Últimas Notícias

Surtado na TV: Em Indianápolis 1987, transmissão “alternativa” da tevê brasileira





Por Felipe dos Santos



Em geral, a televisão brasileira sempre marca presença na transmissão dos Jogos Pan-Americanos. Basta lembrar de Caracas-1983. A TV Bandeirantes já teve na cidade-sede nomes que depois se notabilizariam na era “Show do Esporte”, como o narrador Jota Júnior, o narrador/comentarista Álvaro José e o repórter Elia Jr. A TV Globo ostentou Osmar de Oliveira (1943-2014) e Léo Batista como narradores principais da cobertura (Galvão Bueno acompanhava a Seleção Brasileira de futebol na Copa América). E a TV Record funcionou no mesmo sistema: Luciano do Valle (1947-2014) como locutor concentrado no Pan-Americano, mais dedicado a esportes olímpicos, enquanto Silvio Luiz era o nome a narrar pelo canal os jogos do Brasil na Copa América.

Basta lembrar também de Havana-1991, Pan transmitido com exclusividade pela TV Bandeirantes – aliás, como esquecer a histórica transmissão de Luciano do Valle para o ouro brasileiro no basquete feminino? Com a chegada das emissoras por assinatura, o público se pulverizou, mas algumas coberturas seguiram marcantes: por exemplo, em Winnipeg-1999, o trabalho dos canais ESPN foi muito elogiado. Tudo isso culminou com a máxima cobertura no Pan do Rio, em 2007: três emissoras abertas - Globo, Bandeirantes e Record - e três fechadas - SporTV, ESPN e Bandsports - exibiram as disputas. E desde 2011, se vê a “era Record/SporTV”: a emissora aberta paulista e o canal esportivo do Grupo Globo mostraram Guadalajara-2011 e Toronto-2015 (e mostrarão Lima-2019) com exclusividade.

Entretanto, em alguns momentos, desacertos e desentendimentos entre os Comitês Organizadores de cada Pan e a OTI (Organização de Televisão Iberoamericana, responsável pela compra dos direitos de transmissão até meados dos anos 1990) motivaram momentos pitorescos. Foi assim em Mar del Plata-1995: apenas a CNT (Central Nacional de Televisão), emissora paranaense, obteve os direitos e exibiu aquele Pan em parceria com a TV Gazeta paulistana, com resultados quase nulos de audiência.

Pois bem: em Indianápolis-1987, foi ainda pior. Por muito pouco, aquele Pan ficou de fora das grades de programação da televisão brasileira. É esta história que esse texto contará.


O problema


Novamente, o perigo começou com um desacerto entre a OTI e o Comitê Organizador do Pan em Indianápolis. Este pediu um preço alto pela compra dos direitos de transmissão – se adquiridos, seriam revendidos pela OTI às suas emissoras afiliadas, que se cotizariam no pagamento. A entidade iberoamericana se reuniu com os membros latinoamericanos – o que incluía, obviamente, os canais brasileiros de televisão. E resolveu: não pagaria o que o Comitê Organizador pedia. Em última análise: nada de Pan-1987 nas telinhas brasileiras.


A solução

O impasse foi resolvido pela ação de um empresário de televisão: o carioca Jorge Ramos, amante de esportes, com passagens por emissoras como a TV Globo. Já que não havia maneira de mudar a ideia da OTI, Ramos bancou a ideia de uma “rede independente” transmitir o Pan no Brasil. Para viabilizar a ideia, trabalhou em duas frentes. Por meio de sua produtora, a JR Produções, Jorge correu atrás de anunciantes, e também montou uma equipe de grosso calibre.

Na equipe, contou com o “auxílio” da TV Bandeirantes: esta cedeu nomes como Osmar de Oliveira, para narrar, e Roberto Rivellino, para comentar os jogos da Seleção Brasileira no torneio pan-americano de futebol. De contrato recém-renovado com a emissora paulistana do bairro do Morumbi, após treinar o Brasil na célebre “Copa Pelé” (torneio de futebol entre seleções formadas por jogadores veteranos) daquele ano, Luciano do Valle também seria locutor emprestado para a “Rede do Pan”, enquanto Álvaro José foi cedido para comentar as disputas de vôlei e basquete. Finalmente, outro narrador histórico da televisão brasileira encontrou guarida naquela chance: então recém-desligado da TV Record, após cerca de 30 anos de serviços prestados à emissora paulistana, Silvio Luiz narrou algumas disputas em Indianápolis-1987.





Ao mesmo tempo em que cuidava da cobertura, Jorge Ramos também se preocupou em comprar os direitos de transmissão. Aí, pediu ajuda a outra produtora: a Koch Tavares, sociedade entre os ex-tenistas Thomaz Koch e Luiz Felipe Tavares, já notabilizada pela organização das transmissões de torneios de tênis - destaque para o Grand Slam - na TV Manchete. O narrador dessas transmissões na Manchete era Rui Viotti (1929-2009), que já tinha então muitos serviços prestados à cobertura esportiva de várias emissoras (TV Tupi, TV Globo, TV Record). Foi justamente Rui o destacado para viajar a Indianápolis e negociar com o Comitê Organizador. Conseguiu: a Koch Tavares gastou entre US$ 1 milhão e US$ 2 milhões, segundo fontes, para comprar os direitos de exibir o Pan.

A exibição

Comprados os direitos, a JR Produções de Jorge Ramos conseguiu nove emissoras Brasil afora para formar a chamada “Rede do Pan”. Em São Paulo, a TV Gazeta foi a retransmissora das disputas nos Estados Unidos; no Rio de Janeiro, o acordo foi com a TV Corcovado (que exibe atualmente a CNT); no Rio Grande do Sul, era a TV Guaíba (retransmissora da TV Record); em Minas Gerais, a TV Minas, retransmissora da Manchete; e ainda houve emissoras em Curitiba (TV Curitiba), Rondônia (TV Porto Velho), Araraquara (TV Morada do Sul), Cascavel (TV Corimã) e Brasília (TV Nacional).

Aí pôde começar o trabalho, em duas frentes. Os doze profissionais contratados para as transmissões ficaram nos estúdios da Fundação Cásper Líbero, mantenedora da TV Gazeta, em São Paulo. Em Indianápolis, ficaram Rui Viotti e Vitor Paranhos (este, diretor egresso da TV Globo), cuidando das questões técnicas. Tudo para a exibição de 32 disputas, totalizando 104 horas de transmissões ao vivo entre 7 e 23 de agosto de 1987.

Às vezes, problemas foram inevitáveis. Por exemplo: no 7 de agosto da cerimônia de abertura dos Jogos Pan-Americanos, no Indianapolis Motor Speedway (mesmo complexo das famosas “500 Milhas” do automobilismo), até dois minutos antes do início da festa, nada de imagens via satélite nos estúdios da Gazeta. E quando chegaram, mostravam não a festa, mas um programa de auditório. Falando à revista Placar de 31 de agosto de 1987, João Esteves, diretor de eventos da TV Bandeirantes e mais um colaborador da “Rede do Pan”, lembrou o desespero: “Quase caí de costas. Se nossa equipe não fosse experiente, nem sei o que aconteceria”. O problema só foi resolvido com mais alguns minutos...



Mais percalços? Vieram com o amadorismo quase completo das imagens que eram geradas em Indianápolis. Para se ter uma ideia: na primeira transmissão de futebol da “Rede do Pan”, o diretor de imagens nos Estados Unidos nem se importava em mostrar a exibição de cartões amarelos ou vermelhos durante a partida. Vitor Paranhos precisou ficar junto a ele para explicar o que significavam aqueles cartões no futebol, e ressaltar que a cena de um jogador recebendo um deles precisava ser mostrada. Mais: durante as partidas de vôlei e basquete, Paranhos sempre pedia para que os placares fossem exibidos pelo gerador de caracteres, que simplesmente se esquecia de inseri-los nas imagens geradas em Indianápolis. O diretor se lamentou, na matéria supracitada da revista Placar: “Em vez de colocarem alguém de televisão para tomar conta, escolheram um advogado da cidade, que acabou marcando as finais de vôlei e basquete para o mesmo horário”.

Seja como for, pelo menos, a “Rede do Pan” cumpriu seu objetivo. Suas emissoras integrantes conseguiram êxito – no dia 18 de agosto de 1987, em Brasil 1x0 México, a semifinal do torneio de futebol do Pan, a TV Gazeta obteve oito pontos de audiência em São Paulo, na faixa das 23h, superando a TV Globo, que teve quatro pontos então. Sem contar o ponto alto da participação brasileira naquele Pan: coube a Osmar de Oliveira narrar (e a Álvaro José, comentar) o histórico Brasil 120x115 Estados Unidos que deu o ouro à seleção masculina de basquete. Osmar de Oliveira reconheceu, enquanto viveu e trabalhou: foi um dos grandes momentos de sua carreira.


(Íntegra de Brasil 120x115 Estados Unidos, decisão do torneio de basquete masculino nos Jogos Pan-Americanos de 1987, na transmissão da “Rede do Pan”, com a narração de Osmar de Oliveira e os comentários de Álvaro José. Reprisada no programa “Clássicos Bandsports”, do Bandsports, em 2003)

Mesmo em esportes não transmitidos por não terem imagens diretas de Indianápolis, a “Rede do Pan” deu um jeito de se fazer presente. Foi o caso do judô, que rendeu muitas medalhas ao Brasil em 1987 (cinco ouros, três pratas e quatro bronzes) mas não teve lutas transmitidas. Para falar com medalhados como Aurélio Miguel (ouro na categoria até 95kg), Luís Onmura (prata na categoria até 71kg) e Sérgio Pessoa (ouro na categoria até 60 kg), Rui Viotti os levou até o Lincoln Hotel, local das operações televisivas na cidade-sede. Pediu uma câmera emprestada à Tele Rebelde, emissora que mostrava o Pan para Cuba. E Viotti fez um boletim de reportagem entrevistando os judocas, brincando: “Para realizar esta entrevista, pedimos o equipamento da Tele Rebelde de Cuba. Também num ato de rebeldia, estamos aqui e mostramos a imagem do Pan para vocês”.

De quebra, aquela experiência da “Rede do Pan” trouxe frutos profissionais para a carreira de um dos integrantes da equipe. Entre uma narração e outra que Silvio Luiz fez (foi dele a voz para o Brasil 2x0 Chile que deu o ouro à Seleção no futebol), ele conversava com Luciano do Valle. E o diretor de esportes da TV Bandeirantes retribuiu a chance que recebera de Silvio na TV Record para impulsionar a transmissão de esportes olímpicos, ao sair da TV Globo logo após a Copa de 1982. Em 1987, foi Luciano que convidou o desempregado Sílvio para assinar com a TV Bandeirantes: “Vem para cá, e aqui você pode narrar o que quiser”.

Silvio foi. Estreou na Band em outubro de 1987. Começou ali a viver um novo ápice em sua carreira. Mas é uma outra história, que fica para uma outra vez.

E as tevês educativas?

Pois é: elas também participaram. Por serem emissoras ligadas ao governo, as dezessete emissoras educativas brasileiras de televisão tiveram mais facilidades para obterem os direitos de transmissão de algumas competições do Pan, ainda que às pressas. E também exibiram momentos importantes da delegação brasileira em Indianápolis, obtendo sucesso. Por exemplo: na TV Cultura paulista, o ouro do basquete masculino contra os Estados Unidos foi mostrado com a narração de Carlos Eduardo Leite, o “Dudu”. Mais um sucesso de audiência: a Cultura obteve oito pontos de audiência, na medição paulista do Ibope.

Já na TVE fluminense, Januário de Oliveira narrou (e Emanuel Bomfim, técnico do time masculino de basquete do Flamengo, comentou) o antológico triunfo da geração de Marcel, Oscar e companhia sobre o time norte-americano liderado por David “Admiral” Robinson e Danny Manning na Market Square Arena. E o ouro no futebol masculino foi exibido na TV Cultura paulista, ao vivo, novamente com a narração de “Dudu” Leite e os comentários de Clodoaldo.


(Melhores momentos de Brasil 2x0 Chile, decisão do torneio de futebol nos Jogos Pan-Americanos de 1987, em Indianápolis, na transmissão da TV Cultura, com a narração de Carlos Eduardo Leite e os comentários de Clodoaldo)

1 Comentários

  1. OUTROS tempos, mas foi fantástico aquelas transmissões,era um menino a época e lembro com carinho a abertura do evento, entrevistas, jogos de vôlei, futebol e a grande final e histórica do basquetebol masculino.
    Assisti pela TV Curitiba canal 2(Rede manchete), depois na semana seguinte comprei a revista Placar que fez um excelente cobertura jornalística e fotográfica.
    Hoje tudo é tão fácil, até por redes sociais se vê o que quisermos e múltiplas câmeras.

    ResponderExcluir

.

APOIE O SURTO OLÍMPICO EM PARIS 2024

Sabia que você pode ajudar a enviar duas correspondentes do Surto Olímpico para cobrir os Jogos Olímpicos de Paris 2024? Faça um pix para surtoolimpico@gmail.com ou contribua com a nossa vaquinha pelo link : https://www.kickante.com.br/crowdfunding/ajude-o-surto-olimpico-a-ir-para-os-jogos-de-paris e nos ajude a levar as jornalistas Natália Oliveira e Laura Leme para cobrir os Jogos in loco!

Composto por cinco editores e sete colaboradores, o Surto Olímpico trabalha desde 2011 para ser uma referência ao público dos esportes olímpicos, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.

Apoie nosso trabalho! Contribua para a cobertura jornalística esportiva independente!

Digite e pressione Enter para pesquisar

Fechar