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Jogos Olímpicos na Televisão brasileira - Los Angeles 1984, Manchete

 


Por Felipe Santos de Souza

Narração: Paulo Stein, Joseval Peixoto, Márcio Bernardes e Halmalo Silva
Comentários: Carlos Alberto Torres (futebol), Wlamir Marques (basquete), Adhemar Ferreira da Silva (atletismo), Guilherme de Lamare (esportes aquáticos) e Antônio Carlos Moreno (vôlei)
Reportagens: Iata Anderson, Márcio Bernardes e Antônio Stockler
Apresentação: Alberto Léo
Participação: Roberto DaMatta

Corria o mês de julho no ano de 1980. Ao mesmo tempo que se disputavam as competições dos Jogos Olímpicos de Moscou, cá no Brasil, o Ministério das Comunicações lançava as licitações pelas concessões das emissoras desativadas pela falência das TVs Excelsior (em 1970) e Tupi (naquele mesmo 1980). Em março de 1981, saíram os vencedores das licitações. E enquanto Silvio Santos comemorou a concessão para fazer a sua TVS, o outro vencedor foi o também empresário Adolpho Bloch (1908-1995). Imigrante russo, “Seu Adolpho” – como era chamado pelos empregados – era também dono de um conglomerado de mídia, o Grupo Bloch, que tinha na revista Manchete seu carro-chefe. 

Pelo menos, foi assim até 5 de junho de 1983. Nesta data, após apresentação do próprio Adolpho, entrou no ar a Rede Manchete de Televisão. Que começava com intenções agressivas: queria ser uma emissora destinada ao público das classes A e B. Queria desafiar a TV Globo, vencedora acachapante nas medições de audiência Brasil afora naquela década. O esporte seria de grande valia nessas tentativas da Manchete. E o canal carioca – sediado na Rua do Russel, no bairro da Glória - já começaria a fazer valer sua vontade no esforço de sucesso para estar cobrindo as competições olímpicas em Los Angeles, com pouco mais de um ano de existência.

Para o comando do esporte na emissora, Adolpho Bloch e o superintendente-geral da Manchete, Rubens Furtado, escolheram um nome que estreou junto com a emissora. Paulo Stein (1947-2021) veio da Bandeirantes fluminense para ser o principal narrador da Manchete. Ainda em 1983, Stein convidou para a emissora dos Bloch um colega seu dos tempos de Bandeirantes: Alberto Léo, que chegou à Manchete para ser mais um narrador. Ambos se tornariam verdadeiros símbolos das coberturas esportivas do canal carioca – e começaram o trabalho duro já no primeiro ano da trajetória da Manchete, tendo o jornalista pernambucano Aristélio Andrade (1934-2010) como diretor de esportes.

Incentivo da emissora não faltava, conforme Rubens Furtado comentou a Alberto Léo em “História do jornalismo esportivo na TV brasileira”, livro escrito por Alberto: “Eu comprei tudo o que podia. Eu assumi a responsabilidade pessoal com o Adolpho Bloch de comprar a primeira Copa da Manchete, a do México em 1986. Fui na Gillette e consegui o dinheiro para pagar os direitos de transmissão da Copa e da Olimpíada”. Pois é: o superintendente-geral Furtado garantiu com a multinacional de materiais de higiene pessoal masculina – habitual anunciante dos programas de esporte do canal – o dinheiro necessário para garantir os direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos, junto à OTI. Com as anuidades pagas à entidade iberoamericana de televisão, estava garantida a presença da Manchete na primeira grande cobertura esportiva de sua história.

E a ambição foi grande. No futebol, bastou 1984 começar para haver a primeira viagem internacional do canal para uma cobertura de esportes: as transmissões exclusivas dos jogos da Seleção no Pré-Olímpico disputado no Equador, em janeiro daquele ano. No vôlei, a Manchete buscou os direitos de transmissão de alguns amistosos e torneios da badalada seleção masculina – com destaque para o Mundialito de junho, pré-Jogos, em São Paulo. Já era um sinal do que Aristélio Andrade prometera ao Jornal do Brasil para a cobertura dos Jogos Olímpicos, em 15 de janeiro de 1984: “Minha filosofia de transmissão é mostrar ao brasileiro os esportes de que ele mais gosta. Daremos prioridade aos esportes praticados no país, mas existe, também, uma preocupação com a plasticidade do espetáculo. Por isso, não vamos deixar de lado ginástica olímpica, hipismo, canoagem e iatismo. Acredito que, com isso, estamos prestando um serviço, divulgando outras modalidades de esporte”.

Tanto no Mundialito de vôlei masculino quanto no Pré-Olímpico de futebol, Paulo Stein já ocupava o lugar de principal narrador da Manchete. Nesses dois momentos, também foi apresentado ao público um dos chamarizes de audiência que a Manchete teria nas transmissões em Los Angeles. Cada modalidade olímpica que mais cativasse o público brasileiro (a saber: futebol, vôlei, basquete, atletismo e natação) teria um comentarista que dispensaria apresentações, para acompanhar o narrador. Era a chamada “Equipe de Ouro” da Manchete. 

Para o torneio olímpico de futebol, Carlos Alberto Torres (1944-2016) seria o comentarista da emissora do Rio de Janeiro; nos jogos de vôlei masculinos e femininos, o ex-jogador Antônio Carlos Moreno, talvez o grande ídolo brasileiro da modalidade nos anos 1970; no basquete, outro ícone nacional, Wlamir Marques, que já fazia comentários em basquete desde o Mundial masculino de 1971; no atletismo, um dos grandes nomes olímpicos brasileiros, Adhemar Ferreira da Silva (1929-2001), com o peso de seus dois ouros no salto triplo; finalmente, a natação – e demais esportes aquáticos – teriam os comentários do professor Guilherme de Lamare, filho de Júlio de Lamare (1928-1973), que já dava nome ao célebre parque aquático carioca.

A “Equipe de Ouro” foi lembrada com saudades em dois depoimentos a Alberto Léo, tanto por Wlamir Marques (“Foi uma equipe muito badalada e muito comentada, pois foi a primeira vez que uma televisão montava uma equipe tão especializada”) quanto por Carlos Alberto Torres (“Foi a minha primeira experiência [em televisão], e foi legal, foi muito boa (...) Acho que foi uma ideia pioneira aquela da ‘Equipe de Ouro’”). 

Como se não bastasse, a Manchete ainda trouxe outra novidade entre os comentaristas para os Jogos Olímpicos: um nome dedicado aos comentários “socioculturais”, alguém que falasse mais sobre o ambiente da cidade-sede, trouxesse um olhar mais distante do esporte. Tal papel coube ao antropólogo Roberto DaMatta, autor de algumas obras evocando o interesse do brasileiro pelo esporte. Convidado especial da Manchete em Los Angeles, DaMatta participou de alguns programas olímpicos da emissora, participando nos comentários das cerimônias de abertura e encerramento no Coliseum Memorial. 

Na parte atrás das câmeras, a Manchete também foi para os Jogos Olímpicos de 1984 com todo o entusiasmo imaginável – ainda mais após o excelente desempenho de audiência como exibidora exclusiva do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, chegando a desafiar a Globo durante o Carnaval daquele ano. A intenção da emissora carioca para Los Angeles foi exatamente a mesma: apostar na overdose de competições olímpicas. 

Antes mesmo que as disputas começassem, o diretor-geral Rubens Furtado já apregoava à revista Placar, em 27 de abril de 1984: “Nosso lema será ‘toda a Olimpíada e o melhor da programação normal’” – brincando com o slogan da TV Globo nos tempos de Carnaval, naquela época, só exibindo o melhor dos desfiles (“Programação normal e o melhor do Carnaval”). Diretor comercial da Manchete, Osmar Gonçalves comparou esperançoso, à Folha de S. Paulo de 28 de julho, dia da cerimônia de abertura: “Olimpíada é como Carnaval: todo mundo vê”. Na Manchete, todos veriam disputas olímpicas em massa. Antes mesmo da cobertura começar, alguns boletins durante a programação, com curiosidades sobre a história olímpica e os grandes atletas da história dos Jogos.


(Boletim “Rumo à Olimpíada”, exibido pela TV Manchete em maio de 1984, com a apresentação de Paulo Gil, sobre como os Jogos Olímpicos da Antiguidade influenciaram o Barão de Coubertin a reabilitá-los. Postado no YouTube por Fábio Marckezini)

Finalmente, em 29 de julho de 1984, primeiro dia de disputas, Rubens Furtado prometia ao Jornal do Brasil: “Transmitiremos de tudo, até corrida de formiga”. Dito e feito. Logo que as competições começaram em Los Angeles, só cinco programas da grade normal de programação se mantiveram no ar (os infantis Circo Alegre e Clube da Criança, os musicais FM TV e Manchete Shopping Show e o Jornal da Manchete). De resto, sob o comando do diretor Luiz Gleiser, os 32 enviados da Manchete a Los Angeles trabalhariam a partir das 7h30 de Brasília, quando começava o 'Manchete Olímpica', programa diário com o que viria no dia olímpico. Às 8h30, o 'Olimpíada em Resumo', um programa de compactos com o melhor do dia anterior nos Jogos. Daí por diante, qualquer competição olímpica importante estaria na tela da Manchete, até o fim do dia olímpico. Se a Globo se ancorava nos flashes e só pisava fundo na programação olímpica a partir do fim da novela das 20h, a Manchete fazia o mesmo que a Bandeirantes: abria amplo espaço para os Jogos Olímpicos. Eram cerca de 18 horas no ar.

Com relação aos enviados para a cobertura, a Manchete sofreu um pouco na preparação. Basta dizer que o narrador Joseval Peixoto (com longa experiência no rádio paulista, nas décadas anteriores, destacando-se a passagem pela Jovem Pan) foi contratado em janeiro de 1984, demitido um mês depois e readmitido na Manchete. Por fim, Joseval era um dos locutores do canal em Los Angeles, junto do mineiro Halmalo Silva, do paulista Márcio Bernardes (outro egresso do rádio paulista, como um dos principais repórteres da equipe de Osmar Santos na rádio Globo) e de Paulo Stein – cabendo a Stein as principais narrações e o posto de voz de destaque da Manchete.

(Transmissão da TV Manchete para China 3 sets a 0 no Brasil, estreia da equipe brasileira no torneio olímpico de vôlei feminino, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, na Arena de Long Beach, em 30 de julho de 1984, com a narração de Paulo Stein. Postado no YouTube por thekoeman98)

Na “Equipe de Ouro” de comentaristas, as opiniões do público foram mistas. No vôlei masculino, durante Coreia do Sul 3 sets a 1 no Brasil, Paulo Stein pedia a Antônio Carlos Moreno opiniões sobre como ficaria a situação brasileira na tentativa para a classificação à segunda fase, então ameaçada. Moreno desconversou e torceu: “Não me tortura, Paulo. Vai, Bernard!”. O Brasil perdeu aquela, mas se salvou depois, se classificou e seguiu até a medalha de prata, mas a intervenção de Moreno foi criticada. Os comentários “socioculturais” de Roberto DaMatta sobre os Jogos também foram vistos com reservas – na Folha de S. Paulo, o crítico de televisão Gabriel Priolli escreveu, em 9 de agosto: “Roberto DaMatta vai se transformando num polêmico (e, muitas vezes, deslocado) comentarista esportivo”.

Já no atletismo, Adhemar Ferreira da Silva (já então formado professor de Educação Física) provou que era tão capacitado nas cabines quanto havia sido nas pistas, como triplista. O bicampeão olímpico foi o mais elogiado dos membros da “Equipe de Ouro”. Numa análise da cobertura olímpica trazida pelo 'Jornal do Brasil' em 7 de agosto de 1984, a jornalista Miriam Lage descreveu: “Do rol de comentaristas, o que parece estar desempenhando seu papel com mais seriedade é Adhemar Ferreira da Silva. É capaz de comentar uma prova com segurança, dando dicas preciosas. Conhece os corredores, suas histórias e consegue informar as possíveis manobras que fazem na pista”. Em suma: não poderia haver melhor nome para comentar os quatro ouros de Carl Lewis e, principalmente, o ouro de Joaquim Cruz, que se somava a Adhemar como um grande herói brasileiro no atletismo.

Dividindo o satélite para envio de imagens com Bandeirantes e o pool formado por Record e SBT nos Jogos, a Manchete acabou protagonista acidental de uma gafe naquela cobertura – com a Bandeirantes como “vítima”. Certo dia, coordenando as transmissões da sede da emissora no Rio de Janeiro, Rubens Furtado viu a exibição de um japonês, numa das disputas na ginástica artística em Los Angeles. Entusiasmado com a exibição, o diretor-geral da Manchete perguntou ao responsável de satélite em Los Angeles, via linha direta de transmissão, se as imagens estavam ao vivo ou se aquele era um VT. Ouviu a segunda opção como resposta: era um VT. E o diretor geral da Manchete pediu: “Volta a fita que eu vou botar no ar”. Estaria tudo certo, não fosse o fato de que a Bandeirantes estava usando o satélite naquele momento, exibindo o VT da apresentação do ginasta. Vendo a fita voltar com velocidade para trás, só restou ao narrador da emissora paulista brincar: “Eta, japonesinho ligeiro...”.

Foi apenas uma gafe. Porque, no cômputo geral, a cobertura da Manchete para os Jogos Olímpicos de 1984 recebeu mais elogios do que críticas. E abriu uma longa história de tradição esportiva para o canal de Adolpho Bloch.

 

1 Comentários

  1. Parabéns por escrever e contar tão bem essa história da TV Manchete 👍

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