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Os Jogos Olímpicos na televisão brasileira - Atenas 2004, Globo






(Vinheta de abertura das transmissões da TV Globo para os Jogos Olímpicos de 2004. Postado no YouTube por Thiago Rocha)


Narração: Galvão Bueno, Cléber Machado, Luís Roberto, Paulo Brito e Rogério Correa

Comentários: Tande (vôlei masculino), Leila (vôlei feminino), Róbson Caetano (atletismo) e Ricardo Prado (natação)

Reportagens: Marcos Uchôa, João Pedro Paes Leme, Régis Rösing, Tino Marcos, Pedro Bassan, Renato Ribeiro, Delisiée Teixeira, Glenda Kozlowski, César Tralli, Glória Maria e Graziela Azevedo

Apresentação: Maurício Torres, Glenda Kozlowski e Mylena Ciribelli


É possível dizer que a preparação da emissora dos Marinho para os Jogos Olímpicos de Atenas começou com dois sustos – ocorridos já na reta final dos preparativos. Ambos, durante o torneio pré-olímpico de futebol masculino, no Chile, em janeiro de 2004 (novamente, o único pré-olímpico exibido pelo canal aberto). O primeiro, claro, foi o resultado em si: com várias atuações inconstantes, ganhando e perdendo, a Seleção Brasileira treinada por Ricardo Gomes – com Diego e Robinho como grandes destaques, sem contar o ausente Kaká – ficou inesperadamente de fora do torneio olímpico, com Argentina e Paraguai levando as vagas para Atenas (e chegando ambas até a decisão do ouro, vale lembrar). A Globo perdia um chamariz de audiência com o qual sempre conta em tempos de Jogos.


O segundo envolveu o símbolo esportivo da Globo à frente das câmeras: Galvão Bueno narrava as partidas da Seleção Olímpica no começo do torneio, dos estúdios no Rio de Janeiro. E seguiria assim, não fosse um grave acidente sofrido em 18 de janeiro de 2004: andando a cavalo em sua fazenda, na cidade paranaense de Londrina, Galvão sofreu forte queda, após o animal se assustar. Incrivelmente, Galvão “apenas” fraturou o braço esquerdo em quatro lugares – e uma operação no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, restabeleceu plenamente os ossos no local. Cléber Machado seguiu os trabalhos de acompanhamento do fracasso brasileiro no Pré-Olímpico, ao lado de Paulo Roberto Falcão nos comentários; Galvão voltou aos trabalhos um mês depois, às vezes aparecendo nas transmissões de tipoia no braço fraturado; mas quando era hora de Olimpíadas, o narrador já estava pronto para mais uma grande cobertura simbolizando o que a Globo faria – para o bem e para o mal.


E o problema particular de Galvão Bueno acabou sendo nota menor nos aprontos do canal do Jardim Botânico carioca rumo à capital da Grécia. Daquela vez, os avanços tecnológicos diminuiriam bastante os custos da empreitada – algo já antecipado por Fernando Guimarães, então diretor de operações da Globo, em depoimento ao Memória Globo, projeto institucional de história do grupo de mídia, falando em 2007, ainda em referência ao que se fizera em Sydney-2000: “Foi a última vez que a gente fez no formato de produzir tudo do local. Como os satélites, na época, eram muito caros [no aluguel], a gente fazia toda essa produção de lá [cidade-sede olímpica]. (...) A partir de 2000, barateou muito o segmento espacial, porque começou a vir [transmissão de dados em] fibra ótica. Em 2004, na Grécia, a gente já fez num formato diferente”. Noutras palavras: já não seria mais necessário enviar tanta gente aos Jogos, principalmente no aspecto técnico. Iria a Atenas apenas o pessoal estritamente necessário para a cobertura da Globo, à frente e atrás das câmeras. De resto, muita gente transmitiria os eventos dos estúdios no Rio de Janeiro, na equipe de retaguarda.


Mas antes que se decidisse a equipe para os trabalhos - em Atenas e no Rio -, o canal dos Marinho começou com os trabalhos prévios para preparar a audiência rumo ao que viria entre 11 e 29 de agosto de 2004, na capital da Grécia. Novamente, um quadro dentro de um programa foi usado para familiarizar os espectadores com o país-sede dos Jogos. Mas o programa não era esportivo: coube ao Fantástico trazer o quadro “Coluna Grega”, a partir de 30 de maio daquele ano. E caberia a Hida Lambros, neta e filha de gregos, apresentar o quadro. Durante um mês, Hida e a equipe do “Coluna Grega” percorreram o território helênico, mostrando todo o previsível no aspecto turístico e olímpico: as ilhas – Creta e Santorini -, o Palácio de Cnossos, a Acrópole, a cidade de Maratona até onde o soldado Fidípides correra 42.195 quilômetros para avisar que seus colegas de tropa haviam vencido a guerra, a cidade de Olímpia que sediara os Jogos Olímpicos da Era Antiga... tudo isso era exibido, semanalmente, no Fantástico.


Mais um pouco se passou, e mais uma novidade surgiu. Participações do Casseta & Planeta em coberturas esportivas da Globo já nem eram tão surpreendentes... desde que fossem nas Copas do Mundo de futebol: os integrantes do coletivo humorístico carioca haviam estado nos Estados Unidos, em 1994, e na França, em 1998. Mas nada de Jogos Olímpicos. Pelo menos, até Atenas: em 15 de julho de 2004, três dos cassetas foram para lá, como alguns dos primeiros enviados da Globo para os trabalhos olímpicos. Enquanto os outros quatro colegas (mais Maria Paula, “a casseta”) ficavam no Brasil, Hubert Aranha, Marcelo Madureira e Hélio de la Peña embarcaram para a Grécia no dia 15 de julho de 2004 – e lá gravaram participações e boletins humorísticos, alguns exibidos no decorrer da programação, a maioria mostrada mesmo no Casseta & Planeta, Urgente! que ainda tinham semanalmente.


Enviados humorísticos definidos, era hora dos nomes jornalísticos serem escolhidos para os trabalhos naquelas Olimpíadas. Como já mencionado, seria uma equipe menor que a de Jogos anteriores: apenas 100 pessoas envergaram as camisas sociais em tom verde-claro que simbolizaram a Globo em Atenas, com um logotipo da emissora-mãe e outro do SporTV, todas trabalhando num estúdio de 470 m² no centro de imprensa, sob o comando de Luiz Fernando Lima (diretor de esportes) e Carlos Henrique Schroder (então diretor da Central Globo de Jornalismo). Galvão Bueno seria o único narrador presente na Grécia, mas o número de comentaristas da emissora nos locais de disputa seria maior do que em Sydney-2000. Todos com notável experiência olímpica. Para começo de conversa, no atletismo, Róbson Caetano seria o comentarista das transmissões globais das provas no Estádio Olímpico Spiridon Louis. Nas provas de natação no Centro Olímpico Aquático de Marousi (subúrbio de Atenas), Ricardo Prado colocaria nos comentários pela Globo sua experiência nadando (medalhista de prata em Los Angeles-1984) e treinando, como um dos comandantes no Clube Pinheiros paulistano.


Mas era possível dizer: sem o futebol masculino, a “menina-dos-olhos” dos 100 enviados do canal dos Marinho a Atenas seria o vôlei. O masculino e o feminino, no centro instalado na praia de Fáliro ou no Ginásio Paz e Amizade. Nos comentários, ao lado de Galvão, o locutor habitual das partidas, um novato em televisão teria sua primeira aparição numa grande cobertura esportiva. Em 2001, ainda jogando – na praia -, Tande ouvira uma proposta de Luiz Fernando Lima, a quem conhecia e para quem falara muito em Barcelona-1992 (Luiz era o repórter que cobriu o vôlei pelo canal dos Marinho). O convite era para que Tande se iniciasse na televisão, via Globo, desde que parasse de jogar. Uma lesão no joelho, e a óbvia necessidade de se recuperar, apressaram a decisão do carioca: ele encerraria a carreira. Iria para a Vênus Platinada. Começaria fazendo reportagens em camarotes, durante os jogos da seleção de vôlei masculino numa Liga Mundial aqui e num amistoso ali. Em 2004, Tande já estava pronto. E seria o comentarista global do vôlei de homens em Atenas. Já para o vôlei feminino, de praia e de quadra, o nome surgiu quase obviamente. Até as últimas partidas, Leila esperou pela convocação de José Roberto Guimarães, para o que seria sua terceira edição de Jogos Olímpicos na quadra. Sem ser chamada, a Globo já estava de espreita – e logo que a relação de “Zé Roberto” saiu sem a jogadora brasiliense, ela foi prontamente incluída na equipe, para fazer os comentários do que as mulheres fariam em Atenas, na praia e na quadra.


Sem muita gente na narração e nos comentários, novamente os repórteres da Globo estariam em número maior. Para as partidas do vôlei masculino, íntimo dos personagens da seleção já treinada por Bernardinho, que chegava à Grécia como a grande favorita ao ouro, João Pedro Paes Leme ficaria nas reportagens durante as partidas – e para os noticiários do canal, esportivos (Globo Esporte, Esporte Espetacular) ou não (Jornal Nacional, Jornal Hoje). Já na praia, veteranos de outras Olimpíadas se revezariam: ora Marcos Uchôa, ora Tino Marcos. Tanto este (Tino) quanto aquele (Uchôa) também correriam Atenas e cidades próximas afora, acompanhando as demais modalidades, como de resto fariam outros nomes do reportariado esportivo da emissora carioca: Renato Ribeiro, Pedro Bassan, Régis Rösing, Glenda Kozlowski, Delisiée Teixeira. E para acompanhar o ambiente na Grécia, haveria duas novidades: os paulista(no)s César Tralli e Graziela Azevedo, já então repórteres experientes, que fariam suas primeiras participações num evento esportivo – para Graziela, seria a primeira e única, até agora. E Maurício Torres (1971-2014) também iria a Atenas, em suas últimas Olimpíadas pela Globo – mas não como narrador: daquela vez, o carioca apenas apresentaria os blocos olímpicos do Bom Dia Brasil e do Globo Esporte, no centro de imprensa ou nas ruas da capital grega.


Finalmente, o Fantástico teria um apresentador na cidade-sede dos Jogos – ou melhor, uma apresentadora: vinte anos após estar em Los Angeles-1984, Glória Maria voltaria a uma cobertura olímpica, fazendo reportagens e apresentando a parte olímpica do dominical global, dos estúdios no centro de imprensa. E Glória comemorou, rememorando ao Memória Globo: “Toda a Grécia que está na história, a gente conseguiu mostrar, além dos Jogos Olímpicos. São coisas que você teve de decorar para não perder o ano [na escola], e de repente estava ali, vendo, olhando. Acho que fazer Olimpíadas na Grécia é um privilégio, é um presente que... puxa vida, nunca vai ser suficiente relembrar”.


Como já dito anteriormente, com as facilidades tecnológicas, a equipe de retaguarda do canal no Brasil aumentou para Atenas-2004. Isso se notabilizou já nos narradores: Cléber Machado e Luís Roberto teriam de estar a postos nos estúdios do Jardim Botânico carioca, sempre que necessário, para narrarem qualquer modalidade olímpica que exigisse flashes imediatos no decorrer da programação global. Além de Cléber e Luís, mais dois locutores foram destacados para os trabalhos olímpicos da Globo no Rio: Paulo Brito, a principal voz do esporte na RBS (retransmissora da Globo no Rio Grande do Sul), e Rogério Correa, mineiro de Resplendor, chegado do SBT em 2003 para ser o locutor esportivo da Globo Minas. E o revezamento de vozes não seria só para as disputas em Atenas: como logo se verá, se o expediente olímpico fosse demais para Cléber e Luís, já então “reservas imediatos” de Galvão Bueno, Rogério Correa ou Rembrandt Jr. (narrador titular da Globo Nordeste) assumiriam as transmissões noturnas do Brasileirão-2004.


Caso necessário, alguns comentaristas também seriam destacados para trabalharem no Brasil, como Jacqueline Silva, que traria sua longa experiência para o vôlei de praia, ou Lauter Nogueira, o nome da Globo para as provas de atletismo, ou mesmo Andréia João, para as apresentações da ginástica artística que tanta expectativa de medalha traziam, com o auge de Daiane dos Santos. Finalmente, Luís Roberto ainda teria trabalho adicional: na madrugada brasileira, caberia a ele a apresentação do programa que arremataria o dia olímpico na Globo, a Central Olímpica, exibida das 2h às 3h, antes que um novo dia de disputas começasse em Atenas, tomando a manhã e a tarde da programação global. A Central ainda teria um quadro fixo: em “Tô ligado nas Olimpíadas”, caberia a Régis Rösing, de Atenas, mostrar locais turísticos e momentos curiosos dos Jogos. Finalmente, o Globo Esporte teria três apresentadores naquelas duas semanas de disputa: Mylena Ciribelli no Rio de Janeiro, Maurício Torres no centro de imprensa em Atenas, Glenda Kozlowski nos locais de competição.


Enviados preparados, equipamentos prontos, enfim a Globo podia começar mais uma cobertura nos Jogos Olímpicos. Sem transmitir a estreia do Brasil no futebol feminino, em 11 de agosto de 2004, com o 1 a 0 na Austrália, tudo começaria somente na cerimônia de abertura, dois dias depois, ancorada por Galvão Bueno, Glória Maria, João Pedro Paes Leme e Marcos Uchôa numa minúscula cabine, no Estádio Olímpico, entre as 15h30 e 18h30 de Brasília. Na cerimônia, aquelas maiores facilidades tecnológicas mencionadas por Fernando Guimarães e citadas alguns parágrafos acima teriam um símbolo: durante o desfile das nações, por meio de um telefone celular, Galvão Bueno poderia falar com alguns atletas brasileiros que estavam na delegação que entrara no Spiridon Louis, focados pela câmera exclusiva da Globo: Maurício, Giovane, Adriana Behar...



(A pira olímpica sendo acesa no Estádio Olímpico Spiridon Louis, em Atenas, na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2004, na transmissão da TV Globo, com a narração de Galvão Bueno. Postado no YouTube por HelNascimento)


A primeira medalha brasileira em Atenas acabou saindo na madrugada, e nem foi coberta com a pompa esperada pela Globo – só a reportagem de Tino Marcos, no Globo Esporte de 16 de agosto de 2004, mostrou para a maioria das pessoas o bronze de Leandro Guilheiro no peso leve (73kg) do judô masculino. No dia seguinte, Tino novamente foi o arauto da Globo para uma medalha: de novo o repórter carioca estava no Ginásio Olímpico Ano Liossia, de novo cobriu um bronze brasileiro no judô de homens – agora, Flávio Canto, no peso meio-médio (81kg), também reportado no Globo Esporte de 17 de agosto. Por sinal, horas depois, o 17 de agosto traria o primeiro ápice da cobertura global para os Jogos. Se o que ela esperava era heroísmo do vôlei, ele já veio na segunda rodada do torneio masculino, com o eletrizante 3 sets a 2 do Brasil na Itália (aqui, na íntegra) – com direito a um inacreditável 33 a 31 no tie-break. Galvão Bueno, Tande e João Pedro Paes Leme já passavam por um forte teste de emoções e de audiência na cabine do Ginásio Paz e Amizade. Foram aprovados. A cobertura tinha embalado – e já traria momentos como o início da construção de Michael Phelps como um nome da antologia olímpica, ganhando seis ouros e duas pratas na natação em Atenas, como Renato Ribeiro reportou para o Jornal Nacional em 21 de agosto.


Em 18 de agosto, viria o grande teste dos narradores da Globo naqueles dias olímpicos de 2004. Num só dia, o canal teve de se equilibrar entre três eventos de destaque em sua programação. Na tarde do horário de Brasília, coube a Cléber Machado narrar uma partida de futebol marcante: o chamado “Jogo da Paz”, com a Seleção Brasileira masculina de futebol indo a um Haiti vitimado pela guerra civil, goleando a seleção local (6 a 0, com Ronaldo, Ronaldinho etc.). Enquanto a partida transcorria em Porto Príncipe, flashes da final do solo, na ginástica artística feminina, eram exibidos do Centro Olímpico em Atenas. Lá, esperava-se que Galvão Bueno narrasse o ouro que simbolizaria a apoteose da carreira de Daiane dos Santos. Não deu: a falha na apresentação tirou a medalha da gaúcha, deixando-a com o quinto lugar. Galvão aproveitou para elogiar a maturidade dela com o resultado. Passada a tarde movimentada, ainda haveria jogos do Campeonato Brasileiro de futebol na noite daquela quarta-feira. Por exemplo: como Cléber Machado já cumprira sua tarefa, coube a Rogério Correa narrar Paysandu 2x1 Corinthians, o jogo do Brasileirão exibido para São Paulo naquele dia.


Mas se o ouro não viera naquela quarta-feira, logo viria. Após as frustrações de Sydney-2000, um dia de folga possibilitou que mais gente assistisse à primeira medalha dourada brasileira em Atenas. Uma medalha já prevista, como Galvão Bueno se divertiu lembrando ao Memória Globo em 2007. Um dia antes da regata final da classe Laser, no iatismo masculino, Galvão estava com Tino Marcos, caminhando pela beira-mar, num raríssimo momento de folga. O repórter falou com o locutor:


- “Galvão, olhe o mar.”

- “Estou olhando, o que é que tem?”

- “Consegue imaginar o horizonte?”

- “Consigo, Tino, por quê?”

- “Porque ali passará o ouro.”


Dito e feito: durante o Esporte Espetacular do domingo, 22 de agosto de 2004, Robert Scheidt chegou à sua segunda conquista olímpica na Laser. Só a voz daquele ouro não foi de Galvão (que narraria os 3 sets a 0 da seleção feminina de vôlei na Coreia do Sul, mais tarde): no flash aberto pela Globo, Cléber Machado narrou dos estúdios no Rio de Janeiro a apoteose do paulista nas raias de Agios Kosmas. Junto ao comentarista do iatismo, Cléber foi eufórico – e a Globo, enfim, pôde usar seu expediente habitual do link ao vivo com a família do medalhista, para a repercussão. E Tino Marcos, que “antecipara” a medalha para Galvão, pôde reportar o segundo ouro olímpico de Scheidt, e a premiação com a coroa de louros e a medalha no Estádio Panatenaico, para o Fantástico daquele domingo.



(Encerramento da regata final da classe Laser, no iatismo masculino, nos Jogos Olímpicos de 2004, com a confirmação da medalha de ouro para o brasileiro Robert Scheidt, na transmissão da TV Globo, com a narração de Cléber Machado. Postado no YouTube por HelNascimento)


Mas se o primeiro ouro do Brasil em Atenas não tivera o principal narrador da Globo no comando, Galvão pôde enfim “ir à forra” três dias depois: na tarde brasileira de 25 de agosto, ele e Tande estavam na cabine, nas areias do centro de Fáliro, para a transmissão da decisão do ouro no vôlei de praia masculino. E lá o locutor carioca irradiou a apoteose de Emanuel e Ricardo, nos 2 sets a 0 sobre a dupla espanhola Bosma/Herrera – com flashes para Luís Roberto narrar o 67 a 63 da seleção feminina de basquete na Espanha, nas quartas de final do torneio olímpico. Tarde de vitórias brasileiras, como a Globo sempre deseja em suas grandes coberturas.



(Ponto da medalha de ouro para Ricardo e Emanuel, no torneio masculino de vôlei de praia, nos Jogos Olímpicos de 2004, na transmissão da TV Globo, com a narração de Galvão Bueno e os comentários de Tande. Postado no YouTube por HelNascimento)

Alegrias em 25 de agosto, tristezas em 26 de agosto. Era um dia que poderia ser de novas conquistas para a delegação brasileira – e novamente movimentaria a tarde da programação global com o que ocorria em Atenas. A primeira transmissão já era prevista: a semifinal entre Brasil e Rússia, no vôlei feminino, podendo levar a equipe de José Roberto Guimarães (e Virna, e Mari, e Fernanda Venturini...) à final olímpica pela primeira vez. Mas ela seria transmitida por um duo que ficara no Brasil: Cléber Machado narrando, Jacqueline “Jackie” Silva comentando. Por quê? Porque o futebol feminino, solenemente ignorado pela Globo naquela cobertura, enfim ganharia espaço. Certo, Marcos Uchôa sempre estava a postos para as reportagens. Mas nenhuma partida fora transmitida na íntegra. Só que a equipe de Renê Simões (e Juliana Cabral, e Roseli, e Pretinha, e Marta, e Cristiane...) avançou, avançou, e chegou à decisão do ouro. Para a Globo, era óbvio: final em futebol precisaria ter a voz de Galvão Bueno. Com Falcão, o habitual comentarista, mobilizado às pressas no Brasil, o locutor principal do canal estaria no estádio Karaiskaki para narrar o jogo, tão logo a semifinal do vôlei terminasse.


E parecia que tudo sairia como se desejava. Chegou o quarto set da semifinal do vôlei feminino, o 24-19 para o Brasil, Cléber Machado já se empolgava com a perspectiva da final olímpica... e foi justamente quando começou o trauma que até hoje quem acompanha vôlei no Brasil não esquece, mesmo duas medalhas de ouro depois: a reação da Rússia, guiada pela dupla Gamova-Sokolova para salvar os cinco match points, vencer o quarto set, levar o tie-break e frustrar a equipe brasileira, indo à final que perderia para a China. Cléber só conseguia balbuciar: “Inacreditável”. “Jackie” o acompanhava na decepção.





(Reportagem de Renato Ribeiro para o Esporte Espetacular, anos depois, lembrando a derrota do Brasil para a Rússia, na semifinal do torneio de vôlei feminino, nos Jogos Olímpicos de 2004, narrada por Cléber Machado e comentada por Jacqueline Silva na transmissão da TV Globo)


Pelo menos, havia o futebol feminino, cuja decisão do ouro já tinha o primeiro tempo transcorrendo quando a semifinal do vôlei terminara. E Galvão pôde dar o tom emocional que é acostumado a dar: embora pouco próximo das jogadoras, se entusiasmou genuinamente – ainda mais após o empate de Pretinha, que levou a partida à prorrogação. Aí, veio um pênalti não marcado e até hoje reclamado. O gol de Abby Wambach, que colocou as norte-americanas em vantagem, dando a elas o terceiro ouro no futebol feminino com o 2 a 1. Mais uma decepção, como Galvão lamentou ao Memória Globo, considerando o resultado injusto: “Aquilo foi uma das maiores maldades que vi, mas foi fantástico aquele jogo”. Pelo menos, o Jornal Nacional (e o Globo Esporte do dia seguinte) trouxeram matéria de Marcos Uchôa, até hoje lembrada como símbolo sensível de uma das medalhas de prata mais honrosas que o esporte olímpico brasileiro já conseguiu.



(Reportagem de Marcos Uchoa para o Globo Esporte de 27 de agosto de 2004, sobre Estados Unidos 2x1 Brasil, decisão da medalha de ouro do futebol feminino, nos Jogos Olímpicos de 2004. Postado no YouTube por HelNascimento)


Os Jogos Olímpicos entravam na reta final. A delegação brasileira equilibrava momentos ruins (a esperada derrota de Shelda e Adriana Behar na decisão do ouro do vôlei de praia feminino, para a dupla norte-americana Walsh/May, transmitida na Globo em 24 de agosto, na tarde brasileira, por Galvão Bueno e Leila) e bons (a prata – depois convertida em ouro, pelo doping do cavalo do irlandês Cian O’Connor – de Rodrigo Pessoa com Baloubet du Rouet, no Centro Equestre de Markopoulo, conquista reportada por Glória Maria no Jornal Nacional de 27 de agosto de 2004).


Um outro momento rendeu palpites de que se tratava de alfinetada. Em 28 de agosto, na decisão do bronze no vôlei feminino de quadra, um Brasil abaladíssimo pela decepção na semifinal levava 3 sets a 1 de Cuba. A dupla habitual da Globo no vôlei de mulheres transmitiu a partida, na manhã, pelo horário de Brasília. A certa altura, Galvão Bueno perguntou a Leila por que José Roberto Guimarães se apegara tanto a certas jogadoras. E a brasiliense comentou, inocente: “É a questão da confiança, Galvão. Ele confia muito na Virna”. Para muita gente, ficou a impressão de que Leila deixava uma crítica implícita, por ter ficado de fora da convocação para Atenas. Mas não foi nada mais do que isso: impressão, que logo caiu no esquecimento.


Ao fim e ao cabo, estava mais ou menos óbvio: a cobertura global convergia para a aguardada decisão do ouro no vôlei masculino. Galvão Bueno se empolgava cada vez mais nas narrações no Ginásio Paz e Amizade, e a campanha popularizava o “Giba neles!” falado a cada cortada de Giba na quadra – Galvão depois diria que sua vontade real era falar “porrada neles”, e como ficaria pouco elegante em televisão, ele amenizava com o “Giba neles”. Só “faltava” a seleção brasileira “cumprir” sua parte no trato. Ficou mais perto em 27 de agosto, sexta-feira, quando a equipe de Bernardinho (e de Giba, Ricardinho, Dante, Maurício, Gustavo, Giovane, Nalbert, tantos...) aplicou imponentes 3 sets a 0 nos Estados Unidos, na semifinal – aqui, o match point de Dante na transmissão do canal da família Marinho.


E na manhã brasileira de 29 de agosto de 2004, o dia final dos Jogos Olímpicos, o trio Galvão Bueno-Tande-João Pedro Paes Leme estava a postos na transmissão global (aqui, para quem quiser, a íntegra), montada como se fosse uma decisão de torneio de futebol, esperando a apoteose. Ela levou algum tempo, mas o Brasil manteve o domínio da partida. E conseguiu o ouro merecido com os 3 sets a 1, no ponto visto no vídeo abaixo. Aí, foi o de sempre num êxito esportivo brasileiro transmitido pela Globo: o “acabou” gostosamente proferido por Galvão Bueno para celebrar, João Pedro Paes Leme à beira do ginásio para entrevistar os personagens da medalha mais esperada e mais comemorada do Brasil naqueles Jogos Olímpicos, links da transmissão com os familiares dos voleibolistas campeões no Brasil - com destaque para o choro generalizado na família de Ricardinho, em São Paulo, e também para as lágrimas da romena Cristina Pirv, então esposa de Giba, acompanhando a final em Curitiba, com a recém-nascida Nicoll no colo.




(O ponto que deu a medalha de ouro ao Brasil no torneio de vôlei masculino, nos Jogos Olímpicos de 2004, contra a Itália, na transmissão da TV Globo, com a narração de Galvão Bueno, os comentários de Tande e as reportagens de João Pedro Paes Leme. Postado no YouTube por Anna Laryssa Souza)


Mas a mais bonita cena do ouro do vôlei masculino só seria vista na Globo no Fantástico daquele domingo. João Pedro Paes Leme reportou uma tradição que só a emissora tinha: um medalhado na quadra vinha espontaneamente até o alto do ginásio para comemorar com o comentarista global da modalidade. Se em Barcelona-1992, Maurício correra rapidamente após o ponto do ouro para abraçar e chorar com Bebeto de Freitas na cabine da Globo, Giovane teve menos pressa – e tanta alegria quanto Maurício – para esperar a cerimônia de premiação e, de ouro no peito, também ir abraçar Tande, seu amigo pessoal até hoje, colega de vôlei na quadra e na praia. Na sua biografia recém-lançada (Tande – A vida é um jogo, da editora Agir), o carioca irmão de Adriana Samuel reconheceu: aquela comemoração particular com Giovane foi seu momento inesquecível em Atenas. Sua carreira como comentarista na Globo começava com tudo. Parecia que tinha acabado tudo bem, nos Jogos Olímpicos e na cobertura da Globo neles.


Mas ainda veio o momento inesperado de que todos se lembram naquele dia derradeiro: enquanto Galvão Bueno corria do Ginásio Paz e Amizade para o Estádio Olímpico, onde ancoraria a cerimônia de encerramento (à tarde, no horário brasileiro) com Glória Maria, João Pedro Paes Leme e Marcos Uchôa, Vanderlei Cordeiro de Lima buscava uma medalha na maratona. Liderava, quando o padre irlandês Cornelius Horan fez o que todos se lembram – para quem não se lembrar, Cornelius invadiu o trajeto dos corredores e agarrou Vanderlei, tentando uma “evangelização heterodoxa”, coisa que fazia de vez em quando. Só um espectador grego, Polyvios Kossivas, segurou o irlandês e permitiu que o brasileiro seguisse seu caminho. Na Globo, Maurício Torres foi narrar às pressas aquele momento estranho. Viu Vanderlei perder a primeira posição, a segunda... mas manter a terceira. E coube ao carioca Torres narrar a chegada alegre do paranaense para o bronze, no Estádio Panatenaico, o ponto final da maratona olímpica de Atenas-2004.





(O relato da maratona masculina, nos Jogos Olímpicos de 2004, na transmissão da TV Globo, com a narração de Maurício Torres)


Pela primeira vez, a cerimônia de encerramento também foi o cenário da premiação da maratona. E Galvão pôde dar voz a Vanderlei recebendo o bronze (e a Medalha Pierre de Coubertin, pelo esforço competitivo após o incidente). Era a segunda medalha brasileira naquele dia, a última em 2004. Mais um momento feliz para ele, que comemorou ao Memória Globo, em 2007: “Atenas foi o reencontro com o ouro do Brasil. O fato de poder, no meu ciclo profissional, fazer uma Olimpíada em Atenas, olhar da janela do meu hotel e ver a Acrópole... fazer uma Olimpíada na Grécia é fazer uma Olimpíada na Grécia. Foi um espetáculo”.



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