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Com muitos problemas, Centro Esportivo Miécimo da Silva luta pelo 'legado olímpico'

Por Bruno Guedes

São quase sete horas da manhã de uma terça-feira e já faz um intenso calor no outono carioca. Uma fila com mais de 40 pessoas se forma do lado de fora do Centro Esportivo Miécimo da Silva, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Todos estão esperando senhas para inscrições nos esportes oferecidos no local, sendo que alguns chegaram há mais de duas horas para garantia de lugar. Uma delas é a professora Andreia, de 38 anos, que pela segunda vez está tentando vaga para inscrever seu filho de 11 anos em natação. Junto a eles, alunos chegam para as suas atividades. Mas o que todos encontram, os inscritos ou não, é um retrato do Rio de Janeiro pós grandes eventos: decepção.


O Centro Esportivo Miécimo da Silva é o maior complexo pertencente a uma rede municipal no Brasil. São ao todo mais de sessenta e quatro mil metros quadrados de uma estrutura que se iguala aos maiores polos do mesmo tipo no mundo. Milhares de jovens, em quase totalidade de alunos da rede pública de ensino, já foram matriculados nas vinte e uma modalidades oferecidas gratuitamente de segunda à sexta. Hoje, de acordo com a Prefeitura, são mais de dez mil inscritos. Nos finais de semana, a área se torna uma das poucas fontes de lazer local.

Atualmente administrado por uma Organização Social (OS), o espaço completa trinta e seis anos de existência em 2018, tendo como grande destaque ter sido uma das mais importantes sede dos Jogos Pan-Americanos de 2007, onde recebeu a patinação, caratê, squash e futebol. Além de diversos eventos esportivos, desde o jogo de exibição do Magic Johnson contra Oscar Schimdt, em 1997, até o Sulamericano Masculino de Vôlei, em 2003.

Mesmo com todas estas credenciais, o Miécimo agora luta para se reerguer. Conseguir uma vaga é um desafio digno dos medalhistas olímpicos. As inscrições acontecem às terças-feiras. Porém é necessária a retirada de uma senha para tentá-las, onde começam os problemas. Já às seis horas, duas antes da abertura da secretaria do complexo, dezenas de pessoas já estão nas filas, desde jovens até a idosos. E isso não garante que todos eles vão conseguir algo. Apenas cinquenta são distribuídas diariamente. Há um mês, na reabertura do Centro Esportivo, candidatos acamparam na calçada para ter uma chance.
Miécimo em seus áureos tempos.

Andréia chegou mais de uma hora antes do horário, mesmo assim está do meio pro fim da longa fila formada. A professora tenta inscrever seu filho há duas semanas, mas sem sucesso. De acordo com ela, não é a primeira vez que busca a senha e sofre com o descaso:

"Esta é a terceira vez que venho ao Miécimo, na verdade. Porque a primeira foi quando apenas queria informações e já tinha sido alertada para chegar cedo, na semana seguinte. Então voltei, no horário que disseram, às oito horas, mas a fila era gigantesca. Nem consegui pegar senha. Hoje cheguei às 6h40, olha onde fiquei. Só estou fazendo isso porque é para o meu filho, que tem amiguinhos do colégio que fazem natação e o chamam diariamente". - reclama a mãe, que disse também estar de férias e portanto conseguiu chegar nesse horário. Caso contrário, não haveria nem possibilidade de tentar uma vaga.

Ela não é a única. Nas redes sociais, através dos canais de interação abertos pelo Centro Esportivo, as reclamações são muitas. O inspetor Fábio Pereira relata que passavam das 16h e ainda havia gente na fila, incluindo idosos. Segundo ele, desde às 8h estava aguardando atendimento. Na secretaria, duas funcionárias atendem os muitos postulantes às inscrições.

De acordo com a Subsecretaria de Esporte e Lazer da Prefeitura do Rio de Janeiro (SUBEL), o horário definido para inscrições foi de 8h às 17h. Porém, o fato do Complexo ter ficado sem contrato de janeiro até setembro de 2017, gerou uma forte procura por suas atividades logo que foram retomadas. Mesmo adotando atendimento diferenciado, com filas exclusivas para idosos e pessoas com necessidades especiais, a intensa procura levou interessados a acamparem desde a madrugada para conseguir uma vaga.

Afirma ainda que no dia 6 de março, primeiro dia de inscrição, foram mais de 1650 novos alunos e 3 mil atendimentos. A Prefeitura diz também que faz mensalmente relatórios de frequência dos matriculados para identificar potenciais evasões e disponibilizar novas chances. Além disso, adquiriu recentemente webcams e equipamento de informática para agilizar as inscrições.

Mas se conseguir vaga é uma tarefa para poucos, praticar um esporte é mais difícil ainda. Antes tratado como um das mais bem equipadas praças esportivas do Brasil, hoje é mais um que sofre com a falta de "legado olímpico" no  Rio de Janeiro abandonado após os grandes eventos que aconteceram na Cidade, como Pan-Americano, Copa do Mundo e Olimpíadas. Com muitos problemas de conservação, eles aparecem já na entrada do Miécimo. A pintura falhada e muitas identificações faltando contrastam com os papéis colados de alguma informação complementar, como horários e modalidades lotadas.

Durante as Olimpíadas do Rio, em 2016, foi utilizado como boulevard olímpico e aclimatação de atletas. Com shows diários e sem preparo para tais eventos, a estrutura acabou sofrendo e bastante danificada. Os restos finais da festa ainda estão presentes, como cartazes e ornamentações com o logo dos Jogos, numa espécie de ressaca moral de algo maior que não aconteceu. O legado que não chegou.

O Ginásio Algodão, batizado assim em homenagem ao campeão mundial de basquete em 1959, duas vezes bronze olímpico Zenny de Azevedo e que morou no bairro, antes do Pan era considerado um dos melhores das Américas. Viu ao longo desses anos grandes competições, como finais do Estadual de Futsal entre Flamengo e Vasco, nos anos 90, e a geração de ouro do Brasil se sagrar campeã sul-americana de vôlei, um ano antes da medalha dourada em Atenas 2004.

Hoje o que resta são lembranças. Um funcionário ouvido pelo Surto Olímpico, e que preferiu não se identificar por medo de represálias, disse que os transtornos vêm de anos. De acordo com o profissional, existem problemas na quadra, onde há desníveis perigosos para os praticantes de atividades. O trabalho de restauração acontece e aos poucos tentam levantá-lo para novos projetos. O placar, de nível internacional e agora consertado, não funcionava no começo de 2017. A Subsecretaria informou que fez reparos também nos banheiros e salas da quadra, além das substituições das lâmpadas pela Rio Luz.



Ao lado fica a quadra de tênis, que apesar de não apresentar grandes falhas mostra desgaste pelas intempéries. O mesmo ocorre com as demais, como de basquete, vôlei e handebol. Estas, além disto, sofrem com problemas pontuais, como falta de conservação nas redes e pintura. O atleta Victor Lopes disse que isso atrapalha o desenvolvimento dos alunos e qualidade do esporte em si:

"É ruim porque precisamos nos preocupar com várias coisas alheias ao jogo em si. Já aconteceu de chegarmos aqui e não ter água. Isso é péssimo, porque às vezes precisamos parar de jogar ou trazer de casa, o que é mais peso além do material". - disse o rapaz, que há três anos pratica diversas modalidades.


A falta d'água é alvo de constantes reclamações pelos alunos, mas os bebedouros espalhados pelo complexo funcionavam sem maiores problemas. A Prefeitura confirmou que fez manutenção em todos eles e que estão funcionando perfeitamente.

Se a palavra que define o trabalho feito por diversos professores é inclusão, para a estrutura que encontram pode ser decepção. Na pista de atletismo, onde a todo momento praticantes fazem alguma atividade, estão os maiores problemas. Grandes trechos estão com crateras por falta da pista modular, impossibilitando qualquer tipo de esporte. Atletas desviam suas corridas quando chegam nas áreas afetadas. O gramado do campo, com buracos, também apresenta diversas alterações incomuns.

Questionada sobre este grave problema no Miécimo da Silva, a Subsecretaria disse que infelizmente a atual situação da pista e do campo de futebol foi causada pela utilização em shows e eventos que acabaram danificando em alto grau esses equipamentos. Em orçamentos feitos pela própria SUBEL no ano de 2017, identificaram que será necessário investimentos entre R$ 4 milhões e R$ 5 milhões para consertar esses espaços. E que a Organização Social, em conjunto com a Prefeitura, está buscando parcerias que ajudem nas intervenções.

Em virtude deste acúmulo de problemas, o Centro Esportivo ainda se viu diante de um mais grave de todos: falta de professores. Em meados de 2017, pouco mais de um ano após o maior evento esportivo do planeta na cidade, 120 professores tiveram os contratos vencidos e foram dispensados. O fato levou à suspensão das atividades de badminton, patinação, fisioterapia, hidroginástica e natação. A piscina, tratada como a "joia da coroa", precisou ser fechada por tal motivo. Atualmente há cerca de 80 profissionais trabalhando no local, número que, de acordo com a administração, deve aumentar nos próximos meses.

A Prefeitura do Rio de Janeiro disse à reportagem do Surto Olímpico que a intenção, juntamente com a OS gestora do espaço, é resgatar a história do Miécimo da Silva em ser referência na descoberta de talentos e na realização de competições esportivas. Segundo a nota enviada, a Organização assumiu há 7 meses e algumas intervenções já foram possíveis realizar apenas com uma parcela do contrato. Entre elas estão a reforma dos vestiários e banheiros do novo complexo de lutas (montado nesta nova gestão); reforma e substituição da tubulação da piscina olímpica; reforma dos acessos e reposição de assentos nas arquibancadas do ginásio e no estádio de futebol; reforma do espaço de capoeira; conserto do elevador do prédio principal; pintura geral dos espaços internos e poda dos gramados, áreas de jardim e outros.

Andreia, que não conseguiu a senha para inscrever seu filho, prometeu voltar na próxima semana pela última vez. E o desejo dela é o mesmo da população carioca que viu os grandes eventos de perto:

"Que o legado não tenha sido apenas para turista, que nós também consigamos usufruir daquilo que foi levantado com o nosso dinheiro.", finalizou, antes de ir embora novamente sem a inscrição.

fotos: Bruno Guedes, Prefeitura do Rio de Janeiro e Rafael Siqueira

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