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O Outro Lado da Muralha: A China potência olímpica







14 anos após sediar a Olimpíada de Verão, Beijing será responsável por receber a 24ª edição dos Jogos Olímpicos de Inverno. O que é histórico, já que a capital chinesa será a primeira cidade do mundo a receber as duas competições.

Encerrando a apresentação do território chinês, quando estamos a menos de um mês para o início do torneio mundial, daremos uma ênfase no aspecto esportivo nacional. Afinal, em um curto espaço de tempo e precisando superar tantos momentos turbulentos em sua história, a China acabaria se tornando uma potência olímpica. Principalmente se considerarmos o atual século, onde vem conseguindo se manter como uma das principais forças esportivas do mundo.

Os mencionados conflitos internos logicamente acabaram por atrapalhar a presença chinesa nos Jogos. Como exemplo, pode-se mencionar a participação solo de um atleta nas edições de 1932 e 1936: o corredor Liu Changchun. À época dos Jogos de Berlim, a China vivia um momento de turbulência em sua guerra civil, era então comandada pelo Kuomintang (Partido Nacionalista) e se via a poucos meses da famosa invasão por parte do exército imperial japonês na então capital Nanjing.



Com a instauração da China Comunista, os problemas continuaram, já que não existiam relações diplomáticas envolvendo República Popular da China (a China) e República da China (Taiwan) pós-1949. Os desacordos acabaram interferindo na presença dos territórios em eventos esportivos, já que ambos se proclamavam “a verdadeira China” e não reconheciam a presença do território vizinho. Era difícil decidir qual das duas localidades seria a representante chinesa nos Jogos Olímpicos.



Em 1952, a China comunista participou pela primeira vez de uma Olimpíada no período pós-revolução. Mas, os problemas criados com os vizinhos continuariam, e a República Popular da China acabaria rompendo definitivamente com o COI anos mais tarde, deixando de participar a partir da edição de 1959 e retornando somente duas décadas depois. Nesse meio tempo, a República da China (Taiwan) disputou normalmente as competições entre 1956 e 1972.

Esse entrave seria corrigido anos mais tarde, com um acordo estabelecido entre as três frentes. O COI aceitaria a existência da República Popular da China como a representante legítima do que se convém chamar de China até hoje. Ao mesmo tempo, daria liberdade ao território de Taiwan para que esse também pudesse participar de eventos esportivos internacionais. A delegação representaria “Taipé Chinês” e contaria com uma bandeira específica, diferente da considerada oficial.



Contexto histórico em 1959: a China comunista se via em problemas com a União Soviética e acabaria rompendo suas relações com o território vizinho, acenando para o mundo ocidental. E o curioso é que o esporte acabaria tendo um papel importante nessa reaproximação dos chineses com as nações capitalistas. A partir da década de 70, a “Diplomacia do Ping-Pong” tomou corpo, com os atletas enviados às competições internacionais e sendo praticamente embaixadores da China durante o período.



Mais do que competir, a ideia era construir relações com esportistas de outras nacionalidades sempre que possível. As coisas se transformariam com o passar do tempo, especialmente após a morte de Mao em 1976. Já com Deng Xiaoping como o governante principal do país e de volta ao COI, a China reforçou seus laços com o ocidente boicotando os Jogos Olímpicos de Moscou em 1980. Porém, passaria também a aspirar saltos maiores esportivamente falando, como já faria no aspecto político.

Logicamente que o país ainda sofria com muitos problemas estruturais apesar de avanços notáveis em décadas anteriores. Outros pontos de maior importância deveriam ser melhorados, mas o esporte já era pensado de outra forma na China. O PCC via o investimento e os consequentes bons resultados como algo bom para melhorar a autoconfiança nacional além, claro, de sinalizar ao mundo que as coisas poderiam prosperar no modelo chinês.



Na Olimpíada de 1984, foram quinze medalhas de ouro e um quarto lugar na classificação geral. Porém, uma baixa considerável nos Jogos ocorridos em Seul pouco tempo mais tarde (somente quatro ouros) obrigou o país a repensar seus planos para o esporte. O investimento deveria aumentar, bem como o incentivo feito às escolas em todo o território. Porém, o período ainda era de dificuldades, com a abertura econômica em seus primeiros passos e o país longe de ser considerado potência.



Foi só a partir da década de 90 que as coisas passaram a fluir melhor para os chineses neste âmbito. O modelo social e econômico proposto pelo Partido começava a dar resultados, auxiliando no plano nacional de reestruturação esportiva. Além do incentivo que era feito em escolas, o setor de captação de promissores atletas cresceu. Melhores condições estruturais para treinamentos e o intercâmbio com treinadores e esportistas estrangeiros ajudavam no desenvolvimento.

Mantinha-se, assim, o ideal que era utilizado em todas as questões dentro da China: planos quinquenais (herança da parceria com os soviéticos) e investimento privado, mas com direcionamento e controle estatal. O governo central dá as diretrizes, mas a execução das ideias é coordenada por províncias ou cidades. Cada local mantinha suas peculiaridades sociais e também estruturais, visto que o crescimento não era igual em todos os cantos do país.



O crescimento econômico guiava o esportivo. No final da década de 90, recebendo bilhões de yuans em investimento, a China já se afirmara como uma potência olímpica. O país conseguia resultados expressivos em competições esportivas e galgava postos cada vez mais altos também no quadro geral de medalhas em Olimpíadas. Em Sydney (2000), foram 28 ouros e um terceiro lugar na classificação final.



Com a confirmação de Beijing como a sede para os Jogos de 2008, é fácil prever que o investimento aumentou bastante para que os atletas fizessem um bom papel dentro de casa. E os treinamentos intensos se iniciaram já para Atenas (2004), que serviria como teste decisivo em busca do objetivo chinês que era mostrar ao mundo seu poderio financeiro, social e esportivo. Em resumo: demonstrar que o modelo chinês funcionava, com o Estado guiando os rumos de uma nação.

E as coisas funcionaram exatamente como o planejado. Na capital grega, foram 32 ouros, além de seis recordes mundiais e 21 olímpicos. Outro ponto que contribuiu para o sucesso chinês foi a detecção de medalhas a serem conquistadas onde, teoricamente, o caminho seria menos espinhoso. Assim, esportes aquáticos acabariam ganhando importância desde 2000 e se tornariam fundamentais para o alto número de ouros nas edições seguintes.



Em 2008, o número de medalhas importava tanto quanto a demonstração ao mundo da tecnologia local e também a alta qualidade em estádios e instalações. E as coisas se saíram bem em todos os aspectos, com a China conseguindo 51 ouros no total e liderando a competição geral. De quebra, a distância para os sempre favoritos Estados Unidos foi de 15 medalhas. A hegemonia americana havia terminado em Beijing e o olhar para a China mudou diante de tanta capacidade tecnológica em estádios e demais estruturas, além das impressionantes celebrações nas cerimônias de abertura e encerramento.



A rivalidade com a maior potência ocidental se manteve. E acabaria crescendo, bem como aconteceu fora do âmbito esportivo. Já nesta edição em solo chinês, parte da imprensa norte-americana passou a considerar o ranking total de medalhas ao invés da contagem dos ouros, padrão em todos os eventos olímpicos. De acordo com a contagem de meios ocidentais, o país estava à frente da China já que o número geral de premiações (contando prata e bronze) era superior ao vencido pelos chineses.

Essa contagem ficou famosa de novo em 2021, em meio aos jogos de Tóquio. Ali, a delegação chinesa chegaria a liderar o quadro geral durante um bom período, mas acabaria sendo superada nos eventos finais. Apesar do rendimento abaixo das expectativas nacionais no Rio de Janeiro em 2016, a China está consolidada como uma potência olímpica e mostrou isso ao se recuperar na Olimpíada realizada em solo japonês.



Logicamente, os esportes de inverno também passaram a receber grande atenção com o passar do tempo. E o fato de a edição 2022 acontecer em Beijing tratou de mobilizar ainda mais o país para o desafio que virá. Segundo dados divulgados recentemente, mais de 300 milhões de chineses participaram de atividades esportivas presentes no evento desde 2015. A pesquisa mostra também que especialmente os jovens parecem mais atraídos pelos esportes.



Áreas para patinação no gelo cresceram consideravelmente neste período de seis anos, algo em torno de 317%. 1200 novas atividades relacionadas às modalidades presentes nos Jogos foram proporcionadas ao público somente em 2021, em outro número que impressiona. O estudo também mostra que o esporte conseguiu manter praticantes em todos os pontos do país, alcançando desde a província de Guangdong até as regiões de Xinjiang e Tibete.

Tentar entender todo esse processo de grande reviravolta esportiva sem passar pela história geral chinesa é impossível. Como foi possível ver durante todos esses meses, o crescimento em resultados esportivos está intimamente ligado ao desenvolvimento da China enquanto nação e a formulação de seu projeto nacional. Pode até servir como propaganda do “modelo chinês”, como dito algumas vezes, mas é inegável que o projeto (sempre em atualização) tem também seus pontos positivos refletidos dentro de estádios, arenas, complexos e parques.

Fotos: Agência Xinhua (1,2,3), Olympic Channel (4), SCMP (5), Reuters (6,7).


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