Narração: Luciano do Valle, Marco Antônio Mattos, Álvaro José, Jota Júnior e Januário de Oliveira
Comentários: Tostão, Gérson e Rivellino (futebol masculino/futebol feminino), Paulo Russo e Montanaro (vôlei masculino/vôlei feminino), Hélio Rubens (basquete masculino/basquete feminino) e Álvaro José (várias modalidades)
Reportagens: Gílson Ribeiro, Fernando Fernandes, Octávio Muniz, Oswaldo Pascoal e Luciano Júnior
Apresentação: Elia Júnior, Silvia Vinhas e Cléo Brandão
Participação: Armando Nogueira
Sim, a Bandeirantes ainda tinha poderio para investir no esporte. Sim, o espaço a ele ainda era generoso na programação do canal da família Saad. Todavia, pouco a pouco, as coisas iam mudando – e para pior – na emissora paulistana do bairro do Morumbi. Para começo de conversa, alguns símbolos do “canal do esporte” já não estavam mais lá em 1996: dois anos antes, o comentarista Juarez Soares (1941-2019) decidira ir para o SBT, rompendo 25 anos de parceria profissional com Luciano do Valle, de quem seguiu amigo. Em 1995, o próprio Luciano deixara a direção de esportes da Band: Juca Silveira se tornara seu sucessor, enquanto o paulista de Campinas se “restringia” (bote aspas nisso) à narração e apresentação, mesmo sendo o grande símbolo esportivo bandeirantino na frente das câmeras. No começo daquele 1996, Silvio Luiz era outra perda sentida: o narrador decidira se transferir para ser a principal voz do esporte no SBT. E não era só ele: também no princípio daquele ano olímpico, o comentarista Mário Sérgio (1950-2016) e os repórteres Eli Coimbra (1942-1998) e José Luiz Datena tomaram o rumo da TV Record.
Para piorar, embora ainda fosse maior do que se via nas concorrentes, o espaço do esporte na Bandeirantes começava a diminuir. Sim, seguia imperturbável e simbólico o Show do Esporte, aos domingos, das 10h às 20h, com vários eventos de grosso calibre (e programas marcantes, como o Gol, o grande momento do futebol, que Alexandre Santos criara e apresentava). Porém, justamente no começo daquele ano, o Esporte Total diário fora extinto – e a Faixa Nobre do Esporte noturna até seguia, mas só às terças, quartas e quintas. E houvera ainda demissão de funcionários do departamento, atrás das câmeras. Mas Juca Silveira tentava explicar, à Folha de S. Paulo de 25 de fevereiro de 1996: “Continuamos com o Band Esporte aos sábados e com o Show do Esporte aos domingos, que foi o modelo de programa longo criado por nós. Mas queremos conquistar também os públicos feminino e infantil. Por isso, voltamos com as novelas”. Pois é: a Bandeirantes começava a querer não ser tão “canal do esporte” como vinha sendo desde os anos 1980.
Porém, a força e a tradição ganhas pela emissora nos grandes eventos esportivos era gigante naquela “era Luciano do Valle”, e jamais seria descartada. Por isso, os trabalhos de preparação rumo a Atlanta-1996 tiveram a força financeira e propagandística, chamarizes de audiência que continuavam sendo. No futebol, o Pré-Olímpico de Tandil (Argentina) foi exibido; no basquete masculino, chegou-se a mostrar um amistoso preparatório entre Brasil e Estados Unidos, em 7 de julho de 1996, 12 dias antes da abertura dos Jogos; sem contar a tradicional abertura dada pela Bandeirantes ao vôlei. As anuidades pagas à OTI estavam em dia, os anunciantes conseguidos possibilitaram que a parcela pelo rateio dos direitos de transmissão das Olimpíadas fosse paga sem muitos problemas, e o canal dos Saad pôde se preparar para mais uma edição de Jogos.
Na questão tecnológica, o poderio viria a partir do aluguel de dois satélites (um deles, de reserva): eles permitiriam que imagens de Atlanta fossem enviadas a qualquer hora do dia ou da noite, diminuindo demais o perigo de queda no sinal da Band. E por mais que o espaço do esporte fosse sendo diminuído na emissora dos Saad, ela obviamente se valeria da ampla tradição esportiva que ganhara naqueles anos todos. Coordenador da cobertura, Juca Silveira apregoava à Folha de S. Paulo, em 7 de julho de 1996: “Tudo fica suspenso por causa da Olimpíada [sic]. Vamos estar transmitindo direto desde o primeiro evento da manhã até o último da noite”. Dito e feito: seriam cerca de 17 horas de transmissões olímpicas da Bandeirantes. Muito trabalho para os cerca de 80 enviados da emissora para os trabalhos no centro de imprensa em Atlanta.
(Propaganda anunciando a cobertura da TV Bandeirantes para os Jogos Olímpicos de 1996)
Entre os enviados, o grande símbolo da Bandeirantes era óbvio: Luciano do Valle, novamente narrador das principais disputas – e um dos âncoras da cerimônia de abertura no Centennial Olympic Stadium, em 19 de julho. Sem Sílvio Luiz, crescia a importância dos outros locutores naquela cobertura. Já reconhecido pelas narrações marcantes (e pelos bordões também) nos jogos de vôlei, Marco Antônio Mattos (1939-2004) apareceria bastante dando voz às partidas daquela modalidade nos Jogos. Também nome certo e experimentado na Bandeirantes, Jota Júnior também seria o locutor de vários esportes naquelas Olimpíadas. Célebre pelas transmissões dos jogos do Campeonato Carioca de futebol, turbinados por seus vários bordões (de “’taí o que você queria” a “é disso que o povo gosta”), o gaúcho Januário de Oliveira (1939-2021) também iria a Atlanta para narrar vários esportes – com destaque para o futebol feminino. Álvaro José, então, repetiria a onipresença na Band: pela quarta edição olímpica seguida, o paulistano se alternaria entre narração e comentários, em várias modalidades: ginástica artística, natação, atletismo, basquete... E se mostrava otimista à supracitada matéria da Folha: “Tenho certeza de que o Brasil terá ótimos resultados”. Alguns deles, inclusive, teriam a locução dele.
Nos comentaristas, a Band alternaria nomes conhecidos e novidades. Entre as vozes habituais do canal para analisar as modalidades, Roberto Rivellino figuraria nos jogos de futebol (principalmente o masculino), Gérson figuraria mais no futebol feminino, e o professor Paulo “Russo” Sevciuc analisaria as partidas de vôlei – masculino e feminino. Mesmo que nunca tivesse participado de uma cobertura olímpica da Bandeirantes, Hélio Rubens já tinha a passagem pela Globo, comentando o basquete em Seul-1988 – isso, mais a experiência do ex-jogador e treinador paulista em dois torneios olímpicos, o credenciava a ser o comentarista da emissora para o bola-ao-cesto, nos homens e nas mulheres. Entre os nomes que apareceriam pela primeira vez comentando, a Bandeirantes teria um nome com ampla experiência olímpica: Montanaro, um dos símbolos da Geração de Prata do vôlei masculino, já comentando os jogos da seleção masculina desde 1993, seria outro comentarista na cabine, ao lado de Paulo “Russo”.
Finalmente, para o futebol masculino, além de Rivellino, estaria Tostão. Após ser forçado a encerrar a carreira de jogador em 1973, pelos problemas oculares que vivia desde o descolamento de sua retina em 1969, Eduardo Gonçalves de Andrade preferira mudar de vida: dedicou-se à formação e à carreira na medicina. Sem aparecer publicamente, havia quem acreditasse que “Tusta” renegava seu tempo no futebol – não era verdade: ele apenas deixara o esporte como assunto secundário em sua vida. Até o começo da década de 1990, quando foi paulatinamente se reaproximando dos campos. Na Copa de 1994, Tostão foi a grande novidade da Bandeirantes, estreando na função de comentarista. Recebeu elogios. E repetiria a dose no torneio olímpico de futebol masculino, dividindo a cabine com Luciano do Valle e Rivellino.
O reportariado traria mais nomes habituais do esporte bandeirantino naquele ano, que se dividiriam. Octávio “Tatá” Muniz ficaria mais vinculado ao futebol masculino; Oswaldo Pascoal, Luciano Júnior (que não é filho de Luciano do Valle, ao contrário do que a lenda urbana diz) e Gílson Ribeiro acompanhariam mais modalidades Atlanta afora. A única novidade viria com um paulista, que voltava de uma estada em Portugal para se tornar um dos principais repórteres esportivos da Band: Fernando Fernandes, também trabalhando no futebol durante aqueles Jogos. Finalmente, entre os apresentadores, viria outro revezamento: Elia Júnior ancoraria os programas e as transmissões das disputas olímpicas do centro de imprensa em Atlanta, enquanto Cléo Brandão e Silvia Vinhas ficariam nos estúdios em São Paulo, auxiliando Elia no comando dos programas daquela cobertura. Alguns programas, especialmente dela – como o matinal Atlanta Chamando, por volta das 9h de Brasília, apresentado por Elia Júnior como um “abre-alas” do que viria no dia olímpico. Outros habituais, como o Show do Esporte já então velho de guerra.
Outro programa voltaria à baila em Atlanta. Se o Atlanta Chamando abria os trabalhos da Band naqueles Jogos, o Apito Final os fechava, no fim de noite (por volta da meia-noite, no horário de Brasília). Todavia, somente um convidado estaria na mesa comandada por Luciano do Valle: Armando Nogueira (1927-2010) manteria a colaboração com a Bandeirantes nos grandes eventos esportivos, sendo um debatedor do programa. De resto, apenas os outros comentaristas dos esportes (Paulo “Russo”, Hélio Rubens, Montanaro e Tostão) frequentariam a mesa. Entretanto, o tom historicamente descontraído do Apito Final seguiria, mesmo com poucos convidados.
(Trecho do Apito Final exibido pela TV Bandeirantes em 3 de agosto de 1996, penúltimo dia dos Jogos Olímpicos de Atlanta, comandado por Luciano do Valle, com os comentários de Paulo “Russo”, Tostão, Armando Nogueira, Montanaro e Hélio Rubens. Postado no YouTube por Bruno Cabral)
Iniciadas as Olimpíadas, demorou pouco para Álvaro José despontar, de novo, como um dos grandes nomes da cobertura, pela capacidade de falar com profundidade sobre qualquer modalidade do programa olímpico. O que fazia com que sua voz estivesse em vários momentos decisivos em Atlanta, com brasileiros ou não. A prata de Gustavo Borges nos 200m do nado livre masculino? Lá estava Álvaro José narrando pela Bandeirantes, em 20 de julho de 1996. A final do solo na ginástica artística feminina, em 29 de julho de 1996? Pois Álvaro deu voz a ela na Band, no Georgia Dome, horas após o Brasil 4x2 Gana das quartas de final do futebol masculino, com Elia Júnior ancorando inicialmente dos estúdios. Habituado às transmissões do basquete – afinal, cobrira boa parte dos play-offs decisivos da NBA naquela década -, vez por outra ele também apareceria no bola-ao-cesto olímpico. E novamente presente no atletismo, coube ao jornalista paulistano narrar na cabine do Centennial Olympic Stadium momentos como o ouro de Donovan Bailey nos 100m masculinos e o bronze brasileiro no revezamento 4x100m. Claro, vieram elogios merecidos. Como os de Alberto Helena Júnior, em sua coluna na Folha de S. Paulo de 24 de julho de 1996, evocando o sobrenome menos conhecido de Álvaro José Paes Leme de Abreu: “Medalha de ouro para Álvaro Paes Filho, o Alvinho da Bandeirantes, que parece ser o único que entende do que fala, quando se trata de outros esportes”.
(Final do revezamento 4x100m no atletismo masculino, nos Jogos Olímpicos de 1996, na transmissão da TV Bandeirantes, com a narração de Álvaro José. Postado no YouTube por HelNascimento)
No vôlei, havia certo revezamento. Entre os homens, nos jogos do Brasil, obviamente aparecia nas transmissões da Bandeirantes o trio Luciano do Valle-Montanaro-Paulo Russo. Mas tal trio se alternava com Marco Antônio Mattos. Eliminada a seleção de José Roberto Guimarães, o locutor paulista de Barretos – discreto, mas parte memorável da época “canal do esporte” desde que chegou à Bandeirantes, trazido por Luciano do Valle em 1986 – teve a sorte grande e merecida: foi na voz de Marco Antônio que a Band exibiu a medalha de ouro da Holanda no vôlei de homens, no último dia dos Jogos em Atlanta.
(Trecho de Holanda 3 sets a 2 na Itália, na final do torneio de vôlei masculino, nos Jogos Olímpicos de 1996, na transmissão da TV Bandeirantes, com a narração de Marco Antônio e os comentários de Paulo Russo)
Já no vôlei das mulheres, a coisa se alternava mais. Claro, Luciano do Valle e Paulo Russo eram a dupla certa de muito tempo na maioria dos jogos – por exemplo, nos 3 sets a 1 sobre Cuba, em 22 de julho, e nos 3 sets a 0 na Rússia, em 24 de julho, na primeira fase. Porém, se a partida era menos exigente, outros locutores comandavam a transmissão da Bandeirantes – como fez Jota Júnior nos 3 sets a 1 brasileiros na Alemanha, último jogo da fase de grupos, quando o time de Bernardinho (e Fernanda Venturini, e Ana Moser, e Ana Paula, e Márcia Fu, e Virna, e Leila, e Ida...) já estava classificado. Naquela campanha, inclusive, Paulo “Russo” virou piada na boca de alguns espectadores: seus elogios à seleção feminina da Rússia tinham um carinho todo especial por Tatyana Gracheva, um dos destaques da equipe treinada por Nikolai Karpol. E assim, se chegou à histórica semifinal entre Brasil e Cuba. Com os 3 sets a 2 cubanos e a célebre briga após o ponto final sendo descritos por Luciano do Valle e Paulo Russo com a calma possível – e até incomum, na nitroglicerina que tomou conta do ambiente no Omni Coliseum de Atlanta.
(Trecho final do tie-break em Cuba 3 sets a 2 no Brasil, semifinal do torneio de vôlei feminino nos Jogos Olímpicos de 1996, na transmissão da TV Bandeirantes, com a narração de Luciano do Valle e os comentários de Paulo “Russo”. Postado no YouTube por Robson Ferrera)
De resto, embora outros narradores aparecessem – coube a Januário de Oliveira narrar o ouro dos Estados Unidos no basquete masculino, por exemplo -, Luciano do Valle era a voz da Bandeirantes para a maioria dos momentos marcantes do Brasil. Por exemplo, foi do paulista de Campinas a narração para a decisão de Jacqueline/Sandra contra Mônica/Adriana, no vôlei de praia feminino. Foi dele a narração para outro momento de um esporte que ele tão bem acompanhou: a campanha do basquete feminino, levando o Brasil à prata, tendo como destaques as duas jogadoras que ele rebatizou para o público brasileiro. Afinal, de Luciano partiram os apelidos “Magic Paula” e “Rainha Hortência”.
(Minutos finais de Brasil 81x60 Ucrânia, semifinal do torneio de basquete feminino nos Jogos Olímpicos de 1996, na transmissão da TV Bandeirantes, com a narração de Luciano do Valle)
E também foi de Luciano, obviamente, a voz para as partidas do Brasil no torneio de futebol masculino. A fase de grupos (a derrota para o Japão, as vitórias sobre Hungria e Nigéria), as quartas de final com o triunfo sobre Gana... e o histórico 4 a 3 da Nigéria na semifinal. Com o “gol de ouro” de Nwankwo Kanu narrado de modo simultaneamente emocionado e elegante por Luciano: “Acabou! Golden goal da Nigéria! Kanu!”, estendido com elogios às Super Águias que buscariam o ouro.
(Gol decisivo de Nwankwo Kanu, em Nigéria 4x3 Brasil, pela semifinal do torneio de futebol masculino nos Jogos Olímpicos de 1996, na transmissão da TV Bandeirantes, com a narração de Luciano do Valle)
Enfim, por mais que o espaço e o investimento para o esporte diminuíssem, a Bandeirantes ainda fizera cobertura digna de sua tradição em Atlanta. Para 2000, as mudanças seguiriam tirando o poder de fogo do “canal do esporte”. Que – pode-se dizer – teria o último capítulo daquela fase de sua história em Sydney.
A equipe da Bandeirantes em Atlanta, para o “Apito Final” da cerimônia de encerramento. Na mesa, da esquerda para a direita: Montanaro, Hélio Rubens, Gérson, Luciano do Valle, Armando Nogueira, Tostão e Paulo Russo (Arquivo)
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