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Coluna Surto Mundo Afora - Adeus, meninas. Adeus...



Por Bruno Guedes
 
Hollie Webb conduziu a bola, virou-se de costas, esperou a então melhor goleira do mundo, a neerlandesa Joyce Sombroek, fintar e disparou: gol. Medalha de ouro para a Grã Bretanha. Era o fim das Olimpíadas. E o adeus da maior geração que o hóquei feminino viu.

Quando a seleção feminina dos Países Baixos desembarcou no Rio, além do favoritismo no hóquei na grama, trazia anos de glórias e conquistas na bagagem. Bicampeã olímpica com três finais consecutivas, campeã mundial e finalista nas últimas quatro edições de Copa do Mundo, tricampeã europeia e diversos outros títulos nos últimos 10 anos. E muitas, muitas craques em campo: A Geração de Ouro.

O elenco ganhou tal apelido em 2006, ao bater a Austrália por 3 a 1, na final da Copa do Mundo. Após uma prata em Atenas 2004 e vice-campeonato em 2002, o time liderado pela defensora e uma das melhores do mundo, Minke Booij, alcançou um título aguardado há 16 anos e divisor de águas na Seleção Neerlandesa. Após o apito final, o país mudou de promessa para realidade. E dominante no cenário do esporte.

Campeãs em Pequim 2008 e Londres 2012, chegaram ao Rio sob o comando da lendária ex-jogadora e agora treinadora Alyson Annan, também bicampeã olímpica. Como suas comandadas. E ambas tentavam o inédito: um tricampeonato no hóquei feminino. Uma década desde o começo da transição iniciada no título mundial e que teria reinício agora. Era uma chance única para a parceria: encerrar a mais vitoriosa geração com o tri.

Que constelação... Só no time titular, além da citada melhor goleira do mundo Sombroek, quatro jogadoras já laureadas com os prêmios de melhores do mundo: Naomi van As (2009), Maartje Paumen (2011 e 2012), Ellen Hoog (2014) e Lidewij Welten (2015). Nunca antes uma equipe da modalidade juntara tantos vencedores do troféu no mesmo elenco. Nem mesmo entre os homens. Juntaram-se a elas outras do mesmo quilate, como Kitty van Male, Eva de Goede, Margot van Geffen, Caia van Maasakker, Kelly Jonker...

Rivalizando com as Leonas durante todo esse tempo, lideradas pela maior jogadora de todos os tempos, a argentina Luciana Aymar, encontrou na Rio 2016 o único adversário capaz de pará-lo: o tempo. Ele, que transforma a vida em saudade, deu sinais de que os Jogos transformariam seus nomes em lembranças de tempos áureos. Antes alicerçada num jogo coletivo e com diversas atletas que desequilibravam em cada jogo, quase que em um revezamento de talentos, os primeiros jogos em solo carioca mostravam um time cada vez dependente do conjunto e não só das habilidades individuais.

O tempo. O mesmo que nos brindou com 10 anos do mais alto nível e arte sobre os gramados artificiais do mundo todo, agora cobrava o seu preço. E a cada nova entrada em campo, uma nova rival querendo derrubar a hegemonia, como ele. 

Após uma fase de grupos fácil, as quartas foram logo contra a Argentina. Elas que durante muitos anos duelaram pelo topo do hóquei, agora estavam frente a frente. Um duelo de gerações. Um encontro de supercampeãs. Quatro anos antes era a final olímpica. Agora é o final de um sonho. Aymar estava na arquibancada, já aposentada, a primeira vítima deste implacável senhor tempo.

Um 3 a 2 equilibrado para a Oranje, como é chamada a seleção europeia. Welten e Paumen tiveram ótimo desempenho. Do meio pro fim, um temporal desabou sobre Deodoro, local do jogo. Como se os deuses do esporte chorassem... era o último duelo das duas lendárias equipes com históricas jogadoras. O último capítulo de um livro de belas histórias.

Nas semifinais, uma prova: a jovem e talentosa seleção da Alemanha, derrotada na fase anterior por 2 a 0. Mas desta vez, sob um fortíssimo calor, a juventude germânica conseguiu levar em frente a tática de tentar parar a máquina neerlandesa, já um pouco desgastada. Um ótimo começo laranja, mas que com o tempo, sempre ele, foi cansando e dando espaços. O 1 a 1 final, onde nenhuma jogadora dos Países Baixos conseguiu desequilibrar e levá-las à final, como em outros tempos, trouxe os temidos shootouts. Ellen Hoog, no último disparo, deu fim à agonia: o tricampeonato estava vivo.
Mais dois dias. Esse era o tempo que o mundo teria para desfrutar daquela histórica seleção. O Het Wilhelmus seria entoado pela última vez por esta geração no dia 19 de agosto de 2016. E em mais uma final. Ou melhor, o canto do cisne de Naomi van As.

Frente a frente da rival que a derrotara no Campeonato Europeu do ano anterior, a Grã Bretanha, a camisa 18 escolheu a sua última partida na seleção e nas Olimpíadas para ser a sua melhor na temporada. Autora de um dos gols da medalha de ouro em Beijing 2008, fez quase tudo. Deu assistência, roubou a bola, salvou gol e colocou bola na trave.

As britânicas, mesclando juventude com experiência e mostrando um altíssimo nível tático, saíram na frente com Lily Owsley. Isso após Paumen perder um pênalti, algo raro. Sabendo que o tempo estava a seu favor, no placar e na idade, tentavam desgastar as neerlandesas. Corriam e trocavam as jogadoras a todo instante. Mas van As, num contra-ataque fulminante, tocou para Kitty van Male que empatou.

Pouco tempo depois, sua bola na trave arrancaria um grito de gol das arquibancadas. Só que foi Paumem quem ampliou. Agora as coisas estavam no seu lugar. Só que era ilusão.

Ilusão de que aquela noite seria como as outras. O vencedor não seria o mesmo, seria diferente. Crista Cullen empatou e van Male de novo colocou à frente. Mesmo não demonstrando sentir fisicamente, os Países Baixos continuavam a tentar até que White igualou tudo novamente no fim. Mais uma vez os shootouts. Pelo segundo jogo seguido.

O tri estaria na ponta dos tacos de 10 jogadoras entre Grã Bretanha e Países Baixos. Como se fosse uma para cada ano desde a ascensão daquelas meninas.

Entretanto a goleira britânica Maddie Hinch não queria saber de glória alheia. Numa atuação antológica na decisão, defendeu quatro disparos e mostrou que a mudança de eixo da roda do hóquei já havia acontecido. Ela, que seria eleita a melhor da sua posição naquele ano meses depois, impediu o tri das neerlandesas. A última atleta, Holly Webb, partiu conduzindo a bola. Com ela, outro rival a ajudaria. E no chute, o gol. No gol, o fim.

Medalha de ouro para a Grã Bretanha.

O alto do pódio não tinha o costumeiro uniforme laranja. A prata encerrava a carreira na seleção das últimas que estiveram naquele início dourado, em 2006: Maartje Paumen, Naomi van As e Ellen Hoog. Foram 10 anos de vitórias, lembranças e agradecimentos que não cabem em tantas conquistas. Como coroação, Naomi fora eleita Melhor Jogadora do Mundo de 2016.

Tentaram até o fim. Só que aquele 19 de agosto tinha um adversário bem mais poderoso. Elas encontraram um rival que ninguém consegue derrotar.

E o tempo venceu.

Adeus, meninas, adeus...
Fotos: Soenar Chamid e Reuters

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