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Calhautrospectiva Olímpica (com olhos no Rio 2016).







Leve duas (Olimpíadas), pague (muito caro por) uma

Os Jogos Olímpicos de 2012 foram vividos de forma diferente pelo público brasileiro. Ao mesmo tempo em que os nossos olhos acompanhavam tudo que acontecia em Londres, as nossas cabeças instantaneamente viajavam para dali a quatro anos, quando o Rio sediará a mais abrangente competição esportiva do planeta. Era impossível assistir à abertura do evento sem pensar que, na próxima, será a nossa cultura a estrela do espetáculo. 

E quando os anfitriões encerravam o desfile das delegações, mal notávamos a festa deles, pensávamos mesmo é em como será a que faremos no Maracanã. Sentimentos compreensíveis. Recomendáveis, até. Ao contrário do complexo de vira-latas de alguns, já prevendo que a nossa cerimônia de abertura será um fiasco (poderá até ser, mas no quesito "contas a pagar"). Porque de festa, a gente sempre entendeu bem mais do que os contidos ingleses. Inclusive, teve britânico se derretendo nas redes sociais pelos breves sete minutos que nos couberam na cerimônia de encerramento londrina. Enquanto muitos brasileiros procuravam defeito a qualquer custo.

E assim os dias se seguiram. Quando a chama olímpica ficou escondida do mundo, trancafiada dentro de um estádio que só seria utilizado na segunda semana de disputas, pré-cornetamos a organização do Rio 2016: não pode ser igual, estão ouvindo? Já basta aquele trambolho que vocês armaram no para o Pan e chamaram de pira. A cada brasileiro vitorioso, a pergunta sobre a expectativa de repetir aquela glória dentro de casa. E dos derrotados, ouvíamos as declarações de esperança, de que tudo poderá ser diferente nos próximos Jogos, com o apoio da torcida.

Se a instalação era bonita, ficava a pulga atrás da nossa orelha: temos bala para fazer igual? E quando jogavam vôlei de praia de manga comprida, debaixo de chuva e frio, nos orgulhávamos: em Copacabana, tudo será muito mais legal. Era impossível ver a maratona de Londres, repleta de pontos turísticos mundialmente conhecidos, e não se transportar para 2016, quando os atletas terão como cenário o relevo único do Rio de Janeiro, com direito à chegada na Marquês de Sapucaí, em clima de carnaval fora de época. Sem paradinha, por favor. Vigiem direito o padre irlandês.


Mas quem desfrutará de todas as belezas cariocas, daqui a quatro anos?

Os astros de Londres foram os mesmos de Pequim. Soaria monótono, se não envolvesse tanta História sendo escrita. Michael Phelps, 16 medalhas olímpicas no currículo, chegava à capital britânica com um desafio: superar o recorde da ginasta soviética Larissa Latynina, que conquistara 19 medalhas em suas três participações nos Jogos, entre 1956 e 1964. O nadador chegou a parar de frequentar as piscinas durante o ciclo olímpico. Alguns apostavam que a preparação inadequada e apressada pudesse atrapalhar o astro. Só mesmo um louco duvidaria por completo de sua capacidade em driblar isso, no entanto.

A derrota para a revelação sul-africana Chad Le Clos fez muitos acreditarem que Phelps até bateria o recorde de Latynina, mas sem brilhar. Ledo engano. O mais premiado atleta olímpico de todos os tempos fechou a sua participação em Londres com 6 medalhas, sendo 4 de ouro e 2 de prata. Longe dos 8 ouros de Pequim, mas até Phelps sabe: competir contra Phelps é complicado. 

No total, o nadador alcançou a marca de 22 medalhas, entre Atenas, Pequim e Londres: 18 douradas, duas prateadas e duas bronzeadas. Para todos os efeitos, se aposentou. Não virá ao Brasil? Depressão imediata. Vai acabar mudando de ideia? Esperança distante. De toda forma, deixou uma tal Missy Franklin com pinta de herdeira. Foram quatro ouros e um bronze em suas primeiras Olimpíadas. Ela vem, ela vem... eu já escuto suas braçadas.

Felizmente, a outra grande estrela parece não ver a hora de disputar os Jogos de 2016. Primeiro porque o cara se sente muito à vontade em terreno olímpico. Se falta carisma a Phelps, com aquele jeitão desengonçado de adolescente deslocado, sobra presença de palco a Usain Bolt, a única pessoa no mundo capaz de comandar um estádio inteiro sem megafone ou microfone, usando apenas poses, caretas e sorrisos. Sem contar que quem comemorou suas vitórias em Londres com jogadoras escandinavas de handebol não deve ver a hora de conhecer os encantos das mulatas que um dia foram de Sargentelli. E pensar que Phelps, após cumprir sua missão, só pensava em cair de boca no fast food...


Quem vem mais? Quem vem mais?

Quando Yelena Isinbayeva não conseguiu superar o sarrafo (algo inevitável), mas também suas concorrentes (algo que não estávamos acostumados a ver), muitos devem ter esperado que a russa ficasse de cara fechada. Muito pelo contrário. Agora envolvida pelo charme da mortalidade dos derrotáveis, ela desfilou simpatia. Queremos vê-la por aqui, claro, mas ela diz que não sabe se vem, que quer ser mãe... ficamos na torcida para que ela venha, com a cria a tiracolo, para mostrá-la do que a mãe é capaz. 

Falando em classe e técnica, será que Roger Federer continua animado para alcançar o seu sonhado ouro em simples no Rio de Janeiro? As gêmeas já estarão crescidinhas, poderão aproveitar mais. E que Nadal esteja inteiro para desafiá-lo, de preferência. Que venham Lebron e Kobe. Que Messi e Neymar deem as caras como maiores de 23 anos em suas seleções, já que a proximidade com a Euro dificilmente permitirá que Cristiano Ronaldo e Iniesta pintem por aqui. 

Mesmo que nenhum desses astros consagrados desembarque por aqui, as Olimpíadas já nos mostraram que estrelas nunca estão em falta no firmamento do esporte. Durante esses quatro anos, atletas de ponta se firmarão e novos fenômenos surgirão. Com sorte, brasileiros estarão envolvidos nessa nova leva. Já dizia o clássico samba da Mocidade Independente: sonhar não custa nada. E o nosso sonho é bem real.


Pra não dizer que não falei dos espinhos...

O outro efeito imediato de acompanhar as Olimpíadas anteriores às quais o seu país se prepara para sediar é o sentimento de urgência. Será que dá tempo? Eclipsada  pelas obras da Copa do Mundo, a preparação para o Rio 2016 ainda não desperta tantas preocupações. O cronograma parece menos apertado, mas será que não é por estarmos olhando para o outro lado?

O orçamento já disparou, como noticia o site da ESPN Brasil, mostrando que o COB já vai ter de recorrer a dinheiro público. E nessa conta ainda nem entram as arenas de competição. Todas essas ficarão prontas, claro. Mas e a reforma do aeroporto? A modalidade urbana, como ficará? A baía de Guanabara vai ser apresentada ao mundo naquele estágio deprimente de sujeira? Vai ter sinal de celular para todo mundo? Onde todos os visitantes esperados vão conseguir hospedagem?

É com esse tipo de coisa que o cidadão brasileiro deve se preocupar. Não para não passar vergonha durante a Copa e as Olimpíadas, mas porque as melhorias interessam a nós mesmos. Nossa infraestrutura já estaria defasada, mesmo que não sediássemos nada. O preocupante é conviver com o temor de que fiquemos com muitas dívidas e nem vejamos esses problemas sanados. Que percamos essa oportunidade de ouro para dar um salto de qualidade de vida, não só na cidade do Rio de Janeiro, como no resto do país. Investimento sem legado (a palavra da moda) é gasto com o supérfluo.


Chegou a hora dessa gente dourada mostrar seu valor

E há também a questão esportiva. Em 2012, o Brasil bateu seu recorde de medalhas em Olimpíadas, mas foi uma melhora acanhada, ainda dentro da média das últimas edições. Sem contar que de um país que espera fazer bonito no ciclo seguinte, esperava-se uma melhora bem maior. O ponto positivo foi ver modalidades como o boxe, a ginástica e até o obscuro pentatlo moderno marcando presença no nosso quadro de medalhas. Por outro lado, o atletismo foi um fiasco, a natação depende excessivamente de dois ou três nomes... 

O que preocupa é que o investimento ainda é concentrado no atleta de elite, com alguma dedicação aos atletas já formados, que estão na fase do "vai ou racha". As olimpíadas escolares são muito bem vindas, mas não houve a massificação esperada.Os centros de treinamento nos ajudarão bastante, mas quem nos garante que não serão jogados às traças, como o velódromo construído para o Pan, de vida tão curta e vazia de emoções?

Preocupante também o descaso com o preparo psicológico de nossos atletas, que receberão toneladas de pressão nos ombros em 2016. Note que nossos campeões olímpicos eram dois atletas em estágio de afirmação, mas sem grande apelo midiático, e uma equipe que chegou desacreditada, se superando nos momentos decisivos. Nossos favoritos destacados não triunfaram. Em parte, porque encontraram adversários melhores, claro. Mas outros simplesmente não conseguiram fazer seu melhor.

Recorro mais uma vez ao samba composto para o carnaval de 1992, que dizia: "sonhar com a Mocidade é sonhar com o pé no chão". Que sonhar com o Rio de 2016 também seja, que a parte boa da coisa não fique restrita ao campo das ideias. Que os Jogos sirvam para reafirmar o orgulho de ser brasileiro, passar ao mundo a certeza de que estamos prontos para sediar qualquer grande evento e que nos traga ferramentas e estrutura para alcançar uma melhora sustentável no quadro de medalhas. 

Os pés no chão não são certeza de resultado. A escola de Padre Miguel, por exemplo, nem foi campeã naquele ano. Mas estar em dia com a realidade ainda é a melhor forma de acordar dos nossos sonhos encobertos apenas pelos lençóis, e não soterrados debaixo dos escombros da melancolia.

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