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O tenista Orlando Luz concedeu entrevista para o Surto Olímpico e contou sobre o melhor momento da sua carreira, as dificuldades no início sem apoio e com doença ocular, além de falar sobre não ter recebido convite para o Rio Open 2024. A entrevista foi gravada para o Surtocast e feita por Matheus Maia, Laura Leme e Carlo Saleme, confira a primeira parte da entrevista:
- Recentemente você alcançou a final de duplas do ATP 250 de Santiago, além de subir muitas posições no ranking de duplas nos últimos meses. Queríamos que você contasse um pouco para o leitor do surto, como que você começou no tênis, quais são as suas principais lembranças de quando você era criança?
Sou Orlando luz e comecei a jogar tênis antes mesmo de ter força para segurar uma raquete. Meu pai foi tenista também, não chegou a ser profissional, mais pela questão financeira, ele jogava super bem e tinha nível desde pequeno, treinava com Marcos Daniel que foi #50 do mundo, eles são bem amigos, a gente é de uma cidade muito próxima né, Carazinho e Passo Fundo.
Muito antes de eu realizar que o esporte era era minha profissão, começou com uma brincadeira, meu pai me levava todo dia para o treino com ele para dar aula, juntava a bola, brincava no saibro. Essa foi minha infância e fui pegando gosto, né? Não acho que não teve essa esse momento que eu escolhi jogar tênis, foi indo e a brincadeira foi virando profissão. Eu tive destaque muito pequeno com 12 anos, com 13 eu assinei o contrato com a Nike. Então é uma coisa, você não tem noção com a essa idade, né?
Você tenta entender o que tá acontecendo, mas na verdade que você só vai entender mais tarde e muitas vezes, até quando eu era quando eu era pequeno, minha mãe me levava para escola, para creche, a primeira série e o meu pai ia escondido me buscar e me levava pro clube, eu gostava muito. O tênis sempre foi uma brincadeira para mim e eu espero levar isso para o resto da minha carreira, espero não perder essa essência, essa vontade de estar dentro da quadra, porque eu acredito que se tu trabalha com alguma coisa que não te deixa feliz, é muito difícil viver um momento especial.
Vocês falaram da primeira final de ATP, espero que seja a primeira de muitas. Foi algo bem inesperado, eu quase não ia jogar e de repente recebo um convite de última hora da Federação chilena com parceiro chileno (Matias Soto) que nunca tinha jogado também, faço uma final, ganho jogos muito importantes. Faço semifinal contra o Marcelo Melo que é um ídolo para mim, foi até difícil jogar um pouco, até poder me situar dentro da quadra de estar enfrentando alguém que eu sempre tive como espelho e muito feliz que eu alcancei esse resultado, espero que seja só o começo do processo de evolução.
- Como que você enxerga essa aproximação do top 100 de duplas e retorno para os grandes torneios, você acha que a final em Santiago foi mesmo uma virada de chave?
Eu acho que foi, tô muito feliz de estar 113 no ranking agora, é perto do Top 100. Apesar de saber que o caminho é longo, não é fácil, tem uma diferença de pontos grande, tem que fazer bons resultados pra chegar no 100 e tentar buscar os Grand Slams esse ano. Santiago foi uma virada, mais do que o resultado, como eu comecei falando antes, foi a vitória contra o Melo na minha cabeça.
Até chegar na semifinal, eu tinha jogado contra jogadores que eu já enfrentei em Challengers, os meninos que eu joguei na primeira rodada que também era wild card, Buse e Huertas Del Pino, eu já tinha jogado com eles muitas vezes e sempre sobressaí, por mais que eu tava fazendo minha primeira semifinal, eu ainda tava com aquela dúvida se eu tinha um nível para estar ali, mas também sabia que tava preparado, né?
Eu treino todo dia para isso, a gente faz dieta, a gente faz físico, a gente treina. Quando viaja, tem psicólogo, a gente faz 200 coisas para estar preparado para esse momento, então só tem que confiar que tu fez tudo direito para ter o resultado. E aí quando eu entrei na quadra já contra o Melo, eu ainda tinha essa dúvida, né? Eu tô jogando contra o ídolo, um cara que eu cresci junto. Foi para 10 Copa Davis.
É junto com o cara que eu aprendi sobre dupla, aprendi sobre tênis, porque é um cara que viveu, ele foi simplista antes, é um cara que saiu lá de baixo, ele me contou histórias de futures na época que ele e o Belucci viajavam juntos, que não era fácil, que passaram 10 semanas na Europa sem ganhar um jogo, que não tinha um tostão no bolso. Então até 5/4 do primeiro set que eles estavam ganhando, eu não tava conseguindo jogar eu ainda tava nessa, não sei nem a palavra, mas era um respeito, e eu não conseguia jogar, não conseguia me soltar.
E aí foi nesse momento sacando que eu meti uma devolução um pouco melhor do que eu vinha fazendo e eu passei um jogo bem, foi um combo de jogadas para 5/5, e a gente tá no Chile, meu parceiro chileno, torcida também, já inflama, já torce, já grita e foi um momento que eu me soltei. A gente encaixou um nível de jogo que não não saiu mais do eixo e foi 7/6 6/2.
Tie-break a gente dominou, o segundo set a gente dominou, e quando acabou o jogo foi a primeira coisa que eu falei com o treinador e os meu pais, agora eu sinto que eu pertenço aqui, agora eu sinto que eu posso jogar com todo mundo, então acho que mais do que a final, as primeiras vitórias foi ganhar de alguém tão grande porque eu já venci a dupla n°1 do mundo, eu sei que eu tenho nível, mas ganhar de alguém que tu idolatra não é a mesma coisa, então acho que foi jogar o jogo com o Melo.
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- E como você pensa em auxiliar a carreira de simples e duplas? Você pensa em se dedicar mais as duplas a partir de agora, você tem isso assim na sua cabeça?
No começo do ano passado, eu decidi me dedicar as duplas, né? Eu tava 580, quase 600 em simples, tinha passado por um período que eu não ganhei tanto por causa das costas que tava me massacrando um pouco. E aí durante 2022 inteiro, eu fiquei nessa dúvida de o que eu faria. Então no Futures, mesmo campeão eu não subia no ranking, porque os pontos são poucos.
E aí eu falei, eu vou precisar jogar só simples nesses torneios para poder aguentar as costas, senão não consigo fazer os dois, eu não vou fazer nenhum bem feito, eu fui lá tentar buscar meu ranking de simples, fiz duas finais de Futures mesmo com dores ainda e depois ainda joguei mais alguns no Brasil.
E aos poucos, eu fui vendo que tava melhorando minhas costas então quando eu cheguei no Challengers, já tinha baixado no meu ranking pouquinho, comecei a jogar simples e tudo de novo, só que voltou a incomodar então quando acabou o ano de 2022 eu parei por questão de saúde, acho eu pensei que as duplas pudessem um caminho mais longe, a gente vê os tenista jogando até o 35, 36 anos em bom nível, mas a gente tá vendo Bopanna, caras que estão com 43 anos #1 do mundo, #2 do mundo, jogando Slam, eu vi que eu podia ter uma carreira mais duradoura nas duplas e com uma saúde boa também.
Decidi começar a fazer isso, estava 600 de simples e já tinha caído o meu rank para 220 de duplas. Comecei lá no Challenger de Piracicaba ano passado. Comecei a fazer resultados de simples ao longo do caminho mesmo me dedicando as duplas, né? Tive a maior vitória da minha carreira contra o Coria no fim do ano, que era top 100. E aí tive outra conversa e falei, "bom eu não vou voltar para os futures para fazer a mesma mesma história que eu tinha pensado antes, eu vou continuar nos Challengers jogando dupla, e todas as vezes que eu puder competir na simples, eu vou competir".
SURTE+: Surtocast com Orlando Luz
Esse foi o jeito que eu dei naquele momento e as coisas começaram a sair, comecei a fazer resultado de duplas, acabei o ano super bem, só que de novo conversamos e eu falei, "cara, não quero dar esse passo na simples, não vou largar que eu gosto de jogar." Estou bem ainda, tô 370 de simples, tem muito jogador brasileiro nessa faixa de ranking, tô no top 10 do Brasil hoje, se você fizer algum outro resultado, você já entra meio que top 5, o pessoal tá 250, 300 então eu vou continuar jogando os dois por enquanto, mas buscando jogar os torneios grandes.
O problema é que com a dupla você estando 100 do mundo, você ainda não consegue jogar os ATP's, é um outro que é um convite e você tem que fazer uma mágica. Ganhei convite (para Santiago) fiz final e ainda assim tá 113, mas agora eu vou seguir jogando Challengers, até porque eu não consigo jogar ATP no momento com o ranking que eu tenho, então vou jogar simples e vou jogar dupla.
Se caso acontecer de eu ter que jogar virado, como aconteceu em Bogotá, onde fiz final e viajei à noite inteira de avião, cheguei no outro dia e joguei em Campinas, que não me deram wild card - eu pedi, mas não sobrou. Aí eu furei o qualy ganhando do Coria, que foi a maior vitória da minha carreira em uma semana turbulenta. É essa a ideia por enquanto, mas se eu tiver que escolher entre jogar um Challenger ou jogar um ATP, eu vou jogar um ATP de dupla, isso é muito claro na minha cabeça, a minha ideia é uma carreira muito longa.
- Falando sobre o Rio Open, você não recebeu convite para a chave de duplas, tanto qualy, como principal, e acabou não participando do torneio, como você se sentiu, você já esperava, como isso te afetou?
Esperar, não esperava não. Eu fui para lá, eu tava no Rio Open, no primeiro momento eu fui com a ideia de jogar o qualifying com o Marcelo Zormann, a gente foi junto e tinha assinado com ele já. Chegando lá, eu fui na quarta-feira de noite, já para me preparar na quinta e na sexta, a gente sabia que para a gente jogar só com a questão do convite mesmo, porque por ranking seria difícil.
Na sexta-feira, a gente ficou sabendo que ele ia receber o convite com o João Fonseca no qualy, ele me avisou e eu entendi, eu não quero que os dois fiquem sem jogar, eu prefiro que um de nós jogue e eu falei, "não tudo bem, boa sorte". Assisti os dois jogos dele, tava lá torcendo, tava no box, além de parceiro ele é um dos meus melhores amigos.
E nesse meio tempo, o que acontece é que eu posso assinar com outra pessoa, então assinei o qualy com o Fernando Romboli, porque ele era o parceiro do Zormann em algumas semanas também, só que a gente também não tinha ranking para entrar, eu fiquei lá mais um dia para ver o que aconteceria, muitas vezes a gente dá sorte de última hora.
Aconteceu que o Rafael Matos tinha convite e de última hora, o Etcheverry se retirou das duplas e o Rafael tava um fora, então ele acabou entrando antes do prazo e ficou sobrando o convite dele, Romboli e eu pedimos e fiquei lá na sala dos jogadores esperando até o momento que sair a chave, numa pequena esperança, porque os duplistas que estavam ali era eu e Romboli mesmo, quando saiu a chave eu vi que tinha dado para o Romboli com o Wild.
Fiquei triste, né? Porque é o Rio open. O maior torneio que tem na América do Sul, mas é em casa, é no Brasil, uma atmosfera incrível, já joguei algumas vezes e tive boas sensações, tive a maior vitória da minha carreira de duplas, eu e Rafa Matos vencemos os ex-1 do mundo, Cabal/Farah. E não sei muito o que que dizer assim, foi uma opção do diretor do torneio. É ele que decide isso não não posso fazer nada sobre isso. Eu tava lá fiz minha parte.
Tentei pedir e não aconteceu fiquei triste, não tem como não ficar, tu quer jogar em casa, tu quer jogar na frente do teu público. São poucas oportunidades que a gente tem, hoje em dia a gente tá tendo alguns Challengers a mais, antigamente era dois Challengers no ano e eu até peguei 500. Então foi triste, voltei para casa, mas graças a Deus, recebi um convite no Chile muito mais inesperado que ganhar no Rio Open, não nunca nem tinha passado pela minha cabeça.
E aproveitei a chance aqui no Chile, como eu falei a gente treina, a gente faz dieta a gente se cuida a gente viaja para tá pronto para quando as chances aparecem, me deram uma chance aqui eu aproveitei, fiz um bom resultado e infelizmente não pude apresentar meu tênis lá no Rio.
- A gente buscou aqui que você passou por uma cirurgia ocular, isso pode ser atrapalhado sua evolução, e como é para você jogar de noite hoje em dia, sabemos que isso foi um problema no passado, para a sua adaptação profissional.
Meu problema é ceratocone, não é muito comum é algo genético, mas também desenvolve de você coçar o olho ou das alergias, por exemplo de poeira. Quando era pequeno ficava muito exposto e acaba que isso piora. O problema que tu tem acaba que dá um salto muito rápido na doença, que não deveria, que deveria ser cuidada, né?
Quando menor eu não tive esse cuidado infelizmente e sim atrapalhou. Não tem como negar, não enxergava a bola, é algo que vai piorando com o tempo, só que é normal acontecer com pessoas mais velhas, uma pessoa com 40 anos deveria ter a visão que eu tinha com 16, eu reclamava muito, eu falava pô, não tô enxergando, só que é uma época que eu ganhava todos os jogos e o que acontece quando tá ganhando e tu fala, as pessoas não te escutam, eu falava que não enxerguei bem e todo mundo tá bom, tudo bem.
E quando eu perdia era uma desculpa, toda vez que eu falava quando eu perdia alguém falava para de parar de dar desculpa, eu também tô falando quando eu ganhei vocês que não estão escutando, foi assim dos meus 16 ao 18. Quando eu fui tirar a carteira de motorista, eu reprovei no teste, eu não enxerguei nenhuma letra, o cara falou - preciso que você acerte uma letra - e eu falei a letra A, porque geralmente tem a letra A em qualquer lugar e eu fui reprovado.
Então foi ali que eu fui para o médico, eu cheguei no oftalmo e fiz exame o cara falou, "olha você tem uns dois meses no máximo, porque depois disso só transplante córneo para salvar tua visão", então eu joguei mais um mês, me preparei e fiz a cirurgia, essa operação acaba que ela piora sua visão no começo, demora 6 meses para você recuperar ruim que você já tinha, para depois poder começar a testar lente.
E a cirurgia que eu fiz não cura, não existe cura para o problema que eu tenho, ela só evita de ficar pior, em pessoas mais novas como eu a doença pode voltar a acontecer, eu posso voltar a ter que fazer essa cirurgia um dia. Se não for cuidado e às vezes mesmo cuidando pode acontecer. Então eu fiz a cirurgia, fiquei seis meses para recuperar.
Só que esses meses eu fui competindo mesmo sem condições, eu não queria parar, tentava e perdia, não conseguia ver a bola direito, depois foram mais quase um ano, tentando achar uma lente que se encaixasse, não existia, não tinham feito ainda, é um problema muito novo. Teve um torneio em Curitiba que eu fui jogar e eu só fui com uma condição.
Falei eu vou mas eu tenho que jogar de dia, se eu jogar de noite eu não vou, então ficou conversado isso, só que choveu e eu acabei tendo que jogava na quadra coberta, que é basicamente a mesma coisa de jogar de noite, é luz artificial. Eu não conseguia enxergar nada, o jogo durou menos de uma hora foi um completo fiasco, quando eu saí da quadra eu decidi parar de jogar tênis, falei pros meus pais, olha desse jeito, não dá enquanto eu não achar uma solução, eu nunca mais vou jogar tênis.
E aí eu resolvi dar uma entrevista, acho que ninguém sabia ainda direito do meu problema, ai eu dei uma entrevista acho que foi para o Globo Esporte, eu só fui e contei todo meu problema, falei o que acontecia, falei que eu tava sentindo e dois dias depois meu pai, professor de padel hoje em dia, disse que um dos alunos deles é oftalmo e o cara falou, "olha eu li toda a entrevista do teu filho e eu sou especialista no que ele tem".
Eu tenho uma lente que acabou de chegar faz uma semana, só que ela tá sobre teste ainda, se ele quiser experimentar, se ele quiser dar uma última tentativa, eu tô disposto a trabalhar com ele. Aí eu fui no consultório dele, foi mais de duas semanas fazendo teste todos os dias, chegava 9h e ia embora 16h da tarde, todos os dias fazia teste e experimentava a lente e trocava de lente, aí toda a lente demora uns 15 minutos para poder trocar e usar outra porque elas são feitas de vidro, a que eu uso hoje em dia é feita de vidro.
E então tipo foi duas semanas assim até que uma hora eu acertei, aí eu voltei para Espanha, só que as lentes não estavam prontas ainda e eu fui treinando enquanto isso. E aí uma pessoa que tava indo para lá levou eu botei a lente, os quatro torneios que eu joguei eu fui campeão, vice-campeão e semifinal, tipo da noite para o dia, eu atingir melhor ranking era uma coisa que não tinha explicação, eu simplesmente voltei a ver a bola.
E apareceu logo em seguida do resultado já, desde então eu ainda tenho um pouco de dificuldade para jogar em quadra coberta, jogar de noite, mas não é como era antes, que não enxergava a bola, por exemplo, não é o melhor para mim, mas eu consigo competir em alto nível. Tanto que quando ganhei do Cabal/Farah foi de noite, joguei jogos importantíssimos de noite, hoje em dia já não tem esse problema, antigamente se a programação saísse e eu jogava de noite, eu já tinha perdido.
Surto: Orlando para a gente finalizar e deixar você descansar, a gente quer fazer um bate-bola rapidinho, vou fazer uma perguntinha e você responde com a primeira coisa que vê na sua cabeça, pode ser?
S: Saibro, grama ou dura?
O: Saibro.
S: Nadal, Federer ou Djoko:
O: Federer.
S: Um esporte sem ser o tênis?
O: Padel.
S: Comida favorita?
O: Sushi.
S: Se você não fosse tenista, o que você seria?
O: Acho que eu trabalharia com marketing, alguma parte assessoria de atletas.
S: Torneio dos sonhos?
O: Participei dos quatro maiores, que era o meu sonho, mas ganhar Roland Garros, pela história do Guga.
S: Um(a) tenista brasileiro(a) que você admira?
O: Thiago Monteiro e Rafael Matos.
S: Um hobby?
O: Eu assisto muita série, gosto de descansar.
S: Uma vitória marcante na sua carreira?
O: Contra Cabal/Farah ao lado do Rafael Matos.
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