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Coluna Surto Mundo Afora: Las Leonas: a paixão argentina dolorosa como um tango




Olimpíadas de Sydney 2000. Hóquei na grama. Após anos lutando contra as melhores seleções do mundo sem sucesso, a Argentina chegava com uma geração talentosa e uma jovem chamada Luciana Aymar. Entretanto, querendo acabar de vez com a mística do "quase", as jogadoras se uniram e tomaram uma decisão: como símbolo de garra e luta, na fase final iriam colocar um mascote no uniforme. Ou melhor, uma. Nasciam então Las Leonas.

Aquelas meninas, comandadas por Sergio Vigil, mudaram completamente a história. Chegaram como promessas. Saíram como lendas. Com fome de gols, atacavam suas adversárias como uma leoa devora suas presas. Foi assim que marcaram 14 vezes na fase final, contra as cinco da anterior. 

Na final, a maior geração australiana de todos os tempos venceu por 3 a 1. Mas todos já estavam assombrados e sabiam: uma nova era começava no hóquei na grama.

Las Leonas viraram sensação entre os argentinos. Numa época onde o futebol era o queridinho da população, dois anos após os Jogos Olímpicos, a Argentina inteira virou a madrugada comemorando um título mundial conquistado do outro lado do mundo. Não, não foi a equipe treinada por Marcelo Bielsa, na Copa do Mundo. Esta caiu na primeira fase. Foi a liderada por Luciana Aymar.

Como vingança pelo ouro "roubado" na Austrália, Las Leonas deram o troco também no país da Oceania. Atropelando suas rivais, as argentinas eram donas do mundo cinco meses depois da decepção futebolística na Coreia e Japão. O esporte bretão coqueluche agora era outro. Saíram as chuteiras, entraram os tacos.

Desde então, Las Leonas se tornaram as queridinhas dos hermanos. Escolinhas de hóquei se multiplicaram pelo país. Jogadoras viraram estrelas nacionais. Todas as meninas queriam vestir o uniforme com a leoa no peito. E Luciana Aymar, símbolo daquela geração, trilhava seu caminho para se tornar a maior de todos os tempos.

Ligava-se a televisão, lá estavam elas. Nas capas dos jornais, entrevistas. Nas revistas, suas histórias. Só que o sonho da Argentina ainda estava incompleto: faltava o ouro olímpico...

Um tango dançado nos campos de hóquei


No tango, o drama faz parte da música. É na dor que nasce o ritmo marcante da Argentina. É um espírito comum no país vizinho. Mas como alma penada, ela passou a assombrar Las Leonas. Após conquistarem o mundo e se tornarem símbolo de uma nação que saía da sua pior crise socioconomica de todas, Atenas 2004 virou um sonho.

Contudo, ali começou o pesadelo. Chegando como favorita, começava a luta pelo ouro. Luta não, obsessão. Só que ali também nasceria a maior rivalidade do hóquei neste século. Assim como as argentinas, as neerlandesas começavam uma renovação que levaria à maior geração da modalidade no país. Justamente no momento em que Luciana Aymar assombrava o planeta.

Lá foi Lucha, como grande estrela, com as Leonas. Os hermanos paravam para vê-las. Os jogos rendiam audiências gigantescas para as televisões. Era a maior esperança do ouro. Mas derrotada nas semifinais para os Países Baixos, a Argentina terminou com o bronze. O sonho foi adiado com sabores conhecidos de outros tempos.

Dois anos depois, no Mundial da Espanha, a defesa pelo título conquistado em 2002 e a vingança caíram por terra. E na mesma fase. E para as mesmas rivais. Um disco inteiro de Carlos Gardel não conseguiria traduzir tamanha decepção. Dupla, no caso: Argentina fracassou no futebol e no hóquei. As duas grandes paixões estavam no chão.

Assim como na música, sempre haveria uma nova composição a ser escrita. E Beijing 2008 prometia ser diferente. As argentinas já não eram mais surpresa e constituíam uma das equipes coletivas mais importantes do planeta. Em todos os esportes. Novas jogadoras chegavam e com talento extraordinário. 

Porém tudo se repetiu. Sim, tudo aconteceu novamente. Na mesma semifinal. Para os mesmos Países Baixos. Com a mesma dor.

A espera ficou para Londres. Só que antes, a Copa do Mundo de 2010 seria em Rosário. Terra de Luciana Aymar. A algumas quadras de onde a estrela começou os primeiros passos. Após uma comoção popular, a final foi justamente entre os dois países que polarizam os últimos torneios.

Soava o hino da Argentina nos alto-falantes. Jogadoras em pranto. Torcida enlouquecida. 


E bola rolando. Com menos de 10 minutos, Las Leonas já venciam por 2 a 0 e num tsunami. Não era apenas questão tática e técnica. Era questão de honra. O taco era o coração. Lucha e suas companheiras encarnaram de fato as leoas. Abocanharam as neerlandesas de forma tão voraz que o time laranja ficou estático.

Zerou o cronômetro. Um berro quase foi suplantado pelo grito das arquibancadas. Era de Aymar. Ela, que viveram todos os dissabores dos últimos confrontos, conseguia finalmente exorcizar o fantasma neerlandês. E em casa. Um 2 a 1 com gosto de goleada e revanche.

Porém, será mesmo?

Prata e adeus: o fim de uma era nas Leonas


A imprensa argentina temia noticiar ou falar sobre o assunto. Mas Luciana Aymar, símbolo máximo do hóquei e das Leonas, se aproximava da aposentadoria. Doze anos corridos desde o assombro que foi Sydney 2000. O peso pelo ouro olímpico já não era maior que o da idade.

Las Leonas chegaram a Londres 2012 como a maior favorita ao título. Até mesmo as neerlandesas sabiam disso. Com sua geração no auge da forma física e tática, afirmavam que a Argentina era equipe a ser batida. Aymar teve a honra máxima da pátria: carregar a bandeira do seu país na Cerimônia de Abertura.

Jogo a jogo, Lucha e a albiceleste davam prova disso. Num grupo dificílimo, com potências como Alemanha, Austrália e Nova Zelândia, as sul-americanas se impuseram. Saíram como primeiras da chave. 

Pegaram nas semifinais... a Grã Bretanha, a rival geopolítica. A prova de que os fantasmas seriam exorcizados. O tango teria um final feliz. A vitória por 2 a 1 deu a ilusão que todos os argentinos queriam: a final seria contra os Países Baixos. O ouro seria a vingança perfeita!

Seria...

Todos esperavam uma batalha campal. O que se confirmou pela tensão nos hinos e o rosto sangrando de Mariela Scarone. Após o taco de Ellen Hoog acidentalmente acertar a face argentina, jorrou o sangue que tanto Las Leonas deram em campo ao longo dos últimos seis anos para vencer as neerlandesas. Só que não foi suficiente mais uma vez. O ouro, de novo, estava nas mãos das europeias.

Foi uma das maiores dores do sofrido torcedor da Argentina. E daquelas meninas. Aymar chorava. Mas junto às lágrimas, o sentimento de que não haveria força suficiente para chegar até à Rio 2016.

E não teve. Dois anos após a segunda prata, Luciana Aymar anunciou sua aposentadoria. Como filhas órfãs, Las Leonas precisariam seguir sem a maior estrela de todos os tempos. Reformular padrão tático, psicológico, local...

Seguiram. Mas não conseguiram. No Rio de Janeiro, o selecionado argentino fracassou com o pior desempenho em Olimpíadas neste século. Após a estreia com derrota para a surpreendente seleção norte-americana, a Argentina saiu como quarta em seu grupo e logo de cara pegou a algoz. Sim, caro leitor, os Países Baixos.

Como se o céu chorasse, um temporal desabou sobre Deodoro naquela segunda-feira de quartas de final. Luciana Aymar, a maior das leoas, pela primeira vez estava fora do seu habitat. Desta vez nas tribunas, comentando pela ESPN. 

Las Leonas caíram.

As neerlandesas seguiram em frente. As argentinas voltaram pra casa. E o sonho do ouro olímpico segue vivo.

E como num tango tentando traduzir as dores em vitória, tudo vai recomeçar em Tóquio para as Leonas.

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