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Coluna Surto Mundo Afora: Profissionais explicam como atletas olímpicos enfrentam o isolamento social nos preparativos para Tóquio


Por Bruno Guedes
Enquanto a Covid-19 segue ceifando vidas pelo mundo todo e o medo de que uma nova onda ocorra, o esporte se prepara para a sua volta. Em alguns países a liberação já aconteceu, mas muitas perguntas ainda seguem sem respostas sobre o futuro dos atletas, infectados ou não. A coluna Surto Mundo Afora ouviu especialistas na preparação olímpica para entender como os competidores estão enfrentando o momento delicado entre cuidados com a saúde e os treinos.

Diversas foram as competições suspensas ou canceladas em 2020, sendo a maior delas as Olimpíadas de Tóquio. Adiada para o julho do próximo ano, milhares de atletas tiveram suas preparações comprometidas e também perda de patrocínio. Junta-se a isso o fato de muitos estarem em isolamento e parados. No esporte de alto rendimento a inatividade pode causar diversos problemas e os treinos em casa nem sempre conseguem atingir a qualidade necessária para um padrão olímpico.

Os meses que antecedem às Olimpíadas estão entre os principais, já que todo o ciclo de quase quatro anos entra na reta final e os competidores precisam ainda encarar a ansiedade pelos resultados. Em muitos casos nem mesmo classificados para os Jogos Olímpicos ainda estão, aumentando a pressão sobre seus ombros.

É por tal razão que a pandemia do novo coronavírus atingiu em cheio estes personagens. Alijados de toda a estrutura que o esporte de alto rendimento oferece, muitas modalidades literalmente pararam, sem nem mesmo conseguir manter uma preparação mínima na quarentena. E é de dentro de seus lares que a maioria dos aspirantes às medalhas olímpicas têm trabalhado. Entretanto, tal formato de treino além de derrubar a qualidade da preparação, pode afetar todo o ciclo que vem desde as Olimpíadas do Rio.

Victor Hugo Germano, formado em Educação Física pela UFRJ e que trabalhou com atletas brasileiros na preparação para a Rio 2016, afirma que há muitas diferenças entre um treino no espaço apropriado e o feito no lar: "Em casa você talvez não consiga reproduzir alguns movimentos com a mesma intensidade que faria num ambiente bem preparado, bem estruturado para isso", explica.

Esta paralisação afeta diretamente na capacidade física dos atletas, onde a repetição dos exercícios e as práticas são cruciais para o alto rendimento. "A parada é ruim porque é muito difícil você chegar à rotina de treino normal. Altera tudo, principalmente a vertente psicológica. Não podemos separar o aspecto físico do mental, um depende do outro o tempo inteiro. Vai ter uma diminuição da capacidade física para sustentar os movimentos, as ações que um atleta faria normalmente", ressalta Victor, que também teve passagem pela Universidade do Porto, referência no estudo acadêmico e prático do esporte na Europa.

Atualmente trabalhando com atletas de base, o profissional destaca que a reavaliação de tudo que foi feito é uma dos panoramas. Entre os maiores problemas está o de manter a saúde mental à altura dos competidores olímpicos. Parte importantíssima da preparação dos esportes de alto rendimento, a psicologia é quem mais vem atuando neste período de isolamento social sem data para o fim.

Quem faz coro com essa visão é Anna Paula Rocha Maia, psicóloga do esporte e clínica, e que atua nos esportes olímpicos do Fluminense. Para ela, a parte psicológica pode ser um problema a mais nas incertezas sobre o esporte pós-pandemia: "Essa paralisação interfere sim porque sentem falta das competições. Eu tenho uma atleta que está buscando vaga para as Olimpíadas e foi tudo cancelado. Isso gera ansiedade, estresse...", revela.

Anna, que também é gestora do Mundus Esportivus Consultoria e Capacitação, ressalta que o trabalho no controle emocional durante a quarentena é importante. "A gente trabalha com meditação, respiração, toda essa parte que ajuda no controle da ansiedade", afirmou em entrevista à coluna. Segundo ela, há também a parte individual de cada modalidade que deve ser levado em conta na hora da readequação dos treinos atuais.


Enquanto alguns treinam em casa, ela ressalta que também há um cuidado com a parte mental assim como a física para o atual momento. Anna destacou o trabalho permanente mesmo durante o isolamento social: "Dentro do que venho fazendo desde o momento em que entramos na quarentena, que foi no dia 16 de março, minha equipe continua atendendo todos de forma online. Então eles estão tendo esse apoio que é muito importante”, disse ao citar maneiras de manter uma qualidade na preparação.

A psicóloga desenvolveu uma rotina através de cartilha, para que os atletas mantivessem o foco: “Inclusive nós montamos uma cartilha para eles e com isso eles estão se sentindo mais acolhidos, passando bem por esse momento. Mas se isso não for bem trabalhado, pode até levar a uma depressão.", revelou enquanto aguarda o fim da pandemia.

Nas últimas semanas, como parte da flexibilização das regras de isolamento social, alguns países liberaram as atividades esportivas. Casos da Holanda e sua Seleção de Hóquei na Grama, que treina desde o dia 11 de maio; da Alemanha que retomou a Bundesliga, principal liga de futebol do país, desde o dia 16 de maio; da Suíça que autorizou a volta a partir do dia 6 de junho, além de Espanha e Itália que começam a voltar aos treinos de diversas modalidades.

Muitos atletas olímpicos foram diagnosticados com a Covid-19. Casos do jogador de basquete Kevin Durant, o atacante de futebol Paulo Dybala e o tenista brasileiro Thiago Wild. Além do temor por uma volta antecipada poder gerar contaminações em massa entre os desportistas, a própria capacidade física deles é afetada por conta do coronavírus, causando perda de massa muscular e ainda desconhecidas sequelas na parte pulmonar.

É por este momento em aberto sobre o futuro que Victor Hugo vê com cautela o próximo passo, ainda que seja difícil estabelecer um equilíbrio na preparação: "Também não sei se é vantagem forçar a volta e querer treinar. Treino para o quê? Para manter em forma? Se for, há diversas atividades possíveis em casa. Faz muita diferença a prática, é claro, mas quando você tem um objetivo, principalmente uma situação segura. Ver seus companheiros, ver sua comissão técnica, isso tudo interfere até no moral. Porém tem que pesar se vale a pena agora ou não ", afirmou.

E se há preocupação com o tempo perdido e o trabalho de quase quatro anos prejudicado, a volta às atividades assusta ainda mais. Além da falta de apoio financeiro que muitos atletas terão, já que a economia sofreu um baque, o reinício pode ser do zero para alguns. E a falta de uma data é um agravante, haja vista que os profissionais não sabem quanto tempo terão para preparar seus competidores. É o que alerta Victor:
"Vai muito de como a gente conseguir repetir ações exigidas por cada modalidade, sendo que não as praticamos há muito tempo. A preocupação grande vai ser com lesões, porque o corpo tem uma memória muscular. Ele sabe até o ponto onde pode ir, mas sem os treinos agora seja capaz de chegar onde estava adaptado”, explicou Germano. E destacou que precisará haver uma readaptação: “Pode ocorrer um conflito entre as variações do que você quer fazer e o que você pode fazer. Os atletas não vão conseguir desempenhar tudo o que fazia antes. Haverá um período de adaptação neuromuscular e já no meio das competições", finalizou.

É a mesma opinião da Anna: "A questão é que nada vai ser como antes. Esse é o primeiro passo, aceitar. O segundo, para quando voltar, é ter paciência para chegar à performance que tinha antes. Isso vai gerar frustração, porque não vai acontecer. Estamos trabalhando muito essa parte do processo e ir traçando metas para essa volta. Para voltar bem tanto psicologicamente, quanto fisicamente.", mostrando o quanto a parte psicológica influencia o desempenho dos atletas.

Ainda é incerto quando o calendário mundial vai conseguir se reorganizar. Até mesmo as Olimpíadas, reprogramadas para julho de 2021, estão sob as sombras de uma segunda onda que possa atingir o planeta. Enquanto isso, atletas e profissionais buscam uma solução mínima para manter uma rotina próxima da que tinham antes. E torcedores aguardam a volta dos ídolos. Mas é Victor Hugo quem resume o momento atual: “A única solução agora é estarmos em contato direto para manter o foco. E esperar”, finaliza.
Foto: Divulgação

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