Últimas Notícias

Surto História: A criação e importância dos Jogos Gays


Tom Waddell era um médico que tornou-se um atleta olímpico, uma trajetória comum na época do amadorismo. A forma que os Estados Unidos encontraram para fazer frente aos funcionários públicos do Bloco Comunista era auxiliar o esporte universitário. Foi com essa formação esportiva, acadêmica e acima de tudo humanista que levou Waddell, 6º lugar nos Jogos Olímpicos da Cidade do México no decatlo a fundar as "Olimpíadas Gays", em 1982.

São Francisco era um dos principais centros LGBT do mundo, tendo inclusive eleito Harvey Milk como Supervisor da Cidade, em 1978. A abertura, no entanto, veio com a intolerância e Milk foi assassinado por um outro representante popular no mesmo ano. Foi neste ambiente de abertura social mas ameaçado pelo aumento da onda conservadora que Waddell decidiu criar um ambiente aberto não só para esportistas LGBT mas para todos gays, lésbicas, bi, transsexuais, travestis e transgêneros que desejassem praticar esporte em um ambiente seguro e convidativo.

Apesar de estar no armário durante sua carreira olímpica, Caroline Symons em "The Gay Games: a beacon of inclusion in sport?" comenta que "o poder das Olimpíadas em unir pessoas distintas através do esporte e de rituais cerimoniais impressionou" Waddell. Com o auxílio de Rikki Streicher e muitos outros organizadores, a ideia das Olimpíadas Gays tornou-se realidade.

A ideia original não era focada na competição, mas na ideia de que todos iriam fazer o seu melhor, não por coincidência a principal ideia por trás do Olimpismo. Porém, os anos 1980 foram marcados pelo advento do marketing olímpico e, assim, o Comitê Olímpico Internacional (COI) não viu com bons olhos o uso do nome na competição e os organizadores foram obrigados a alterar o nome para Gay Games - Jogos Gays.

O processo foi aberto algumas semanas antes dos primeiros Jogos, em agosto de 1982. A venda de vários produtos, como medalhas, bottons, camisas, programas e demais lembranças, precisou ser interrompidas. De acordo com uma Lei Norte-Americana de 1978, o então Comitê Olímpico dos Estados Unidos (antigo USOP) tem o direito exclusivo da marca, permitindo apenas que as Olimpíadas Especiais (Special Olympics) usem o nome.

Brasileiros na Cerimônia de Abertura nos Jogos Gays de 2018. Foto: Rafael Leick/Viaja Bi!

Várias semelhanças podem ser encontradas com os Jogos Olímpicos, como a pira que é acesa na cerimônia de abertura. Seus princípios básicos são a Participação, Inclusão e "Personal Best", que pode ser entendido esportivamente como recorde pessoal, mas também pode ser compreendido como "alcançar o seu melhor". Nada diferente do termo grego arete que era um dos principais lemas dos Jogos Olímpicos da Antiguidade e expressa a ideia de excelência, ou seja: alcançar o seu melhor possível e aproximar-se de sua função – e destino –  na vida.

Igualdade é uma das principais marcas a serem perseguidas pelos Jogos Gays. Homens e mulheres dividem a liderança em posições importantes da organização e um comitê de alcance foi formado para recrutar mulheres em vários locais dos EUA. Pessoas de minorias étnicas e raciais também eram encorajadas a participar.

Todos podem participar, sem nenhuma restrição à orientação sexual e não existe nenhum tipo de índice. Os números comprovam isso: Na 10ª edição, em 2018, 10317 pessoas de 91 nações participaram, em 36 esportes e 14 eventos culturais. Em 1998, 13 mil competidores participaram dos Gay Games de Amsterdã, mais do que em qualquer Jogos Olímpicos.

Nos primeiros Jogos, os atletas representavam suas cidades de origem e não os países, e os quadros de medalhas eram proibidos, além de exibição de recordes. O importante, de acordo com os organizadores, era cada um fazer o seu melhor, enfatizando o esforço individual.

Quem organiza é a Federação dos Jogos Gays (FGG, em inglês), que busca "fomentar o auto-respeito de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e todas pessoas de sexualidade fluida ou de identidade de gênero variante (LGBT+) através do mundo e promover respeito e entendimento entre toda a população".

Apesar dos atritos iniciais, o Comitê Olímpico Internacional (COI) colabora algumas vezes com a FGG. Um exemplo disso foi em meados dos anos 1990, quando o governo dos Estados Unidos, que proibiu a entrada de estrangeiros com HIV de 1987 até 2010, sediou os Jogos Gays de 1994, em Nova Iorque, e os Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta. O COI e FGG se uniram para garantir que atletas, técnicos e público dos dois multieventos pudessem entrar no país.

Existem vários estudos e trabalhos acadêmicos e literários enfatizando a importância dos IV Jogos Gays na mudança de percepção sobre pessoas com HIV. Vários atletas marcaram recordes pessoais e Symons afirma ainda que "atletas com HIV quebraram dois recordes mundiais na categoria de veteranos da natação e outro – Brent Nicholson Earle – atuou como uma tocha humana dos Jogos patinando em uma ultra-maratona [de São Francisco para Nova Iorque] culminando na Cerimônia de Abertura. Ele fez isso para arrecadar fundos e consciência sobre HIV/AIDs e para lembrar aqueles que haviam falecido".

Brasil nos Jogos Gays

A primeira vez que o Brasil enviou uma delegação ao Gay Games foi apenas em 2018. Enquanto o Time Brasil representa o país em Jogos Olímpicos, a equipe nacional era conhecida como  Espírito Brasil e foi composta por 58 atletas, conquistando 24 medalhas na competição. Entre os principais nomes, pode ser mencionado Ana ‘Animal’ Luiza dos Anjos Garces, com três ouros no atletismo, e Jerry da Costa, que levou sete medalhas. O clima é de competitividade mas também de superação dos limites. Elvira Breda e Fábio Lemes, inclusive, conquistaram medalhas em mais de uma modalidades.


Tyffanis, equipe campeã do vôlei, composta por atletas de Bósnia, Brasil, Canadá e México. Foto: Acervo Pessoal / Reprodução Viaja Bi!

Tyffanis, time de vôlei composto por brasileiros com dois mexicanos, um canadense e um bósnio, levou a medalha de ouro. Essa união de várias modalidades também é um marco dos Jogos Gays, já que não existe propriamente uma competição entre nações ou quadro de medalhas oficiais. Atletas de várias idades participam, garantindo uma universalidade muito maior do que a sonhada pelos Jogos Olímpicos. A média de idade de Paris foi 43 anos, por exemplo.

São Paulo foi uma das cidades que havia expressado interesse em receber os Jogos de 2018, mas a FGG não recebeu nenhum pedido oficial até agosto de 2012. Como palco da maior Parada do Orgulho LGBT do mundo, é uma das treze cidades que apresentaram interesse de sediar os Jogos de 2026, ainda que as candidaturas oficiais ainda não tenham sido anunciadas. Uma Carta de Intenção deverá ser submetida mediante a um pagamento de US$ 7.500 (cerca de 42 mil reais) até dia 31 de julho pelas candidaturas para seguirem na disputa.


Confira a lista completa de todas edições: 

Gay Games I - 28/08 a 05/09/1982. São Francisco (USA) 17 esportes, 12 nações, 1350 participantes. Lema: “Challenge” (“Desafio”)

Gay Games II - 10/08 a 17/08/1986. São Francisco (USA). 21 esportes, 17 nações, 3500 participantes. Lema: “Triumph in ’86” (“Triunfo em 86”)

Gay Games III - 04/08 a 11/08/1990. Vancouver (CAN). 27 esportes e eventos culturais, 27 nações, 8800 participantes. Lema: “Celebration 1990” (“Celebração 1990”)

Gay Games IV - 18 a 25/06/1994. Nova Iorque (USA). 31 esportes e eventos culturais. 40 nações. 12500 participantes. Lema: “Unity ’94” (“Unidade 94”)

Gay Games V - 01/08 a 08/08/1998. Amsterdã (NED). 33 esportes e eventos culturais. 68 nações. 13000 participantes. Lema: “Friendship” (“Amizade”)

Gay Games VI - 02/11 a 09/11/2002. Sidnei (AUS). 33 esportes e eventos culturais. 70 nações. 12100 participantes. Lema: “Under New Skies” (“Sob Novos Céus”).

Gay Gams VII - 15/07 a 22/07/2006. Chicago (USA). 30 esportes e eventos culturais.  70 nações. 11700 participante. Lema: “Where the World Meets” (“Onde o Mundo se encontra”)

Gay Games VIII - 31/07 a 07/08/2010. Colônia (GER). 35 esportes e eventos culturais. 70 nações. 9500 participantes. Lema: “Be Part of It” (“Seja parte disso”)

Gay Games 9 - 09/08 a 16/08/2014. Cleveland + Akron (USA). 37 sports e eventos culturais. 50 nações. 8000 participantes. Lema: “Go All Out” (“Vão Todos para Fora”)

Gay Games 10  - 04/08 a 12/08/2018. Paris (FRA). 36 esportes, 14 eventos culturais, Conferência Acadêmica. 91 nações. 10317 participantes. Lema: “All Equal” (“Todas Iguais”)

Gay Games 11 - 12/11 a 19/11/2022 (previsto). Hong Kong (HKG). 36 esportes e 11 eventos culturais planejados. Lema: “Unity in Diversity” (“Unidos na Diversidade”).

Foto: Divulgação / FGG

1 Comentários

  1. Mateus, essa temática é muito legal! Vou sugerir um pesquisador super engajado nessa temática, chama-se Wagner Xavier Camargo. Ele escreve sobre Gay Games e Out Games! Confere também os materiais dele, que são pioneiros.

    ResponderExcluir

.

APOIE O SURTO OLÍMPICO EM PARIS 2024

Sabia que você pode ajudar a enviar duas correspondentes do Surto Olímpico para cobrir os Jogos Olímpicos de Paris 2024? Faça um pix para surtoolimpico@gmail.com ou contribua com a nossa vaquinha pelo link : https://www.kickante.com.br/crowdfunding/ajude-o-surto-olimpico-a-ir-para-os-jogos-de-paris e nos ajude a levar as jornalistas Natália Oliveira e Laura Leme para cobrir os Jogos in loco!

Composto por cinco editores e sete colaboradores, o Surto Olímpico trabalha desde 2011 para ser uma referência ao público dos esportes olímpicos, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.

Apoie nosso trabalho! Contribua para a cobertura jornalística esportiva independente!

Digite e pressione Enter para pesquisar

Fechar