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Surto História: 20 anos do tricampeonato de Gustavo Kuerten em Roland Garros


Ídolos surgem do trabalho, esforço, dedicação e apoio de uma equipe, independentemente do esporte. E Gustavo Kuerten, melhor tenista (homem) da história do Brasil, deixa isso sempre muito claro quando fala das grandes conquistas em sua carreira (incluindo o tricampeonato em Roland Garros). Raramente você vai ouvir “eu conquistei” ou “eu ganhei”. Mas sim “nós ganhamos”, “nós conquistamos”. 

No período vitorioso de Guga nas quadras, ele foi capaz de bater os melhores tenistas do mundo, venceu três vezes o torneio de Roland Garros, conquista que completou 20 anos na última quinta-feira (10). Ele foi número 1 do mundo durante quase um ano inteiro. Além do tricampeonato em Paris, o brasileiro ergueu outros 17 troféus, conquistas inimagináveis pelo próprio ex-atleta, que revelou em entrevista coletiva virtual nesta semana, viver sem arrependimentos. 

Foi muito além do que nós pensávamos. Ao mesmo tempo, a gente se dedicou com total ênfase e isso tira a dúvida (do arrependimento). Na carreira, tudo sobrou bem mais do que faltou. Talvez houvesse uma guinada maior mais na frente. Mas é o que é. O esporte ensina isso. Não adianta pensar no ‘se’. Hoje eu me encontro numa situação em que se eu vou na quadra, me dói horrores (fisicamente), mas aí vou para o sofá, faço outra coisa, brinco, levo as crianças para a escola. Tem muito para agradecer também. A gratidão dá uma sensação de que não vale a pena mexer em nada. Tá ótimo. As consequências estão além da nossa capacidade de controlar. 

Apesar de 20 anos separarem Guga, do momento eterno vivido na quadra Philippe Chatrier, em Paris, ele demonstrou felicidade em sempre poder falar das conquistas. Uma das coisas mais curiosas de sua carreira, foi a épica partida contra o estadunidense Michael Russell (122º do mundo na época), nas oitavas de final de Roland Garros 2001

Naquela ocasião, Guga defendia o título conquistado no ano anterior, mas estava perdendo para o atleta vindo do torneio qualificatório, pelo placar de 2 sets a 0, 5-3 no terceiro set e tinha match point contra. Mas “por um quarto de centímetro”, como o próprio jogador disse, em matéria publicada pela Folha de S. Paulo, na época, Guga reverteu a situação desfavorável e virou a partida, garantindo sua continuidade no torneio, que terminaria com mais um título. 

“Eu cheguei (em Roland Garros) de uma forma em que tudo dava fruto. Tocava e dava certo. Era tudo muito espontâneo, entrava em quadra e era um mundo mágico. Ao ponto de assustar os caras do outro lado da quadra. A grande maioria não entrava nem para competir, e sim para ficar um tempo na quadra, sabendo que mais cedo ou mais tarde iam abaixar a guarda. Naquele jogo contra o Russell, a quadra tinha 98% de torcida francesa e eles começaram a gritar ‘Allez Guga, Allez Guga’. Isso virou ferramenta pra ganhar”, disse o ex-numero 1 do mundo. No vídeo a baixo você pode conferir o complemento deste trecho sobre o jogo contra Russell em 2001. 


Cada uma das três conquistas de Guga em Roland Garros foram especiais. Tudo começou em 1997, com uma vitória por 3 sets a 0, diante o tenista da República Tcheca, Slava Dosedel. Naquela altura, Guga apenas esperava vencer dois jogos no torneio. E vinha cumprindo bem o papel pelo qual havia estabelecido. Na rodada seguinte, bateu o também promissor Jonas Bjorkman, da Suécia (que no futuro, venceu nove títulos de Grand Slam nas duplas), por 3 sets a 1. 

Pela frente, viria o primeiro colosso. O austríaco Thomas Muster, campeão no saibro parisiense em 1995 e cabeça de chave número 5. Ali, o amor de Guga por Roland Garros se concretizou. Triunfo por 3 sets a 2, no que era a maior vitória da carreira do brasileiro até então. 

E assim Guga foi construindo essa história. É sempre válido destacar que as três conquistas em Paris tiveram uma pedra no sapato em comum: o russo Yevgeny Kafelnikov, sempre em partidas nas quartas de final. Curiosamente, foi ele mesmo, quem derrotou o brasileiro em sua maior oportunidade de conquistar uma medalha olímpica, nas quartas de final de Sydney 2000. 

Ainda durante sua coletiva comemorativa, Guga relembrou de sua época como jogador juvenil. Após uma eliminação em Roland Garros, o brasileiro enviou um cartão postal para a mãe, Alice, dizendo que ainda seria número 1 do mundo

Esse cartão é surpreendente. Tenho ele como uma confirmação do que aconteceu. De que Roland Garros já nasceu especial para mim. Ali começa um título. Eu entrei ali e escrevi uma coisa que não era do meu tamanho. Fiquei vendo o Jaime (Oncins) virar contra o Ivan Lendl (na 2ª rodada de Roland Garros 1992) e aquilo foi o suficiente para me sentir o melhor jogador do mundo. Aquele dia. E eu tento recordar e na verdade a minha sensação nunca tinha sido essa, ano após ano, até o profissional. Tem um momento que eu era 60 do mundo e falo pro Fininho (Fernando Meligeni), ‘cara, não dá mais, eles são muito bons, é assustador, eles jogam muito’. Nunca fui um projeto de Agassi, Nadal, desses caras que tem a possibilidade garantida de chegar lá no topo. 

 

Um membro fundamental de sua equipe para a série de conquistas entre 1997 e 2001 foi o treinador, Larri Passos. Essa parceria lendária do tênis nacional rendeu alguns dos momentos mais gloriosos da modalidade para nosso país. Guga também comentou como foi a construção de seu jogo e a influência do importante técnico. Veja no vídeo. 


Em 2000, Guga também não teve facilidade no caminho ao título. Além de claro, encarar Kafelnikov, nas quartas, o brasileiro precisou virar a partida de semifinal diante o espanhol Juan Carlos Ferrero (que ganhou o título de Roland Garros em 2003). Na final, ele precisou passar pelo sueco Magnus Norman, cabeça de chave número 3 do torneio, naquela ocasião. 

O tricampeonato em Roland Garros é um fato. Mas o quão longe poderia ter ido Guga Kuerten, caso não tivesse as inúmeras lesões no quadril? Poderia ter alcançado um tetra, talvez um pentacampeonato em Paris? Ele também falou sobre isso em sua coletiva, além da possibilidade de enfrentamento contra Rafael Nadal. Você pode ver o comentário no vídeo abaixo. 


Por falar em Nadal, Guga revelou sua tática para vencer o tenista espanhol no saibro parisiense. “Fácil, bota uma venda nos olhos dele, fala que ele vai ter que jogar assim”, disse o brasileiro, aos risos. “Costuma surgir essa pergunta né, é natural, pois ele faz com que eu seja o último grande campeão de lá. Tem o tempero de que eu teria um jogo que funcionaria bem contra ele, mas Nadal leva esse enfrentamento para um nível brutal”, disparou.

Relembre os adversários de Guga nos três títulos em Roland Garros

Arte: Lucas Bueno/Surto Olímpico

Arte: Lucas Bueno/Surto Olímpico

Arte: Lucas Bueno/Surto Olímpico


No coração de Paris

O gesto mais marcante da carreira de Guga, foram os dois corações desenhados no saibro de Paris. O primeiro, depois do sufoco contra Michael Russell, nas oitavas. O segundo, já com uma elevada carga emocional pela conquista do tricampeonato.

Foto: Reprodução/Inside Tennis

Para mim o principal é aquele do jogo contra o Russell. E eu fico intrigado, porque pensei que tinha demorado mais para ter a ideia, mas não, eu saí da rede (na saudação ao adversário), pronto para fazer o coração. É divino, espiritual, sei lá. O match point (salvo), certeza que foi o pai lá de cima. E depois daquilo, queria repetir o gesto na final. E o mundo sorri as vezes pra gente, ele traz essas recompensas. É a vontade de se dedicar ao máximo e de fazer coisas boas, e a recompensa volta. E aconteceu dessa forma, eu pude fazer novamente o coração, pra resgatar o momento e reforçar, essa paixão e a emoção. Os troféus, o dinheiro da premiação ajudam, transformam sim, mas as memórias, a lembrança, a emoção, daqui 50 anos, se a gente tiver uma oportunidade de conversar, alguém vai relembrar. É inesquecível por causa disso. 

Arte: Lucas Bueno/Surto Olímpico 

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