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Coluna Surto Mundo Afora #22

 Por Bruno Guedes
A "Copa mais tática de todas" mexeu na estrutura do futebol


Antes de começar a Copa de 2018 da Rússia, o grande debate entre jornalistas e profissionais do futebol era de que essa seria a "mais tática de todas". E de fato a previsão vem acontecendo, porém bem diferente de outras épocas. Agora há não há inovações, mas sim variados conceitos adaptados e nem sempre tão bem sucedidos.

As Copas do Mundo, durante décadas, sempre foram as divulgadoras de inovações táticas e novos conceitos de jogo. Foi assim que o mundo estremeceu com o WM da Hungria de Puskas, se encantou com 4-3-3 do Brasil de 1958/1962 ou replicou o 4-4-2 da Inglaterra. Ideias que, sem o avanço tecnológico atual, se restringiam aos países e não eram tão difundidas antes dos Mundiais.

Desde o "futebol total" da Holanda, em 1974, as mudanças começaram a acontecer. Os clubes se tornaram bases para seleções não só com jogadores, mas também com ideias e inovações táticas. Desta maneira que o Ajax, então campeão europeu, serviu de alicerce para os vice-campeões que assombraram o planeta à época.

Copas depois foi a vez da Dinamarca com três zagueiros e a Alemanha no 5-3-2, com líbero, em 1990. Virou sensação e chegou até mesmo ao Brasil, que foi campeão em 2002 assim. À essa altura, os melhores treinadores do mundo estavam quase todos em seleções.

Então veio a globalização. Jogos de várias ligas pelo mundo nas TVs, comunicação em tempo real, jogadores saindo de seus países e indo jogar em centros mais ricos, fomento do estudo tático e profissional, intercâmbio de ideias... os clubes com maiores poderio econômicos acabaram se tornando Seleções Transnacionais.

O fluxo se inverteu. Treinar um clube com grande aporte financeiro se tornou mais atraente que uma Seleção. O por quê? Mais visibilidade graças à exposição midiática, jogos semanais, salários melhores, grandes jogadores à disposição e o principal: implantação da suas ideias de forma plena.

E o grande exemplo dessa mudança foi o Barcelona do Guardiola. Com autonomia para desenvolver seus conceitos, o ex-volante revolucionou o futebol justamente numa época onde se questionava os rumos dele. As Copas do Mundo de 2006 e 2010 foram chamadas de "as mais retrancadas" da História. Não à toa estão entre as piores médias de gols em todos os tempos, terceira e segunda, respectivamente. Jogos sem ideias, muita marcação, muito físico e pouca criação.

Mas durante esse intervalo, na Espanha, Pep recriava a figura do "falso 9", buscava foco na posse da bola, usava e abusava dos laterais-pontas, volantes técnicos e que ditavam o ritmo do jogo, futebol ofensivo, o "perde-pressiona" para recuperar a posse... Ganhou tudo. Literalmente. O Barcelona se tornou imbatível. E sendo visto por todos, uma referência.

José Mourinho assumiu o Real Madrid. Estamos em 2010, logo após a Copa do Mundo. Também ultracampeão, se tornou a antítese ainda na Inter anos antes. Só que com tantos duelos com Guardiola, passou a buscar soluções para estancar o futebol dos catalães de perto. E conseguiu. Com muito estudo e observações. Agora eram duas referências mundiais.

Desde então, vários outros passaram a tentar copiá-los, buscando novos formatos ou desenvolvendo seus próprios conceitos em cima de ambos treinadores. Ou inspirações, como Maurício Pochettino no Tottenham, Diego Simeone no Atlético de Madrid, Antonio Conte no Chelsea e outros. Até mesmo na América do Sul, com Sampaoli na Universidad do Chile e Marcelo Gallardo no River Plate. Novos nomes, novos modelos, novas soluções.

Só que, diferente de outras épocas, esses treinadores não queriam mais as Seleções. Treinar um país se tornou algo visto como "retrocesso". Pelo menos para os melhores técnicos do mundo. Principalmente nas da Europa. Fora os milhões despejados pelos clubes, selecionados jogam uma ou duas vezes a cada 45 dias. Competições são eventuais. Modelos e implantações de ideias ficam menos atraentes para os mais consagrados.

Foi assim que Guardiola recusou a Espanha, Simeone e Pochettino a Argentina e Mourinho a seleção de Portugal. Na contramão, Conte assumiu a Itália e a levou a um futebol de alto nível. Porém, após sua saída para os milhões de dólares do Chelsea, a Azzurra entrou numa queda livre que a levou a ficar de fora da Rússia 2018. No total desespero, os argentinos conseguiram Sampaoli, mas que fracassou em sua filosofia justamente porque... não tinha tempo suficiente (no Chile foram cinco anos e sucesso após dois), como nos clubes.

Entretanto, o reflexo dessas ideias foi o fim de um ciclo do "futebol físico e defensivo". A roda passou a girar ao contrário. Os clubes viraram referências para as Seleções. O sucesso passou a ser replicado nos selecionados nacionais, não só pelo intercâmbio de jogadores cada vez maior, mas também graças a um maior apreço pelos estudos e nas pesquisas sobre o futebol. Técnicos discípulos de tais modelos ou aqueles que se inspiravam neles acabaram ganhando espaços nos países. Longe do revolucionários, as adaptações foram acontecendo conforme o interesse do jogo.

Já em 2014 isso apareceu. Além da maior média de gols em 20 anos, jogos altamente ofensivos e elogiados na primeira fase. E ficou mais vivo ainda com a campeã Alemanha. Alternando centroavante (Klose) e falso 9 (Götze), Joaquim Löw, técnico alemão, ainda adaptou ideias do Pep Guardiola, à época no Bayern de Munique, em sua equipe. Como o lateral Lahm jogando como volante para dar qualidade na saída de bola, forte presença pelos lados, pressão para recuperar a bola e linhas adiantadas em muitos jogos.

Mas o que tem tudo isso a ver com a Copa atual? Tudo. De fato temos a mais tática de todos os tempos. Até Seleções menos expressivas a nível mundial conseguiram, através de estudos e tentativas, desenvolver uma busca pela organização e implementação do que virou sucesso durante este período. Agora vemos uma amadurecimento de observações e conceitos em quase 100% das Seleções. Os craques, sozinhos, não conseguem mais decidir como há 10 ou 15 anos. Agora precisam que toda a engrenagem funcione, que sejam apoiados, literalmente, por uma equipe que jogue com uma estrutura.

E há uma absorção quase total do que ocorre em suas ligas nas seleções cujos campeonatos são fortes. Caso da Inglaterra, treinada pelo pouco badalado Gareth Southgate, que usa fases de 5-3-2 sem a posse da bola e inverte a pirâmide, para um 2-3-5, com ela. E quem implantou isso por lá? Antonio Conte, campeão da Premier League 2016/2017 com o Chelsea. Fora a tentativa de busca por um jogo de qualidade e bonito, como o Tottenham do Pochettino.

Só que uma encarna totalmente o escrito até aqui sobre as mudanças de rumo : Espanha. Às vésperas da competição ela perdeu seu treinador, Julen Lopetegui, jovem que ascendeu de uma Seleção e foi para um clube. Tão adorada e odiada pelo seu tik-taka, agora desenvolve futebol mais dinâmico com a bola e um centroavante, Diego Costa, empurrando a defesa adversária para trás. Por que? Porque assim cria espaço para Isco, David Silva e Iniesta criarem. Formatos já experimentados em La Liga pelos times bases da Furia Roja: Real, Atlético e Barça.


Mas há um problema que esbarra justamente no ponto inicial desta coluna: os clubes. Muitos países não conseguem fechar um grupo de jogadores à altura de muitos times que colocam em prática essas ideias pós-Guardiola e Mourinho. Equipes como Real Madrid, Barcelona, Bayern, Manchester City e outras, são superiores a muitas Seleções que disputam o torneio na Rússia.

Vemos na Copa do Mundo de 2018 muitos técnicos querendo praticar um futebol cujos atletas não conseguem. E isso passa pela sua falta de qualidade técnica. Vimos a Islândia emular José Mourinho e seu "ônibus estacionado à frente da área" parar a Argentina e usar a verticalidade fatal do português. Porém, quando precisou da bola para fazer o resultado, falhou. O mesmo aconteceu com Irã, do ótimo Carlos Queiroz. Anulou a Espanha com uma linha de seis jogadores na defesa, mas não conseguiu contra-atacar de forma eficiente.

A Coreia do Sul, que venceu a campeã Alemanha, bebeu da fonte de se organizar primeiro e fazer a transição depois. Conseguiu mas graças ao relógio contra o adversário. Enquanto os alemães se mostraram organizados, os asiáticos não apresentaram um futebol capaz de vencê-los. Porém, após a desorganização europeia, entrou a parte tática dos coreanos sobre o desespero adversário. Resultado: 2 a 0.

Os japoneses, que sempre foram vistos como usuários frequentes da correia, agora trazem um time altamente organizado, com ótimo toque de bola para sair da pressão e Sai Shibasaki tentando achar os espaços para enfiar um companheiro de cara pro gol. Surpreendeu até mesmo a Colômbia, dita favorita na partida. Porém sem a qualidade de um Real ou City, acabou "batendo no teto" e não achando um futebol próprio. Caso ocorrido contra Senegal, onde dominou, foi superior, mas não se impôs tecnicamente.

Estes são apenas alguns exemplos, mas é a tônica: muitas ideias absorvidas em todas as Seleções, mas sem tanta qualidade para desenvolvê-las nas menos tradicionais ou com Ligas fortes. A boa notícia é de que vemos partidas cada vez mais equilibradas e os 0 a 0 são raros. Há um cuidado cada vez maior com o trato na bola, busca pelo gol.

Só ao término da Copa saberemos como esta edição será lembrada. O que levaremos como recordação para o futuro. Mas algo já é consolidado: o giro da roda inverteu. Não são mais as Seleções que ditam moda, mas os clubes.

Fotos: FIFA/Getty Images

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