Por Wesley Felix e Luís Fellipe Borges

Há exatos quatro anos, eram iniciados os Jogos da XXXI Olimpíada, no Rio de Janeiro. Naquele 05 de agosto de 2016, uma cerimônia de abertura de lavar a alma dos brasileiros deixou os estrangeiros vislumbrados com as boas-vindas dos anfitriões e mostrou para todos que o Brasil estava preparado para receber o maior evento esportivo do planeta, mesmo que de forma imperfeita.

Comemorando esta data especial, o Surto Olímpico entrevistou o diretor de cerimônias do Comitê Rio-2016, Leonardo Caetano, principal responsável por coordenar os detalhes da celebração, para relembrar momentos marcantes daquela noite mágica, conhecer os bastidores e comentar as polêmicas que envolveram a celebração. Ele também revelou alguns segredos.

Apesar de ter sido um verdadeiro espetáculo, precisamos lembrar que a cerimônia foi cercada de incertezas à época, muito por conta dos cortes de orçamento enfrentados pelos Jogos do Rio como um todo (cerca de R$ 46 milhões foram gastos na cerimônia), após os altos custos das duas edições olímpicas anteriores. Isto obrigou Caetano e seus comandados a se reinventarem.

"Queríamos fazer uma cerimônia mais memorável que a de Londres, mas desde o início nós sabíamos que teríamos um orçamento da ordem de 30% do que foi utilizado na ocasião. Era um orçamento menor porque nós somos brasileiros, moramos em um país que atravessa diversas dificuldades econômicas, mas também muito porque os Jogos do Rio seriam muito mais baratos", explicou ele. 

Leonardo Caetano (Anna Fishcer/Veja)

"Nós nunca entendemos isso como um desafio à criatividade. Eu prefiro ter um país que interessa todo mundo, que tem uma cultura super rica, que todo mundo quer fazer parte dessa festa, do que ter um país  com dinheiro infinito, mas que as pessoas não tenham interesse naquela cultura. O Brasil não tinha tanto dinheiro, mas tinha gerado esse interesse e tem uma cultura rica o suficiente pra sustentar quatro horas de espetáculo com todo mundo se divertindo", opinou.

O processo criativo
Carioca, de Madureira, Leonardo tem no currículo passagens por gigantes multinacionais, como a Fox  (diretor afiliado) e a Oi (telecomunicações), tendo chegado ao cargo de "chefão" das cerimônias em 2012, após conversas com uma headhunter. Seu trabalho começou logo na sequência, indo à Olimpíada de Londres como um observador do Comitê Olímpico Internacional (COI). Ele chegou a trocar experiências com o diretor da cerimônia de abertura daquela edição, Danny Boyle

Então, o diretor precisou passar por três etapas do processo criativo inicial. Primeiro, reviu as cerimônias de abertura olímpicas anteriores, a fim de evitar repetições e manter uma "linearidade narrativa". Na sequência, montou grupos criativos com pessoas de diversas classes, para entender as projeções do brasileiro sobre sua própria cultura.

Por fim, com um esboço em mente, escolheu os diretores específicos para atuarem em cada área. "Nós temos caras pra cada tipo de cerimônia. E quando entendemos que a nossa teria um viés estético muito brasileiro, mas também ia ter um storytelling, acabamos por escolher o trio: Fernando (Meirelles), Daniela (Thomas) e Andrucha (Waddington). Cada um tinha uma missão", disse.

Leonardo Caetano e a equipe diretiva das cerimônias Rio 2016 (Leonardo Filipo/ge)


Cerimônia fora do Maracanã?
Passada a parte organizacional, a equipe pôs a "mão na massa" e deu início ao planejamento da cerimônia. Se deparando com o corte de orçamento, buscaram diversas alternativas para enxugar os gastos e tornar as ideias iniciais viáveis. O grupo chegou a cogitar tirar a celebração do Maracanã e realizá-la na Enseada de Botafogo, em frente ao Pão de Açúcar

"Fizemos um estudo, mas acabou não indo para frente. Faríamos uma pequena arquibancada central e deixar aberto para o público nas laterais, como em um grande Reveillon. Isso teria mil implicações de segurança, seria bem complexo", detalhou Caetano. 

Algo que foi pensado para ser uma economia financeira acabou tornando-se muito mais caro do que realizar uma cerimônia convencional. "Faríamos um show na água, com projeções, mas era muito mais caro. A construção da estrutura temporária, de um palco sobre areia e água, do sistema de projeções, seria um investimento alto demais", disse.

Enseada de Botafogo (Leandro Ciuffo/Flickr)

Fugir do Maracanã era o que os organizadores mais queriam a principio. Por ter sido projetado para receber partidas de futebol, o estádio possuía recursos limitados do ponto de vista técnico - como a presença de poucos túneis largos -, e sua estrutura era incapaz de receber o peso de um evento de tamanho porte. No entanto, as adversidades foram transformadas em novos motivos para se reinventar.

"O Maracanã foi uma dificuldade, mas também foi uma vantagem. É curioso falar isso. Todo estádio olímpico de abertura tem o campo de jogo e tem a pista de atletismo em volta. O Maracanã, não. Isso significa que o nosso estádio também era menor. Então, se o estádio é menor, significa que podemos gastar menos dinheiro para colocar gente, elementos cenográficos. Nesse aspecto, ele contou a favor", confessou

Para esses problemas, o grupo diretivo encontrou soluções que tornaram o espetáculo ainda mais memorável: a incorporação de projeções; criação de uma área escura ao redor do campo, onde os elementos eram escondidos (espécie de teatro japonês); a verticalização com a utilização das arquibancadas, na  construção da Cidades de Caixas (também serviu como "camarim"); e o hasteamento de quatro pilares do lado externo ao estádio, responsáveis pelo voo do 14-bis.

Cidade de Caixas ao 'anoitecer' (Reprodução/YouTube)

A cerimônia 100% brasileira
Caetano contou que a ideia principal foi realizar uma cerimônia cem por cento nacional, utilizando uma tríade como base: sorriso, jardim e inventividade, a fim de destacar o jeito único do brasileiro, "à parte do resto do mundo", a natureza exuberante local e a "gambiarra" típica do brasileiro. Os detalhes foram utilizados também para que os brasileiros no estádio se identificassem, como explicou o diretor:

"Cerca de 95% da audiência está pelo mundo, não está no estádio. Por isso, você tem que fazer um show pensando nos takes (cenas). Por outro lado, se você não emociona o estádio, dificilmente você vai conseguir passar essa emoção. Nós sempre ficamos entre esse meio de caminho, usamos muito a televisão no sentido de saber os takes, mas queríamos um povo animado, pulando e interagindo e isso seria fundamental, porque todos esperavam da cerimônia brasileira menos cerimônia e mais festa".

Todas essas coisas foram mantidas em segredo. Afinal, a surpresa é o principal elemento do espetáculo olímpico. "O segredo de uma Olimpíada é o vazamento seletivo. Você usa a imprensa a seu favor nesse sentido. Há coisas que tem interesse que vazem, às vezes porque você não tá tão seguro. 'Anitta vai tocar com o Caetano e com o Gil. Será que o público vai gostar disso? Solta uma notinha aqui, vamos ver como reagem'. Funciona nesse sentido", admitiu.