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Coluna Surto Mundo Afora #58 - Kobe Bryant, a primeira super estrela da era da internet



Por Bruno Guedes

A morte do Kobe Bryant, aos 41 anos, chocou não só os fãs de basquete mas de todos os esportes de uma maneira geral. Apesar da sua grande identificação com a comunidade da NBA, onde fez fama, o americano, cosmopolita, poliglota e amante de várias outras modalidades, foi a primeira grande superestrela olímpica na era da internet. Seu nome carregou multidões às quadras e deu peso aos Jogos Olímpicos recentes.

A Mamba-Negra é uma cobra africana que, dependendo da picada, pode levar um ser humano à morte em meia hora. Foi através dessa metáfora que unia a origem negra da sua família que Kobe Bryant se inspirou para ser uma lenda dentro das quadras. Sua bagagem cultural possibilitou não só um estilo próprio jogando e se comunicando com fãs, como o fez atingir um público até então inédito para um super astro do basquete. Bryant suplantou todos e se tornou a primeira grande figura midiática do mundo conectado.

A pluralidade cultural criou um ícone esportivo

No ano em que os maiores atletas do planeta desembarcam em Tóquio, a origem do nome do Kobe vem justamente de uma tradicional comida japonesa, o "kobe beef", uma carne rica em gordura e muito saborosa. Seus pais, antes dele nascer, foram a um restaurante na Filadélfia e se encantaram pela iguaria. Surgia aí a marca de um vencedor no basquete, surgia a lenda de Bryant.

A paixão pelo esporte da bola laranja foi herança do seu pai, Joe Bryant, jogador profissional. Durante sua passagem pela Itália, entre 1984 e 1992, que o menino Kobe passou a praticar a modalidade que levaria para sempre. Comum nos EUA desde criança, disputava partidas de um-contra-um com colegas italianos. Foi numa dessas que desafiou um companheiro de time de Joe e, aos 12 anos, o venceu.

Nesta época, a Copa do Mundo de futebol estava exatamente no país em formato de bota. Vendo de perto o Calcio, como é conhecido o esporte por lá, o menino Bryant logo arrumou espaço em seu coração para muitas outras modalidades. Fã da seleção brasileira, sua altura elevada o atrapalhava jogar a bola com os pés, mas o fazia brilhar com ela nas mãos. E virou torcedor do Milan. O esquadrão dos anos 90, até hoje considerado o maior do clube em todos os tempos, fez surgir a paixão para algo incomum aos americanos. Já era fluente em inglês, italiano e espanhol.

Em 1992, assistindo ao Dream Team dos EUA, despertou sua grande inspiração em ser um astro como aqueles. A equipe liderada por Michael Jordan foi medalha de ouro encantando o mundo e o então adolescente que já mostrava seu talento nas quadras. Foi nesta época que também conheceu um dos que teriam influência nos seus fatais arremessos: o brasileiro Oscar Schmidt. Então um dos maiores nomes da liga da Itália, os tiros de três pontos do Mão Santa serviram de referência ao jovem, que passava horas treinando e aferindo a precisão. 

Com tal dedicação e muita disciplina, Kobe voltou aos Estados Unidos anos depois e brilhou no High School. Disputava futebol, futebol americano, beisebol e atletismo. Mas logo se tornaria o melhor jogador de basquete do estado da Filadélfia e com marcas impressionantes: média de 31,1 pontos por jogo, 5,2 assistências e 10,4 rebotes. Com notas altíssimas, foi disputado por diversas universidades e recusou todas, preferindo treinar com o Philadelphia 76ers.

Mas não estamos falando de um homem comum. Kobe foi draftado em 1996 pelo Charlotte Hornets sem passar por uma faculdade, algo raríssimo.

O menino e a internet ganham fama. E ambos brilham juntos.

Mas o Los Angeles Lakers foi a porta de entrada que o levaria à sala dos imortais. Com o time lilás e amarelo foram 20 temporadas e cinco vezes campeão da NBA - 2000, 2001, 2002, 2009 e 2010. Junto com a ascensão meteórica da estrela, a internet se popularizava na mesma proporção. Imagens e jogos eram cada vez mais difundidos, principalmente com o advento do YouTube, em 2005.

Marshall McLuhan, canadense e importante nome da Comunicação, dizia ainda nos anos 60 que o mundo seria reduzido a uma espécie de "aldeia global" por conta da praticidade das mídias. No caso, a internet. E as ligas esportivas americanas entenderam bem como a web teria esse papel. O maior exemplo desse sucesso mercantil é o Super Bowl, que é um dos eventos mais assistidos do planeta. O alcance da NBA atingiu seu nível máximo, chegando a ter finais tão assistidas e populares quanto as das Copas do Mundo de Futebol ou Abertura das Olimpíadas. 

À essa altura, Kobe não era apenas um ídolo americano, mas mundial. Suas jogadas que o levaram a ser o maior pontuador da história dos Lakers e o terceiro da história da da liga - agora quarto, ultrapassado por Lebron James justamente na véspera da sua morte - rodavam o planeta através da grande rede. 

Sua fama inspirava camisas 24 dos Estados Unidos à China. E era inevitável que não houvesse comparação com o Dream Team de 92. Até hoje, Kobe é lembrado por ter sido o jogador pós-Michael Jordan que mais se aproximou do seu estilo, principalmente nas arrancadas em direção à cesta.

No auge de uma denúncia de estupro que quase acabou com sua carreira e guerra de vaidade interna nos Lakers, Bryant recusou a convocação para as Olimpíadas de 2004. Além dele, Jason Kidd, Shaquille O'Neal e Tracy McGrady, os grandes astros à época. Os EUA ficaram em terceiro e saíram com mais derrotas em uma edição que durante toda a história do esporte nos Jogos.

A repercussão negativa mundial foi imensa. Já com a internet acelerando as notícias, questionava-se as estrelas da NBA. Internacionalmente famoso, o jogador então mudou os rumos da sua carreira. Passou a ter um jogo mais coletivo, as polêmicas do começo da década deram lugar a um jogador mais próximo da família e em Pequim 2008 aceitou o convite para disputar seus primeiros Jogos.

Foi lá que viu o poderio de ser o primeiro grande nome da era digital. A confirmação do seu nome ganhou um volume inesperado, sendo tratado como uma das maiores estrelas do seu tempo. Ao lado de Ronaldinho Gaúcho, era o maior astro daquela edição, o que mais vendia, o que mais gerava conteúdo e popular. De acordo com a NBC, responsável pela transmissão olímpica nos EUA, as maiores audiências da emissora foram do basquete ao lado dos tradicionalmente assistidos atletismo e natação. Entre as 50 palavras mais buscadas no Google naquele ano estava seu nome. Um popstar.

E não foi a passeio. Repetindo seus ídolos de Barcelona 92, Kobe aumentou ainda mais a sua popularidade com a medalha de ouro. 

Quatro anos depois, tentando o bi, sua fama era ainda maior. Já considerado uma lenda por tudo que conquistara, Bryant ainda era o nome mais famoso e importante da NBA. Sua imagem rodava o mundo, estampava camisas, jogos e muitos produtos. Falar dos Lakers era quase sinônimo de Kobe. Seu status rivalizava com Usain Bolt, Michael Phelps e Yelena Isinbaeva. Agora não estava mais sozinho no hall das super estrelas dos novos tempos.

Londres 2012 foi o canto do cisne para o menino que cresceu no continente, absorveu as mais diversas culturas e compreendeu que o esporte não se limitava ao que praticava. Discreto nas ações fora dos ginásios, foi, viu e venceu. Mais um ouro. Mais um degrau rumo à imortalidade. Escrevera seu nome não apenas mais na América, mas no Olimpo.

Enquanto a Rio 2016 ainda era preparada, a notícia que todos não queriam ouvir: não haveria Kobe nas quadras cariocas. E nem nas americanas. Kobe Bean Bryant estava se aposentando. Após anos convivendo com contusões, o corpo do já veterano não respondia ao coração ainda jovial. 

Homenagens não faltaram. No boom das redes sociais, os números 24 e 8 estampavam avatares e montagens. Vídeos viralizavam nas plataformas com suas maiores jogadas. Capas de jornais mundo afora lembravam seus feitos. E assim ele pisou no Stapless Center, casa dos Lakers, pela última vez.

Porém o basquete continuou rendendo títulos. Se no passado um Oscar entrou na sua vida, um outro cruzou seu caminho, agora da Academia. Kobe ganhou um troféu Oscar em 2018 com seu curta de animação, "Dear Basketball" e se tornou o primeiro jogador da NBA a ganhar o principal prêmio do cinema americano. 

Não era só esporte. A lenda não se limitou à esfera em que vivia. Era muito maior.

Poliglota. Multicultural. Vencedor. 

Poucos encarnaram tanto o espírito esportivo quanto Kobe, a primeira grande estrela olímpica da nova era cibernética.

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