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Como Diego Maradona e um anime conseguiram tornar o futebol popular no Japão



Se você foi criança ou adolescente entre as décadas de 1980 e 2000, deve ter assistido Diego Maradona brilhar dentro do campo e causar fora dele. Provavelmente também se lembra de assistir Super Campeões (Captain Tsubasa) na extinta TV Manchete ou na Rede TV!. Mas sabia que a história do craque argentino com o anime se entrelaçam para popularizar o futebol no Japão?

O futebol só chegou no Japão na Era Meiji (1868-1912), quando o país se abriu para influências ocidentais para se modernizar. Os japoneses trouxeram instrutores ingleses para ensinar algumas práticas esportivas do ocidente. Dez anos após o fim da Era Meiji, foi criada a Dai Nippon Sakkā Kyōkai (Associação de Futebol do Grande Japão), porém o futebol continuou sendo pouco praticado, se restringido às escolas e empresas. Após a segunda guerra mundial, o beisebol tornou-se a paixão nacional, gerando interesse da mídia e das empresas.

Nem mesmo a medalha de bronze conquistada pelo time de futebol nos Jogos Olímpicos na Cidade do México em 1968 foram capazes de mudar o panorama do esporte no país. Dos anos 1950 a 1980, era praticado em nível amador nas escolas e universidades que ofereciam um campo. As empresas que tinham time amador começaram a investir aos poucos, tornando-se semi-profissionais, a ponto de inscrevê-los na Nippon Sakka Rīgu, também conhecida como JFL (sigla do nome da entidade em inglês, “Japan Soccer League”). Assim, na década de 1980, dez times de empresas do setor privados formavam a liga japonesa.

O craque do Nankatsu se junta ao D10S argentino 

A Copa do Mundo Sub-20 de 1979 sediada no Japão mudou os rumos do esporte no país. Os samurais azuis terminaram na última colocação do grupo A, não tendo uma campanha de destaque, com dois empates e uma derrota. Os argentinos foram campeões, e ali se destacavam dois nomes: Ramón Díaz e Diego Maradona, o artilheiro e melhor jogador do torneio, respectivamente. As atuações de ambos inspiraram Yoichi Takahashi.

Takahashi tem 60 anos e é o mangaká responsável pela criação de uma obra que não só o trouxe fama, mas teve influência decisiva no esporte japonês: Captain Tsubasa. Dois anos depois daquele mundial, uma revista chamada “Shūkan Shōnen Jump” passou a contar a história de Tsubasa Ozora, rapaz ainda no colégio que sonhava em se tornar o maior jogador do Japão. Oito anos e mais de 5.300 páginas depois, o impacto era grande, já que mais de seis milhões de crianças e adolescentes leram a revista.

Essas crianças e adolescentes provavelmente se divertiam com as defesas impressionantes de Genzo Wakabayaski, as trapalhadas de Ichizaki, as jogadas de Misaki, os dribles incríveis de Tsubasa junto de seu famoso chute de trivela, e dos chutes canhão de Kojiro Hyuga. 

Claro que há diversos personagens que adicionaram demais na história, como o "Craque de vidro" Jun Misugi que, devido a problemas cardíacos não pode jogar mais que 15 minutos - este é considerado melhor que Tsubasa tecnicamente -, Roberto Hongo (mentor de Tsubasa e inspirado em Sócrates), o alemão Schneider, além dos brasileiros Rivaul e Carlos Santana, entre outros.

Yoichi Takahashi ao lado de Tsubasa Ozora Foto: Revista Líbero

Em entrevista concedida ao Surto Olímpico, o jornalista do Globoesporte e especialista em futebol japonês, Tiago Bontempo afirma que o craque fictício ajudou e muito a popularizar o esporte por lá: "o mangá ajudou o futebol, que era uma esporte desconhecido, a ficar popular entre as crianças no Japão nos anos 1980. Chegou até um ponto em que diziam que tinha mais crianças jogando futebol do que beisebol nas escolas", disse Tiago.

Bontempo afirma que uma geração de atletas cresceram acompanhando as histórias e o efeito que ela trouxe a eles: "Vários jogadores famosos (Hide Nakata, por exemplo) declararam que liam o Captain Tsubasa quando crianças. Então podemos dizer que foi muito importante para ajudar a popularizar o esporte".
 
Nos anos 80, Maradona foi um craque. Sempre lembrado como um dos melhores da história, o nome dele volta e meia aparece nessas discussões por tudo que fez naquela década. Quando Yoichi estava trabalhando e esboçando aquele personagem, se lembrou do argentino. O camisa dez da albiceleste ficou no imaginário de Takahashi desde aquele mundial. Sim, Tsubasa foi inspirado em Maradona. 

No país, a relação com Maradona foi cheio de altos e baixos. Em seu auge no futebol, foi campeão naquela Copa do Mundo sub-20 e visitou o país em três oportunidades: Em turnê com o Boca Juniors em 1982; em 1987 na equipe de estrelas sul-americanas contra uma equipe da liga local; e em 1988 com a Napoli contra o Japão.

Pelo fato de ter conquistado seu primeiro título com a Argentina no país, el pibe de oro acabou sendo uma revelação para o futebol do país, que ainda não tinha uma liga profissional. Muitos japoneses se apaixonaram pelo jogo de Maradona, que se tornou ídolo de infância para muitos jogadores. O título mundial de 1986, no qual foi protagonista, foi o primeiro que muitos japoneses acompanharam de perto.

Logo após a Copa de 1990, Maradona decide sair da Napoli. E o Sagan Tosu o buscava para ser a estrela máxima da J-league, mas não deu certo. O Nagoya Grampus com a ajuda da Toyota tinha chegado a um acordo com o craque por 1,5 bilhões de ienes (algo próximo de US$ 11 milhões de dólares), mas com Maradona testando positivo para cocaína no ano seguinte, o acordo foi desfeito e ele nunca jogaria no país. Só voltaria a solo japonês em 2002 como comentarista para a Copa do Mundo.

O Tsubasa humano existe

Takahashi ama o futebol brasileiro e já declarou diversas vezes sobre o caso, mas ele tem torcida declarada. Yoichi é torcedor do São Paulo Futebol Clube. Pegou apreço ao ver o tricolor vencer os mundiais de 1992 e 1993 no Japão. E em 1994, ele veio conhecer o clube do coração. Nas duas séries (J e Road To 2002), Tsubasa vem fazer um teste nos Brancos F.C e joga no Brasil. Os Brancos é na realidade o São Paulo, e a história de inspiração para isso pode ter relação com um jogador japonês.

Musashi Mizushima foi um dos primeiros jogadores japoneses a atuarem no Brasil. Em 1975, o São Paulo permitiu que Mushashi de 11 anos treinasse no clube por uma recomendação de Pelé, que o descobriu quando foi ao Japão. O jogador ficou nas categorias de base até 1984 quando passou a integrar o time principal, sendo apelidado no país de origem como "asas de Ícaro" pela ambição de voar cada vez mais alto. Não à toa, o craque fictício ganhou o nome de Tsubasa Ozora por significar "asas do céu" em japonês.

Musashi Mizushima serviu de influência para criação de Tsubasa Ozora. Foto: Reproduções

Em 1985, Musashi Mizushima fez parte do elenco tricolor que foi campeão paulista, mas nunca entrou em um jogo oficial pelo time do Morumbi, por conta de um elenco recheado de bons jogadores, período que ficou conhecido como "Os Menudos do Morumbi". Apesar disso, sua passagem foi influente por aqui: naquele ano, ele ajudou a criar a chuteira Morelia, da Mizuno.

No ano seguinte, foi jogar no São Bento por onde permaneceu por um ano, indo atuar na Portuguesa entre 1987 e 1988, quando foi para o Santos. Mizushima nunca explodiu para o futebol e nem foi convocado para a seleção nacional, mas esteve presente no momento de criação da J-League e se aposentou em 1992. Atualmente trabalha na Associação Japonesa de Futebol.


A profissionalização e a inconstância em competições internacionais

Junto de Captain Tsubasa e Maradona, o primeiro japonês a ser considerado ídolo no Japão é Kazu Miura. Depois de jogar no futebol brasileiro, Kazu volta ao país em 1990 com status de rei. E dois anos depois, é criada a J-League. Com a profissionalização do futebol, Kazu no auge da forma física, foi o melhor jogador do Japão na década de 1990. E o país começa a marcar presença nos Jogos Olímpicos e na Copa do Mundo.

A geração de ouro de Captain Tsubasa em times da J-League. Foto: Captain Tsubasa Fandom

Em 1994, quando a J-League dava seus primeiros passos, o Japão caminhava para chegar a sua primeira Copa do Mundo. Os Samurais Azuis chegaram para o jogo contra o Iraque em primeiro lugar da eliminatória, dependendo só de si. O Japão vencia o jogo por 2 a 1 até levar o empate nos acréscimos. Como os japoneses empataram, acabaram eliminados pelo saldo de gols, inferior ao da Coréia do Sul. A partida ficou conhecida como a Agonia de Doha, cidade na qual foi disputada.

Após esse evento, o Japão teve mais baixos que altos. De Atlanta 1996 ao Rio 2016, a seleção japonesa não alcançou nenhuma medalha olímpica, chegando mais perto nos Jogos de 2012 quando perdeu pra Coreia do Sul a disputa da medalha de bronze. Fora isso, quase sempre caiu na fase de grupos - exceção para Sidnei 2000 quando perdeu nas quartas de final para os Estados Unidos nos pênaltis.

Na Copa do Mundo, virou presença constante desde 1998, mas raramente fez campanhas marcantes. Quase sempre vai mal e fica na fase de grupos. Quando passa dela, sofre quedas nas oitavas que ficarão na memória dos japoneses. 

Jogando em casa na Copa seguinte, em 2002, o país entrou em festa com a classificação às oitavas em primeiro lugar no grupo H. Porém enfrentaram uma eliminação traumática para a Turquia por 1 a 0. Oito anos depois, o Japão chegou as oitavas em 2010, mas caiu nos pênaltis para o Paraguai. Na Copa da Rússia em 2018, abriu 2 a 0 contra a Bélgica, mas acabou tomando a virada no segundo tempo, com gol nos acréscimos.

A J-League atual e Captain Tsubasa na cultura dos esportes

Nos dias de hoje, a J-League atua com forte marketing, vendendo produtos licenciados dos times, além de estar presente nos simuladores de futebol. O esporte tem um grande apelo popular, que vem crescendo. Em 2019, bateu o recorde de público na primeira rodada do campeonato, com 28.836 torcedores por jogo, e ficando à frente até do Brasil em média de torcedores, de acordo com um estudo publicado pela CIES Football Observatory. 

Tiago Bontempo explica que no momento, os olhos da liga estão voltados para o continente: "Eles têm até um departamento pra isso. Estão focados no mercado do Sudeste Asiático, principalmente na Tailândia, pois os principais jogadores de lá estão na J-League. 

Bontempo explica que o Youtube está sendo uma ferramenta importante para a liga: "Ano passado começaram um canal para o público internacional (J.League International) com os gols e até transmissões de alguns jogos, e também nas redes sociais: o perfil em inglês está bem ativo. Aliás, um executivo de lá disse que no último ano aumentou muito o número de acessos de países como Brasil e EUA."

O esforço se faz necessário a partir do momento em que no país nipônico, o esporte é apenas mais um. Com um clima tranquilo, as mulheres se fazem presente nos estádios e tem interesse no futebol. Não por acaso, a seleção japonesa feminina é campeã da Copa do Mundo, medalhista de ouro, prata e bronze nos Jogos Asiáticos, medalhista de prata nos Jogos Olímpicos, além de ter a estreia de sua liga feminina neste ano.

Recebendo um remake em 2018 com 52 novos episódios antes do início da Copa do Mundo da Rússia, Captain Tsubasa se fez presente na competição. No jogo em que os japoneses foram eliminados contra a Bélgica, o craque fictício estava presente no bandeirão da torcida atrás do gol. A popularidade existe, mas de maneira menos enfática que anos atrás, de acordo com o jornalista Tiago Bontempo.

"Tsubasa é popular até hoje e o futebol se firmou como o segundo esporte mais popular do país. Muitos japoneses já me disseram que entre as crianças é mais popular que beisebol atualmente. Certamente ainda influencia, mas não tanto como antes. A principal influência para as crianças jogar bola hoje é o futebol europeu e a Copa do Mundo. A seleção japonesa e os jogadores mais famosos também."
 

Matsuyama no elenco real do Consadole Sapporo e Tsubasa no bandeirão da torcida na Copa. Foto: Cristian Nyari


O anime é tão bem sucedido que jogadores da seleção japonesa como Honda, Okazaki e Kagawa afirmaram ter lido os mangás ou visto o anime, e que a obra os teria influenciado. Como se não bastasse, em algum momento de suas vidas, jogadores lendários como Zinedine Zidane, Del Piero, Alexis Sanchez, Fernando Torres, Andrés Iniesta, Thierry Henry, Gennaro Gattuso e Lionel Messi já assistiram o anime e declararam o quanto amaram a série.

Fã do anime, Andrés Iniesta recebendo um presente de Yoichi Takahashi. Foto: Reprodução

Nos Jogos Olímpicos

O Japão foi escolhido como sede dos Jogos Olímpicos de Verão e a capital Tóquio receberá os jogos este ano mais uma vez, após 1964. Além da dupla de ouro do Nankatsu (Tsubasa e Misaki) aparecerem no trailer de Tóquio 2020 como parte da cultura pop japonesa, a bola dos Jogos terá o principal jogador do anime como tema, o que pode virar item de colecionador para diversas pessoas.

Tsubasa e Misaki executando o chute duplo e a bola que será usada nos Jogos Olímpicos. Fotos: Reprodução/Al Jazeera e Divulgação


Atualmente, Yoichi Takahashi está desde 2014 produzindo o mangá Captain Tsubasa: Rising Sun, onde o foco principal da seleção japonesa sub-23 é conquistar a medalha de ouro olímpica nos Jogos de Madrid. Até o momento há 121 edições e a história ainda está se desenrolando. Quem sabe a geração de ouro liderada por Tsubasa não inspire a seleção japonesa masculina em busca de sua primeira final olímpica, ou mesmo medalha de ouro. Que o Japão mostre sua força!

1 Comentários

  1. Diego maradona e o krl !!! Oliver jogou na agertina ? acho que nao ele jogou foi no são paulo BR

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