o Ben Johnson (no doping), o Joaquim Cruz tinha feito no mesmo dia a corrida dele na semifinal dos 800m e ao final, foi abordado pela imprensa, que perguntava sobre o caso do Johnson. E ai ele disse 'Mas só ele? E os americanos? E a Florence Griffith-Joyner?'. Ele treinava, competia e morava nos Estados Unidos, então tinha ideia do que tava acontecendo. E depois disso ele sofreu uma forte pressão dos Comitês, do mundo do atletismo. Mas o mundo ficou estarrecido", revelou Nogueira. 

O comentarista argumentou ainda, que os recordes de Flo-Jo não são os únicos que ainda duram por tantos anos e que têm uma história obscura. "Na faixa entre os anos de 1983 e 1989, ainda temos recordes que são praticamente eternos. Tem o da alemã Marita Kock, nos 400m, que escandalosamente fez resultados absurdos e depois sumiu, até com alguns boatos de que ela vinha sofrendo muito fisicamente por causa da quantidade de substâncias proibidas que ela utilizava. Tem a Jarmila Kratochvílová, dos 800m, que fez 1:53s28, lá em 1983, em que as atletas passaram a se aproximar dessa marca só nos últimos cinco anos", ressaltou. 

Flo-Jo conquistou quatro medalhas em Seul-1988. Ouro nos 100m, 200m e revezamento 4x100m e prata no revezamento 4x400m. Foto: Reprodução/CNN
Nogueira correlacionou o uso de doping aos problemas de saúde pelos quais Flo-Jo passou. "Ela morreu em 1998, mas em 1996 ela teve uma sincope, um problema em que a deixou por bastante tempo inconsciente ou 'semi' inconsciente. Já eram os problemas circulatórios decorrentes do uso e abuso dos 'fármacos' que ela usou. Ai pouco tempo depois, como diziam os próprios americanos, 'ela não morreu, ela explodiu', porque o coração dela não suportou", alegou.

Ao ser perguntado sobre qual o significado de Flo-Jo para a história do atletismo, Lauter Nogueira declarou que essa questão lhe causa "arrepios". "É muito ambíguo isso. A principio a história dela deveria mostrar que os limites físicos de uma mulher estão ai para ser desafiados e ultrapassados com facilidade, além dela deixar uma marca na história do atletismo", ponderou. "Mas na verdade não é bem isso. Acaba que as vezes o vilão não é pego na pista, mas tempos depois vem a conta né. E as vezes a conta é altíssima, paga-se com a vida. E foi o caso dela". 

Nogueira explica ainda que o caso de Flo-Jo era muito emblemático, por se tratar de uma atleta que na maioria das vezes teve resultados medianos, e quando conseguia medalhas, geralmente era em eventos esvaziados por causa dos diversos boicotes que ocorreram durante a Guerra Fria, o que fazia a qualidade da competição cair. Mas nos Jogos de Seul ela simplesmente estourou e obteve marcas "incompatíveis com a vida humana naquela época".

Com a morte de Florence Griffith-Joyner nunca pudemos saber de fato o que aconteceu. Até hoje muitas dúvidas pairam sobre seu legado. O que ficou são os recordes até o momento inalcançáveis.

A única certeza que fica é que a velocista nunca receberá total reconhecimento, caso seus feitos sejam reais e que ela nunca receberá as devidas punições, caso realmente tenha trapaceado, pois isso nunca será descoberto e comprovado. 

Você pode conferir a prova dos 100m e 200m rasos onde Flo-Jo quebra recordes olímpicos e mundiais, assombrando o mundo, clicando aqui

Foto: Reprodução/BBC

3 Comentários

  1. A diferença dela para as outras atletas era realmente absurda e é humanamente impossível tamanha diferença.

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  2. Atletas como Florence nunca serão reconhecidos, o que mostra que na Olimpíada em Seul houve conivência dos organizadores para a trapaça olímpica. Fico pensando quantos não receberam a medalha de ouro enganando a todos e maculando o nobre esporte. Quantos atletas honestos foram injustiças os por sórdidos e desonestos atletas como Florence Griffithy-Joyner,a qual pagou com a vida pelo uso de anabolizantes. Nosso atleta Joaquim Cruz foi muito honesto e sincero em dizer sobre Florence. Mas infelizmente a hipocrisia Estadunidense censurou-lhe de forma injudiciosa e vil.

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