O ippon é o chamado golpe perfeito do judô, aquele no qual se derruba o oponente de costas para o tatame para encerrar uma luta. Qualquer atleta aprende desde cedo que ele faz parte do jogo, o segredo é não se abater e dar a volta por cima. No caso do paraibano Wilians Araújo, um dos nove judocas que representarão o país nos Jogos Paralímpicos de Tóquio, a maior dificuldade nos últimos anos nem foi se erguer após cair durante um combate, mas sim, superar os vários ippons que a vida lhe deu.
Apenas de 2019 para cá, o atleta que compete nos pesos-pesados do judô paralímpico (mais de 100 kg) passou por duas cirurgias delicadas, perdeu o pai para o câncer e encarou duas infecções pelo novo coronavírus, sendo uma assintomática. Por isso, seja qual for a medalha conquistada no Japão, ela terá gosto de vitória.
"Medalha paralímpica não tem cor. Será, se Deus permitir, o momento de concretizar mais um ciclo. O trabalho que é feito lá no Instituto Benjamin Constant... A CBDV, que fez de tudo para que pudéssemos treinar em segurança, o Comitê Paralímpico... Levar essa medalha para o Brasil seria coroar tudo isso", conta o judoca, medalhista de prata na Rio 2016 – ele também participou de Londres 2012.
O ciclo de Tóquio começou a se mostrar um desafio e tanto em 2019, quando Wilians rompeu o ligamento cruzado do joelho esquerdo e teve lesão de menisco. Foram seis meses de molho até o retorno no Grand Prix, em novembro, quando foi campeão brasileiro. O ano seguinte parecia promissor: ouro no Pan-Americano de Montreal, no Canadá, e no Aberto da Alemanha. Em março, porém, durante competição de judô regular no Rio, novo rompimento dos ligamentos, desta vez, do joelho direito. E em meio a uma pandemia que já assustava o planeta e chegava forte ao Brasil.
"Ali começou a luta para operar, foi tudo fechando. No começo eram só 15 dias, mas as coisas foram piorando, piorando... E fiquei preocupado porque nada de operação. Quando chegou em julho, foi possível realizar a cirurgia. Fiquei mais seis meses afastado dos tatames e só pude voltar a treinar em janeiro deste ano", explica.
Enquanto se recuperava da cirurgia, veio o golpe mais dolorido: a notícia do câncer do pai, seu Severino. "Por incrível que pareça, com todas as coisas ruins que aconteceram, a pandemia fez com que eu me aproximasse do meu pai na hora que ele mais precisou. Se estivesse tudo normal no ano passado, eu teria descoberto que meu pai estava com câncer no meio da Paralimpíada. Eu pude cuidar dele, ir ao médico, estar presente até o último momento de vida dele."
Em outubro, no dia seguinte a Wilians completar seu 29º aniversário, o pai se foi, aos 58 anos. "Meu pai era um dos meus maiores incentivadores. No começo da minha carreira, ele não entendia muita coisa, mas, depois, era um grande torcedor. O que ficam são as lembranças boas. Ele e minha mãe me ensinaram a ser a pessoa que sou hoje, então sou muito grato. Lidar com isso ainda é... [pausa com a voz embargada]. Muito emocionante! São lembranças diárias, e essa dor que carrego no meu coração nunca vai passar. A gente só aprende a conviver. Mas eu sinto muita falta do meu pai."
Covid dupla
Mais recentemente, Wilians se deparou em duas ocasiões com resultados positivos para testes de Covid. Na primeira, quando ainda estava no Rio ao lado da esposa, Claudinete, disse não ter sentido absolutamente nada. Semanas depois, decidiu ir para Riachão do Poço, sua cidade natal na Paraíba, onde teria mais espaço e ar livre para treinar. Lá, sim, os sintomas vieram. Aliás, não só ele, mas a esposa, os sogros e uma afilhada também pegaram o novo coronavírus. Felizmente, com final feliz para todos.
Agora, concentrado com a delegação em Tóquio, Wilians só torce para chegar logo a estreia na Paralimpíada – no dia 28, às 22h30 (de Brasília): "Quero dar o meu melhor e sair daqui com a sensação de dever cumprido". Que os ippons, desta vez, sejam a seu favor.
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