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Surto História: a rivalidade entre Índia e Paquistão evidenciada no hóquei sobre grama


Se você acha que a rivalidade entre Brasil e Argentina é grande, vai se surpreender com o Surto História de hoje. Nesta semana, falaremos de Índia e Paquistão, dois países irmãos que não se dão bem de jeito nenhum. Rivais políticos e religiosos, os asiáticos tentam se sobressair um sobre o outro em qualquer motivo que seja e isto, é claro, é muito refletido no mundo do esporte.

Na semana passada, você conheceu a história dos seis ouros olímpicos conquistados de forma consecutiva pela Índia no hóquei sobre grama, de Amsterdã-1928 até Melbourne-1956. Foram 30 vitórias seguidas e apenas 7 gols sofridos (!). Se você tem uma memória boa, também vai se lembrar que foi exatamente o Paquistão o responsável por quebrar essa hegemonia, com o título em 1960, justamente sobre os indianos.

Além de ter sido uma baita conquista para os paquistaneses no âmbito esportivo, o ouro olímpico também serviu para aumentar o orgulho da população local. O sentimento de nacionalismo estava exacerbado, uma vez que os dois países haviam estado em guerra 13 anos antes (a primeira de muitas).

Já que eu citei Brasil e Argentina no início deste texto, vamos fazer uma analogia ao futebol. O hóquei sobre grama está para Índia e Paquistão assim como o futebol está para Brasil e Argentina - em questão de conquistas históricas, uma vez que o críquete é o esporte mais popular nos dois países.

Confusão em um jogo entre Índia e Paquistão (India Times)
A Índia conquistou nove ouros na história olímpica, oito deles no hóquei sobre grama. Por outro lado, o Paquistão conquistou dez medalhas em Olimpíadas, oito no hóquei sobre grama e todos os três ouros da história do país foram obtidos no esporte. Além de 1960, os países fizeram finais olímpicas em 1956 e em 1964.

Em toda a história  - da qual você já vai ler um resumo abaixo -, foram 175 jogos entre as duas equipes, com 82 vitórias do Paquistão, 62 da Índia e 31 empates. Os confrontos são marcados por muito equilíbrio e os países costumam se alternar em períodos de dominância. O maior período de invencibilidade, por exemplo, é o de atualmente. A Índia não perde para os rivais desde 2016.

Uma diferença gigante entre a rivalidade brasileira com os hermanos com a dos asiáticos é que ela praticamente se limita ao campo esportivo, às vezes especificamente ao futebol. Fora das quatro linhas, somos bem diplomáticos e nossas relações são estáveis. E assim foi por boa parte da história, salvas raras exceções. Com Índia e Paquistão, as brigas estendem-se para questões muito mais complexas e vamos entendê-las.

Contexto geopolítico
A Índia é o segundo país mais populoso do mundo, com mais de 1,3 bilhões de pessoas. O Paquistão, por sua vez, é o quinto colocado nessa "lista", com 220 milhões de habitantes. Se somadas, a população dos dois países equivale a um quinto (20%) de toda a população mundial.

Hoje dois países distintos, Índia e Paquistão faziam parte de um único todo até pouco tempo atrás. Os dois países integraram a colônia britânica das Índias Orientais até 1947, quando, logo após a Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido assinou um acordo de libertação do território.

A região, com uma grande mistura entre povos hindus e muçulmanos, acabou partida em duas partes. A parte hindu - maioria - permaneceu com o nome de Índia, enquanto a parte muçulmana tornou-se um novo país, o Paquistão (o Paquistão fôra, ainda, dividido em duas partes: Ocidental e Oriental, que posteriormente viria se tornar Bangladesh).

Índia, Paquistão e Caxemira (Reprodução)
Algumas áreas da região acabaram ficando indecisas durante essa divisão, não sabendo para que lado ir. Este foi o caso da Caxemira. Os líderes locais, que eram de origem hindu, decidiram se juntar à Índia. A população, no entanto, era de maioria muçulmana (cerca de 95%) e ficou insatisfeita. E aí, já viu, né? A resposta para qualquer "insatisfação" na metade do século XX foi "guerra".

Esse conflito acabou não mudando muita coisa, apenas aumentou a rivalidade política entre os povos e os recém-independentes países e iniciou as disputas que duram até os dias atuais. Mais de 30 mil pessoas morreram. Depois da Primeira Guerra da Caxemira, aconteceram outras duas na região (1965 e 1999), e outra ainda envolvendo as duas potências e Bangladesh (1971). Por um rápido instante, vamos fechar o parênteses da parte geopolítica e voltar ao nosso campo esportivo.

A hegemonia
O Paquistão, agora um país livre, leve, solto e independente, participou pela primeira vez de uma edição dos Jogos Olímpicos um ano após sua emancipação. Em 1948, o país levou 39 atletas a Londres, capital de sua ex-pátria-mãe, incluindo 19 no hóquei sobre grama, esporte no qual o país teve o seu primeiro "na trave" olímpico, terminando em quarto lugar após perder para os Países Baixos na disputa do bronze.

Por outro lado, a Índia, à época já tricampeã olímpica, mostrou que não precisava dos seus agora rivais atletas paquistaneses para conseguir vitórias. O país conquistou o tetra com um campanha espetacular, e com um gostinho especial, já que venceu os donos da casa na final, por 4 a 0.

Final olímpica do hóquei de Londres-1948 em Wembley (Reprodução)
Na Olimpíada seguinte, o filme se repetiu para nossos protagonistas. A Índia voltou a ser campeã em Helsinque, na Finlândia, com um elástico 6 a 1 sobre os Países Baixos na decisão e o Paquistão perdeu a disputa de terceiro lugar, desta vez para a Grã-Bretanha, por 2 a 0.

A tiração de sarro dos indianos para com os paquistaneses era grande. Afinal, duas Olimpíadas e dois quartos lugares dos rivais, enquanto seu país sagrava-se pentacampeão olímpico. Imagine só!

O Paquistão se preparou duro durante os quatro anos que se passaram. Estava com gás para acabar com a zoação dos vizinhos. E teve a chance de acabar com a festa indiana por conta própria. No chaveamento do torneio olímpico em Melbourne, o Paquistão fez 7 gols e sofreu apenas um e conseguiu espantar o fantasma das semifinais, chegando numa final pela primeira vez e já assegurando a primeira medalha olímpica de sua história.

Na final, um duelo inédito e tão esperado entre um time tentando se manter no topo e outro vindo em constante ascensão. Somada a isso, toda a rivalidade entre os dois países. O resultado? Um jogo muito truncado e que foi decidido em uma bola. O sonho paquistanês foi frustrado por Randhir Gentle, que marcou o único gol da partida aos 37 minutos de jogo. Vitória indiana e sexto título olímpico de forma consecutiva. A hegemonia, no entanto, parecia dar indícios que estava prestes a desabar.


Ascensão do Paquistão
Considerado por muitos o maior nome do hóquei sobre grama da história, Balbir Singh, que infelizmente faleceu recentemente, se aposentou dos gramados e a equipe indiana perdeu um de seus pilares. O Paquistão não deixou a oportunidade escapar e tratou de aproveitá-la no ciclo seguinte.

Antes da Olimpíada de Roma, os dois países se enfrentaram pela segunda vez na história na fase de grupos dos Jogos Asiáticos de 1958 e os paquistaneses conseguiram segurar um 0x0, sagrando-se campeões da competição posteriormente. Vencer a Índia era questão de tempo.

Finalmente, na capital italiana, o Paquistão derrubou a Índia, na revanche de quatro anos e, também, das questões políticas engasgadas ainda em andamento. Os dois países tiveram campanhas avassaladoras até chegar na decisão: somados, foram 43 gols marcados e apenas 2 sofridos. E o herói paquistanês foi Naseer Bunda, que fez o único gol do duelo logo aos 6 minutos de jogo.

A festa foi total na porção muçulmana da antiga colônia britânica. E a zoação se inverteu. Dois anos mais tarde, um novo confronto nos Jogos Asiáticos, em outra decisão, e bicampeonato para o Paquistão, que venceu por 2 a 0. Na Olimpíada seguinte, uma nova final entre indianos e paquistaneses, após novas campanhas acima da média. A Índia, desta vez, conseguiu quebrar o mini jejum e retomou a coroa olímpica, vencendo seus rivais por 1 a 0 e impedindo uma ascensão maior.

No retrospecto olímpico, são 5 vitórias paquistanesas, um empate e uma vitória indiana  (Hockey India)
Em Olimpíadas, os dois países só voltariam a se enfrentar na semifinal de Munique-1972, quando o Paquistão bateu a Índia por 2 a 0 e acabou com a prata. Antes, novos reencontros nas finais dos Jogos Asiáticos, em 1966 e em 1970, ambos os jogos decididos na prorrogação pelo placar mínimo. No primeiro, título para a Índia e, no segundo, título para o Paquistão.

Houve, também, o primeiro encontro da história em Copas do Mundo na edição de 1971. Na ocasião, Índia e Paquistão se enfrentaram na semifinal, com vitória dos islâmicos, que acabaram com o título da competição. Foi o primeiro título do Paquistão do total de três que o país conquistaria (1978 e 1982). A Índia, por sua vez, conquistou apenas um título mundial, em 1975, vencendo exatamente seu arquirrival na final.

Ao todo, os rivais se encontraram na final de sete edições seguidas de Jogos Asiáticos, entre 1962 e 1982. Depois de 1970, todos os títulos foram da competição quadrienal foram para o Paquistão, com vitórias por 2 a 0, 1 a 0 e 7 a 1, respectivamente. Em 1986, se enfrentaram na semifinal, com vitória dos tetracampeões da competição, mas que acabou perdendo a final para o Japão. Em 1990, o Paquistão voltou a conquistar o título em um torneio que teve formato de fase única, deixando seus arquirrivais com a prata. Voltaram a fazer uma final em 2014, quando a Índia venceu nos shootouts.

Depois de Munique-1972, os países voltaram a se enfrentar em Olimpíadas em Seul-1988, Atlanta-1996 e Atenas-2004, todas em fases iniciais ou de consolação.  O Paquistão conquistou os títulos de Montreal-1976 e Los Angeles-1984, enquanto a Índia ainda triunfou em Moscou-1980 - esta sem a participação paquistanesa por conta do boicote do bloco capitalista.

É claro que os países se enfrentaram em diversos outros eventos, como o Champions Trophy, espécie de Mundialito, em que houve 19 encontros entre os rivais. Dono de três títulos, o Paquistão venceu 12 e perdeu 7. A Índia jamais foi campeã. Em Copas da Ásia, um dos dois países sempre chegaram à final, e nas três primeiras edições, houve um confronto entre os dois, com vitórias para o Paquistão.

Apesar do histórico geral ter mais vitórias paquistanesas, o retrospecto recente é favorável para a Índia, que possui 19 vitórias, 8 empates e 8 derrotas no século XXI. O segundo maior país do mundo não perde para o Paquistão desde fevereiro de 2016, quando foram derrotados nos Jogos das Federações do Sul Asiático por duas vezes.

Atualmente, a Índia é quarta colocada do ranking mundial e disputa a Pro League. O Paquistão deveria participar na temporada anterior, mas acabou sendo retirado da competição pela FIH (Federação Internacional de Hóquei) por questões financeiras. Os dois países não se enfrentam desde outubro de 2018.

A Índia ficou de fora de uma Olimpíada pela primeira vez em 2008. Nos últimos anos, o engajamento feminino tem crescido muito no país. O Paquistão, por sua vez, não se classifica para os Jogos desde Pequim. Sua última medalha olímpica foi em Barcelona-1992, com um bronze exatamente do hóquei sobre grama.


Outros esportes


No ano passado, a Índia jogaria pela primeira vez em território paquistanês pela Copa Davis após 50 anos, mas a ITF barrou (Divulgação/Copa Davis)
Atualmente, os dois países permanecessem com conflitos e a iminência de uma nova guerra até os dias atuais. As tensões sempre existem, apesar das nações terem assinado um tratado de paz em 2003. Tanto Índia como o Paquistão são potências nucleares e podem destruir boa parcela da população com seus mísseis.

O esporte tenta aliviar as tensões. Os dois países são muito rivais em qualquer modalidade disputada. Em algumas oportunidades, no entanto, o esporte é utilizado de forma diplomática, como espécie de "cessar-fogo". É o caso do críquete, em que os líderes dos dois países visitam os territórios uns dos outros, tentando criar relações de aproximação. Os países param durante a Copa do Mundo da modalidade.

O tênis também é outro esporte conhecido por unir, de certa forma, os países, principalmente nos últimos tempos. O indiano Rohan Bopanna e o paquistanês Aisam-ul-Haq Qureshi formam uma dupla muito consistente, conhecida por "India-Pak Express". Eles chegaram à final do US Open em 2010.

Foto: Reprodução


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