Anita completa cinco anos em novembro, mas já sabe
desde os dois anos como incentivar o pai-atleta. E foi pensando nos
gritos de “Vai, papai”, que na época dos Jogos Paralímpicos de Londres
ainda não eram possíveis, que Clodoaldo Silva adiou a aposentadoria.
Para quem iria “pendurar a sunga” em 2012, disputar os Jogos em casa
diante da família tornou-se um objetivo prazeroso.
“No final da Paralimpíada de Londres, falei que queria
continuar, pela pressão - no bom sentido - da equipe, e das milhares de
mensagens que recebi de todo o Brasil, mas principalmente porque a
próxima Paralimpíada seria no Brasil, e pela minha filha”, disse o
nadador de 37 anos.
Dono de 13 medalhas paralímpicas – seis de ouro, cinco de
prata e duas de bronze – Clodoaldo vai disputar cinco provas nos Jogos
2016: 50m, 100m e 200m livre, 50m borboleta e revezamento 4x50m livre
misto. Ele vê chance real de medalhas nas duas primeiras e acredita que
pode beliscar um pódio nos 200m. O maior objetivo do atleta, entretanto,
vai além dos resultados: Clodoaldo encara a Paralimpíada no Rio como
uma oportunidade de chamar atenção para o respeito à pessoa com
deficiência.
“Acho que vou conseguir contribuir muito mais sendo atleta
do que como dirigente ou de outra forma. E não é estar no lugar mais
alto do pódio necessariamente. As Paralimpíadas têm um recado para a
sociedade brasileira: as pessoas com deficiência não são coitadinhas,
não precisam de piedade, precisam de oportunidades, de ter as leis
respeitadas. É essa mensagem que a gente vai passar e espero que seja o
maior legado dos Jogos”, afirmou.
Medalhas e adversidades
Clodoaldo disputou o primeiro campeonato de natação em
1998. Desde o então, o currículo de conquistas cresceu rapidamente, com
destaque para 2004, quando faturou sete medalhas em oito provas
disputadas nos Jogos de Atenas, a segunda edição de Paralimpíadas de que
participou. Para ele, foi um marco não só na carreira pessoal, mas para
o esporte paralímpico brasileiro.
“O ano de 2004 foi um divisor de águas. Em Atenas, o
Brasil ganhou 14 ouros, e eu saí de lá com seis ouros e uma prata. O
Brasil começou a conhecer as Paralimpíadas e os atletas. Ali me tornei
referência do segmento das pessoas com deficiência. Veio visibilidade,
investimento, surgiram novos atletas, como Daniel Dias, André Brasil, no
atletismo com Alan Fonteles, e tantas outras modalidades”, avaliou.
Seriam também as últimas Paralimpíadas de Clodoaldo na
classe funcional S4. O nadador teve paralisia cerebral devido à falta de
oxigenação no parto, o que afetou o movimento das pernas. Nas várias
avaliações de classificação funcional a que foi submetido no início da
carreira, ele sempre foi colocado na S4, até que foi reclassificado, na
véspera dos Jogos de Pequim 2008, para a S5. Na natação, as classes S1 a
S10 referem-se a atletas que possuem deficiência física, sendo que a S1
compreende os nadadores com grau mais alto de comprometimento, e a S10
com menor grau.
“Em 2008, decidiram alterar minha classificação e me
colocaram na S5, onde eles têm uma funcionalidade maior que a minha. Eu
consigo sair de cima do bloco, mas não tenho impulso, e na S5 eles têm.
Numa prova de 100m, na caída eles têm ondulação, eu não tenho. Eles têm a
virada olímpica, eu não. Ou seja, na questão da deficiência, eles têm o
menor grau. Quando fomos reivindicar, eles (Comitê Paralímpico
Internacional) disseram que a classificação estava mudando para todo
mundo, mas naquele momento só mudou para mim”, relembrou.
De papa-medalhas de ouro e colecionador de recordes em
2004 , o tubarão – como é conhecido na natação paralímpica –ficou apenas
com um bronze e uma prata em revezamentos em Pequim. O desafio da nova
classe também rendeu consequências físicas, como duas hérnias de disco
que, segundo Clodoaldo, surgiram em virtude do maior esforço que é feito
para estar à altura dos competidores na S5. Mas nenhuma dificuldade foi
forte o bastante para fazê-lo desistir.
“Nunca fui de lamentar, de me fazer de vítima, continuei
normalmente, e foi a melhor decisão da minha vida. Hoje ganho menos
medalhas, mas sou muito mais reconhecido, ganho mais dinheiro. Acho que é
mais uma história de superação, não se pode desistir nas dificuldades,
tem que estar sempre se reinventando”, disse.
Um mês antes de Londres 2012, a adversidade se
materializou em lesão no ombro esquerdo. Poderia ter ficado de fora dos
Jogos, mas Clodoaldo insistiu em disputar as provas. O melhor resultado
foi um quarto lugar nos 50m livre, também na classe S5. E é nela que ele
vai disputar as cinco provas em setembro de 2016.
A preparação
Desde 2014, Clodoaldo treina num centro de referência da
natação em São Caetano do Sul (SP), onde ele e mais dez nadadores da
seleção – além de outros que realizam treinos rotativos por lá – contam
com uma equipe multidisciplinar de 11 pessoas, sendo três técnicos, dois
fisioterapeutas, um nutricionista, um massoterapeuta, um psicólogo, um
biomecânico, um preparador físico e um médico.
“Pela primeira vez eu fui para um centro de treinamento,
tenho uma permanência com outros atletas, estamos tendo um investimento
inédito, uma estrutura que nunca tínhamos, vou chegar muito bem nos
Jogos”, afirmou Clodoaldo, que tem patrocinadores e conta com a Bolsa
Pódio do Ministério do Esporte.
O nadador conheceu as instalações do Centro Paralímpico
Brasileiro, em São Paulo (SP), e está animado com a possibilidade de
fazer lá a aclimatação para o Rio 2016. Ele também já tem planos para a
vida de ex-atleta após os Jogos, como por exemplo morar no Rio de
Janeiro – onde já vivem Anita e a esposa Patrícia - e trabalhar com
comunicação social
“Uma pessoa com deficiência, com a história que tive e
tenho, e sendo desenrolado, acho que pode colaborar, não só para
divulgação do esporte, mas da cidadania, da inclusão. A gente pouco vê
nas redações pessoas com deficiências falando do segmento”, afirmou.
Mas o momento agora é de foco na preparação paralimpíca.
“É finalizar uma carreira com chave de ouro, mas acima de tudo deixar o
recado. Todos os atletas têm uma missão de conquistar medalhas, mas
acima de tudo de dar dignidade às 45 milhões de pessoas que têm algum
tido de necessidade especial. Hoje, se tem muito ganho, se teve muita
evolução no segmento da pessoa com deficiência, tem muito a ver com a
questão esportiva. O esporte deu visibilidade, através do esporte os
governantes começaram a ver que precisam dar boas condições para as
pessoas com deficiência, na acessibilidade, cidadania, na inclusão no
mercado de trabalho”, disse.
Se por acaso alguma medalha vier, melhor ainda. Ainda que
não seja bem isso que Anita quer do pai. “Não me sinto pressionado. Ela
chega e fala: ‘papai, você vai ganhar o ursinho pra mim e a medalha pra
mamãe”, disse.
Foto: Arquivo Pessoal
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