Últimas Notícias

Jogos Olímpicos na Televisão brasileira - Los Angeles 1984, Record/SBT


*Por Felipe dos Santos Souza


Narração: Silvio Luiz, Fernando Solera e Ciro José

Comentários: Ciro José, José Hawilla e Eli Coimbra

Reportagens: Eli Coimbra

Apresentações: José Hawilla e Ronny Hein

Participação: Claudete Troiano, Jurema Iara, Leilah Silveira e Cristina Rocha


A ausência da Record nos Jogos Olímpicos de 1980 havia causado uma ausência que, teoricamente, seria lamentável para o canal paulista. Afinal, ficar de fora da Copa de 1982 era um duro golpe. Se no resto do país a vitória da Globo na audiência era até acachapante, em São Paulo, principal mercado publicitário do país, as transmissões de futebol da Record eram chamarizes de audiência, com o trio Silvio Luiz (narrador)-Pedro Luiz Paoliello (comentarista)-Flávio Prado (repórter) sendo o único foco de sucesso em meio à séria crise que a Record vivia, em seus últimos anos sob o comando da família Machado de Carvalho. 


Porém, a emissora sediada então no bairro do Aeroporto fez do limão uma deliciosa limonada. Já que não podia desbancar a Globo, detentora exclusiva dos direitos de televisão para a Copa (que fez questão de manter a exclusividade, por obrigação e para ter um trunfo pesado na audiência), a Record apostou no rádio. Comprou os direitos, e fez com que o trio habitual que tanta audiência lhe trazia fizesse uma transmissão “de televisão, na rádio”, no ritmo a que estavam acostumados. Silvio Luiz, Pedro Luiz Paoliello e Flávio Prado viajaram à Espanha, com o repórter Ronny Hein ajudando Flávio, mais participações esporádicas de Alberto Helena Jr. O trio conhecido transmitiu os jogos daquela Copa pela Rádio Record, na AM e na FM, mantendo os altos índices de audiência, ancorados no grande carisma e na criatividade de Silvio Luiz, em suas narrações. E, de certa forma, continuou sendo o que já era naquele começo de década de 1980: um incômodo para a TV Globo.


Tal incômodo aumentou ainda mais, com uma contratação surpreendente, anunciada tão logo a Copa de 1982 terminou: Luciano do Valle, a voz da Globo nos principais jogos do Mundial recém-encerrado, chegava à Record com a PromoAção, sua empresa de promoções esportivas (e toda a equipe incluída nela, com gente como o repórter Juarez Soares). A vinda era muito útil exatamente porque a PromoAção não concorreria com Silvio Luiz: este seguiria como a principal voz do futebol no canal paulista, enquanto Luciano do Valle cuidaria só dos chamados “esportes amadores”, com destaque para os vários torneios de vôlei organizados pela PromoAção – culminando com a transmissão exclusiva do Mundial de Vôlei Masculino daquele ano, na Argentina.


A TV Record já fazia sucesso em São Paulo com as narrações de Silvio Luiz no futebol - e a parceria com Luciano do Valle nos esportes olímpicos prometia ampliar esse sucesso. Mas durou pouco... (Sérgio Berezovsky/Editora Abril)


Só perder Luciano do Valle já seria um duro golpe para a TV Globo – e uma forte impulsão para a TV Record, pelo menos em São Paulo. A dimensão do impacto ficou ainda maior em outubro de 1982: de uma só vez, a emissora dos Marinho perdeu Ciro José Gonsales, seu diretor de esportes desde 1978, e José Hawilla, editor de esportes em São Paulo. Ambos saíam, também, para fortalecerem o trabalho dentro de uma agência de publicidade para pontos de ônibus, que haviam comprado em sociedade no ano de 1980, para transformá-la numa agência de marketing esportivo. Uma agência que se tornaria muito conhecida: a Traffic.


Poucos meses depois de saírem da Globo, Ciro e Hawilla acertaram uma parceria entre a Traffic e a Record. Que já teria seu primeiro evento de vulto em 1983, com a cobertura para os Jogos Pan-Americanos de Caracas. Ali, a Record teve suas três vertentes no departamento de esportes: os contratados da própria emissora (como o narrador Fernando Solera, recém-chegado da TV Bandeirantes), os enviados da Traffic (Ciro José como comentarista, José Hawilla como apresentador) e os enviados da PromoAção (claro, a equipe dos jogos de vôlei em Caracas era o destaque: Luciano do Valle narrando, Paulo Russo comentando, Juarez Soares reportando). De quebra, às pressas, o Pan de 1983 trouxe uma estreia inesperada pela Record: ali estreou como narrador Luiz Alfredo.


Até ali, Luiz se alternava na Record entre editor, repórter e comentarista. Isso, em jornadas noturnas, já que no horário comercial Luiz era engenheiro elétrico na Eletropaulo, estatal paulista. Mas o destino profissional do filho de Geraldo José de Almeida mudou, conforme ele citou em entrevista ao UOL, em 2015: “Em 83, tirei férias da Eletropaulo, e fiquei de stand by na cobertura dos Jogos Pan-Americanos. O narrador era o Fernando Solera. O Brasil jogou com o Uruguai [decisão daqueles Pan-Americanos no futebol] e o áudio não chegou. Era ruim o áudio lá em Caracas. O coordenador aqui era o Silvio Luiz. Ele não queria que eu narrasse nada. Quando ficou sabendo que não tinha áudio, veio correndo de casa só para que eu ficasse fora. Mas não deu tempo. Narrei o jogo e deu uma audiência muito boa. O Eli Coimbra era o comentarista. Tinha 38 anos e fiz minha estreia”.


Estava tudo bom, tudo bem, mas o departamento de esportes da Record estava sofrendo. A divisão entre os contratados da emissora, da Traffic (que cuidava da administração) e da Promoação (que cuidava dos esportes olímpicos) dificultava uma unidade nos rumos. Tal dificuldade começou a ser contornada pelo destino, logo após o Pan de 1983: a proposta da TV Bandeirantes à Promoação foi tentadora - mais tempo na programação, monopolização do departamento de esportes, mais emissoras pelo país -, e lá se foi Luciano do Valle com a trupe que comandava, para enfim realizar seu sonho de fazer “uma emissora a cabo, aberta” (e também para se identificar definitivamente com a Bandeirantes).


A parceria entre Record e Traffic foi o caminho lógico. Com a empresa já parceira da Record, Ciro José foi efetivado como comentarista nos jogos de futebol, e José Hawilla, como apresentador. Passaram a fazer parceria com os profissionais da própria emissora (dentre estes, Silvio Luiz e Flávio Prado seguiam como destaques: Pedro Luiz fora para a TV Bandeirantes em 1982). O investimento em esportes amadores caíra um pouco após a saída de Luciano do Valle, mas seguia. E voltava a ficar tudo bom, tudo bem. Até a necessidade de resolver um novo problema: comprar os direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos de Los Angeles. Afinal de contas, a TV Record até havia contornado sua ausência da Copa de 1982, via rádio, mas para poder transmitir imagens do Mundial de 1986 não havia conversa: a OTI obrigava a exibição das competições olímpicas em 1984.


E dois fatores salvaram a Record. Como já se indicou aqui, a cobertura no esporte era a única fonte de anunciantes e de audiência, num período de séria crise financeira da emissora. Sozinha, ela não conseguiria os direitos de exibição. Aí entrou Silvio Santos: não bastasse ainda ser acionista da Record – tinha 50%, com os outros 50% da família Machado de Carvalho -, agora Silvio tinha uma emissora para chamar de sua. Se o Sistema Brasileiro de Televisão (naquela década de 1980, também chamado TVS) ainda engatinhava em 1982, já poderia ajudar com algum dinheiro no pagamento da mensalidade à OTI. 


Taxas pagas, a Record estava aliviada: poderia transmitir os Jogos em Los Angeles. De quebra, ainda teria as transmissões numa parceria (o popular pool) com o SBT, que exibiria o trabalho de sua colega com quem tinha em comum o dono. Faltavam as cotas de patrocínio, mas destas cuidou a Traffic: ficou acertado que a empresa compraria as cotas e as revenderia aos anunciantes. Dito, feito, e a Record pôde se preparar para os Jogos Olímpicos.


Além da questão financeira e da maior rede que oferecia pelo Brasil - 20 emissoras afiliadas -, o SBT faria apenas um programa especial: 'A mulher nas Olimpíadas'. Apresentado por Claudete Troiano (sim, a mesma que depois se notabilizaria no Mulheres, da TV Gazeta paulistana – e que já tinha experiência, como repórter esportiva da célebre equipe feminina da Rádio Mulher, nos anos 1970), Jurema Iara, Leilah Silveira e Cristina Rocha (sim, a mesma depois notabilizada no Aqui Agora e em tantos outros programas da emissora), o programa tinha um foco obviamente feminino: priorizava a cobertura da participação feminina, em sete modalidades. De resto, com a programação praticamente normal, o SBT exibiria apenas o sinal da Record, durante as competições.


Não que as condições da Record fossem suntuosas: eram apenas duas horas de satélite à disposição para o envio de matérias, e apenas oito profissionais enviados a Los Angeles (sendo que o departamento de esportes do canal tinha... 12). Claro, Silvio Luiz seria quase onipresente na cobertura: fez vários jogos de futebol, basquete e vôlei – narraria “o que pintar” em Los Angeles, conforme prometeu à revista Placar, em abril de 1984. No futebol, mesmo com a presença da dupla Silvio Luiz-Ciro José, a titular nas transmissões, Fernando Solera e José Hawilla também trabalhavam nas partidas.


No vôlei, Silvio teria a parceria de Eli Coimbra, que se familiarizara com a modalidade graças aos dois anos anteriores cobrindo as partidas das Seleções Brasileiras masculina e feminina, ainda na rápida passagem de Luciano do Valle. Enquanto isso, nos estúdios em São Paulo, 20 pessoas trabalhavam na retaguarda, com Ronny Hein apresentando o 'Placar das Olimpíadas', boletim com as notícias do dia.


A equipe de esportes da TV Record em 1984: eram poucos, mas esforçados os nomes dirigidos por Silvio Luiz – quarto agarrado ao andaime da esquerda para a direita, agarrado ao muro -, com destaques como Flávio Prado (primeiro agarrado ao andaime, da esquerda para a direita), Eli Coimbra (sexto agarrado ao andaime, da esquerda para a direita) e Ciro José (sentado no andaime, abaixo) (Nelson Coelho/Editora Abril)


Mas o grande chamariz de audiência da Record era mesmo Silvio Luiz – ou melhor, Sylvio (com “y” mesmo) Luiz Perez Machado de Souza. Sobrava experiência a ele: dentro da televisão, já tinha 32 anos de carreira naquele ano de 1984, ocupando os mais diversos cargos (repórter de campo, ator, diretor de produção, jurado de programas, debatedor – ficou marcante sua participação como “o inquisidor malvado” no Quem tem medo da verdade?, programa de entrevistas que a Record teve nos anos 1960 e 1970), nas mais diversas emissoras (TV Paulista, Excelsior, a própria Record). Ivan Magalhães, diretor de longas passagens por outras emissoras, resumiu tudo: “Na história da televisão, o Silvio só não foi antena, o resto ele já foi”. Só em 1976 o paulistano se tornou narrador. E ainda assim, em 1984, pela primeira vez faria cobertura numa edição de Jogos Olímpicos. 


Irreverente que só, Silvio não deixava passar chances de fazer piadas com o que ia narrando. Uma delas, feita na cerimônia de abertura, até lhe causou uma reprimenda. Num momento morno das festividades no Coliseum Memorial, em Los Angeles, naquele 28 de julho de 1984, um bailarino negro apareceu fazendo movimentos delicados. Silvio tascou: “Hummmm... agasalhas, meu?”. Na mesma hora, Hélio Ansaldo, diretor de esportes da Record, ficou furioso. Acompanhando toda a transmissão dos estúdios próximos ao Aeroporto de Congonhas, Hélio foi rumo à sala de controle geral, de onde tinha ligação direta com Los Angeles, e vociferou para o narrador: “Puta merda, Silvio! Se for para falar besteira, cala a boca!” E Silvio realmente se calou, por alguns minutos.


Ainda assim, coube a Silvio ser a voz da parceria Record-SBT nas principais competições em Los Angeles. E a voz de um cruzamento de momentos. Era a primeira experiência do SBT num grande evento esportivo – e a última aparição da Record em Jogos Olímpicos, antes da compra pela Igreja Universal do Reino de Deus, em 1990. Quando ela voltou, muita coisa já estava mudada.


(Momentos finais de China 3 sets a 0 nos Estados Unidos, decisão da medalha de ouro no torneio de vôlei feminino, nos Jogos Olímpicos de 1984, na transmissão da parceria Record-SBT, com narração de Silvio Luiz e comentários de Eli Coimbra. Postado no YouTube por Robson Ferrera)


0 Comentários

.

APOIE O SURTO OLÍMPICO EM PARIS 2024

Sabia que você pode ajudar a enviar duas correspondentes do Surto Olímpico para cobrir os Jogos Olímpicos de Paris 2024? Faça um pix para surtoolimpico@gmail.com ou contribua com a nossa vaquinha pelo link : https://www.kickante.com.br/crowdfunding/ajude-o-surto-olimpico-a-ir-para-os-jogos-de-paris e nos ajude a levar as jornalistas Natália Oliveira e Laura Leme para cobrir os Jogos in loco!

Composto por cinco editores e sete colaboradores, o Surto Olímpico trabalha desde 2011 para ser uma referência ao público dos esportes olímpicos, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.

Apoie nosso trabalho! Contribua para a cobertura jornalística esportiva independente!

Digite e pressione Enter para pesquisar

Fechar