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Após superar período com lesões graves e depressão, Ana Cláudia Lemos almeja brigar por medalha em Tóquio



Ana Cláudia Lemos teve um ciclo olímpico para esquecer. Duas contusões sérias - uma no joelho dias antes de estrear nos Jogos do Rio que a deixou cinco meses fora e uma no tendão de aquiles que a deixou seis meses fora em 2018 -, depressão, resultados abaixo do esperado, e quando as coisas voltavam para os eixos, a pandemia de Covid-19 adiou os planos dela de conseguir uma vaga para Tóquio. Agora, resta a velocista esperar e celebrar o momento de amadurecimento após o 'desastre' desse último ciclo olímpico, segundo suas palavras.

Na live transmitida no Instagram do Surto Olímpico na semana passada, a atleta falou que espera estar em Tóquio em 2021 pra realizar metas da sua carreira que estão pendentes. "Eu sonho com isso, principalmente porque tem aquelas frustrações do último ciclo olímpico e eu não estaria competindo se fosse só por fazer. E eu sou uma pessoa que, enquanto não conquisto o que quero, eu não paro. Hoje eu tô me sentindo ótima, um pouco ansiosa para que talvez daqui a uns meses eu volte para as pistas. A gente tá treinando adaptado, mantendo a forma física, não é a mesma coisa do que estar na pista, mas a gente vai adaptando. o importante é que estou bem fisicamente e com zero dor".

Ana Cláudia também falou da expectativa para os jogos de Tóquio. Na volta das competições, ela analisará junto com seu técnico qual prova individual ela estará com mais chances de chegar em uma final na Olimpíada - nos 100 ou nos 200 metros, onde é a recordista sul-americana desde 2011. Mas o que Ana Cláudia aposta é que a maior chance de realizar seu sonho de disputar mais uma final olímpica estará nos revezamento 4x100. "A gente sabe que uma medalha olímpica no revezamento é em torno de 41s90 e a gente sabe que todas nós temos que melhorar os resultados individuais. Espero que dê tudo certo no ano que vem, com todas as atletas saudáveis e com resultados abaixo de 11s20 nos 100 metros, que aí gente fica com um time bom e voltar a sonhar em quebrar esse recorde sul-americano, que já passou da hora, entrar em uma final e brigar por uma medalha."

Veja as principais declarações de Ana Cláudia Lemos:


O adiamento dos jogos de Tóquio ajudou ou prejudicou?

"Acho que ajudou. Se fosse em 2020, eu tava mentalmente preparada para conquistar a vaga, obter o índice, eu tinha me preparado para isso. Depois, quando veio o anúncio (do adiamento), eu fiquei pensando 'e agora?'. Mas depois veio para mim que essa era uma oportunidade a mais de me preparar melhor, competir mais, assim que a gente tiver um calendário definido. Talvez nunca mais a gente veja isso que aconteceu de novo. (Talvez) Quando eu estiver com 80 anos, eu fale para os meus netos sobre isso, é uma coisa histórica (o adiamento dos Jogos) e foi certíssimo pois quando envolve a saúde das pessoas não se pode brincar. Claro que esse tempo parado interfere no período competitivo do atleta, porque quando ele para e depois de um tempo volta, tem atleta que sente mais, tem outros que não,  e isso pode interferir na Olimpíada, pois atletismo tem que praticar, uns precisam praticar mais outros menos...vai depender muito."


Doping

"Eu sempre fui uma atleta muito disciplinada e quando aconteceu o problema do doping em 2016 eu achei muito estranho, porque eu sou muito encanada, não bebo água dos outros, não pego alimento da mão de ninguém, sou desconfiada por natureza.  E quando veio o e-mail de que eu fui pega em exame antidoping, eu logo entrei em contato com o meu médico, pois eu só tomava suplementação manipulada e vi que tinha coisa errada. Liguei para meu treinador, meus patrocinadores, meu médico do antigo clube, no dia seguinte tive uma reunião com eles e, após ser absolvida no primeiro julgamento, ABCD (Agência Brasileira de Controle de Doping) recorreu na época, e o clube que eu estava (o extinto BM&F) me demitiu. Eles não esperaram o processo até o final e isso me magoou muito, eu não esperava. Acho que eu só poderia ser julgada depois que o processo todo terminasse e eu fosse culpada. Eu jamais usaria uma substância ilícita para me beneficiar, esse não é o meu perfil. 

"Tem muitos detalhes que as pessoas não sabem do meu caso que um dia vou falar, mas como ainda tenho um processo contra a farmácia que corre em segredo de justiça, não posso dizer. Mas meus suplementos foram para o Canadá para serem avaliados e foi comprovada a contaminação, por isso eu fui inocentada. Não seria liberada se eu tivesse culpa. Eu não tenho vergonha de contar essa história, porque eu acho que se isso aconteceu, alguma lição eu tenho que passar pra frente. E eu conto minha história como exemplo para todos os atletas: Tomem cuidado com suplementação manipulada!"

Reputação manchada mesmo sendo inocentada

Obviamente o meu nome ficou manchado, você vai jogar no Google o meu nome e vai estar lá: 'Doping'. Eu nunca mais vou poder apagar isso. Mas eu sei a história verdadeira, eu posso contar isso para as pessoas como exemplo. Muitos atletas que foram pegos no doping às vezes não tinham dinheiro para se defender e provar sua inocência, ainda mais com suplementação manipulada. É caro para se defender. Foram mais de 100 mil reais que investi na minha inocência. Não considerei como gasto, porque era o meu nome que estava em jogo e eu precisava mostrar o meu caráter. 

Como esse é um assunto que gostaria de falar mais sobre, já pensei em fazer um livro ou um documentário, mas com o processo contra a farmácia em andamento eu ainda não posso fazer. Mas tá tudo guardado, inclusive os suplementos, tudo que eu posso usar para contar minha história. Mas não faria isso por dinheiro, isso seria mais uma forma de provar minha inocência porque pelo resto da vida vou ter que provar isso para as pessoas."



Rio 2016 e depressão

"Nesse período que eu fiquei sem competir (cinco meses), fiquei com uma adrenalina muito alta. Meu noivo resolvia os trâmites com os advogados enquanto eu focava nos treinamentos. E isso me beneficiou pois minha primeira marca na temporada foi 11s14, um tempo muito bom para a primeira competição no ano, só que depois eu não tive mais competição porque, três semanas antes dos Jogos, tudo para. Fui convocada para o camping no Rio de Janeiro, e quando a gente chegou lá, eu tava tão bem, sabia que eu tava preparada, indo bem nos treinamentos e a gente só tava esperando a prova dos 100 metros. 

"Dez dias antes, a gente tava treinando revezamento e por ser a segunda do revezamento, estava trabalhando um pouco mais já que você tem que receber e passar. E no meu décimo tiro de velocidade, acabei sentindo o joelho. No começo acharam que era brincadeira ou até algum problema psicológico e levou quase cinco dias para fazer a ressonância - onde conheci o médico que operou meu tendão dois anos depois - e que aí viu que tinha o desgaste da cartilagem e o edema ósseo. Tentaram me medicar para que eu pudesse correr sem incômodos, mas não resolveu e infelizmente veio o balde de água fria.

"Quando acabou a Olimpíada, eu tive um monte de problema de saúde, minha imunidade caía toda hora, ficava doente toda hora, entrei em depressão, precisei tomar medicamento...Era uma lesão super simples, mas por conta do meu estresse emocional eu fiquei cinco meses tratando dela por que ela se agravou. Eu só chorava, não tinha vontade de comer, foi muito complicado. 

"Por dois anos eu não consegui aceitar não ter competido nos Jogos Olímpicos de 2016, eu sofria de chorar. Não era todos os dias, mas tinha um ou dois dias no mês, que eu me revoltava comigo mesma, questionava porque isso tava acontecendo comigo, o que eu tinha que aprender com isso, e quando voltei para psicóloga é que eu fui entendendo aos poucos o que aconteceu. Quando veio a lesão do tendão, eu basicamente tirei ela de letra, por tudo que eu tinha passado, passar por essa lesão foi mais fácil. O mais difícil foi aceitar que hoje não sou mais a Ana Cláudia Lemos de antes de 2016 em termos de resultados. Até hoje eu não aceito, mas meu poder de reação hoje é muito maior, e eu já sei o caminho para voltar a vencer." 


Melhor Olimpíada

"Pequim foi uma das melhores competições que eu já vi. Aprendi muito como atleta e com as outras atletas...Já faz 12 anos, mas as lembranças de Pequim ainda estão muito frescas na minha cabeça. Era uma competição grande, eu não tinha bagagem internacional, era minha primeira presença na seleção adulta.  E foi ali que eu entendi que se eu tava ali, era porque sou boa no que faço e estar lá me motivou muito para os passos seguintes da minha carreira.  Eu só lamento dessa medalha olímpica ter vindo tão tarde para as meninas, porque elas deixaram de colher muitos frutos com essa medalha na época. 

"Reserva (Ana Cláudia era reserva do revezamento 4x100m em Pequim) não recebe medalha no atletismo, mas teve uma atitude bacana da Rosângela no troféu Brasil de 2018. Ela fez uma réplica da medalha e entregou uma para mim e outra para Evelyn (dos Santos, que também foi reserva em Pequim), e a gente não esperava por isso. Óbvio que não é o mesmo sentimento de conquistar uma medalha olímpica, mas só da atitude dela em fazer isso para gente faz tudo valer a pena, isso é muito legal. Mas das três olimpíadas que eu fui, Pequim foi a que mais marcou."


Maior frustração da carreira foi a final do revezamento do mundial de 2013?


"Não foi a maior frustração, mas doeu. A gente não iria ganhar uma medalha porque outro país falhou e deixou cair o bastão, a gente iria ganhar porque todo mundo tava na ponta dos cascos: A Evelyn que abriu, eu que fui a segunda e a Franciela (Krasucki) que foi a terceira...Dificilmente a gente perderia a medalha de prata e ainda se desse o azar de perder seria bronze E não era um Mundial fraco, era um mundial bem forte.

"Eu revejo essa prova às vezes no meu celular no sentido de me motivar com o que eu corri naquela reta oposta. Quando a gente bateu o recorde sul-americano com a Rosângela (Santos) na semifinal, a gente não queria que tivesse trocado (Nota: Quem correu no lugar da Rosângela foi Vanda Gomes, que deixou cair o bastão na última passagem com Franciela), mas isso já tinha sido combinado antes do Mundial, que uma correria na semi e outra na final e decidiram manter essa decisão. E nos planos de Deus não era para ser e não foi.

"Foi frustrante, eu fiquei sem entender um tempo, mas não tinha o que fazer, a gente perdeu o campeonato mundial, o jeito era pensar para frente. Se dependesse da minha vontade eu correria 150, 200 metros, mas revezamento é cada um fazendo a sua parte e uma atleta depende das outras.(...) Mas eu ainda sonho com um título no revezamento e para mim, a Rosângela é a mulher que fecha meu revezamento."


Relacionamento com Rosângela Santos

"Eu e a Rosângela sempre tivemos esse senso de liderança, desde 2008. A gente viaja e compete junto desde 2007. Ela sempre foi a minha principal adversária e sempre me ajudou muito a evoluir, porque eu não queria perder e ela muito menos. Sempre tivemos uma relação de muito respeito, ela vai casar esse ano e me convidou, eu admiro muito ela como pessoa e atleta. Quando ela bateu o recorde sul-americano em 2017, eu fiquei muito feliz e me fez acreditar mais, a querer aquilo também, que não era algo impossível".

Correr abaixo de 11 segundos ainda é meta?

"Essa é uma das coisas que penso todos os dias. Penso que esse é só um dos primeiros degraus que tenho que subir. Quebrar a barreira dos 11 segundos me move muito" (Nota: O melhor tempo da carreira de Ana Cláudia é de 11s01).


Fotos: Oscar Padilla, Wagner Carmo/CBAt e AP

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