Últimas Notícias

Coluna Imagens do Esporte: Relações históricas entre os Jogos Olímpicos e o Audiovisual


O cinema e os Jogos Olímpicos possuem uma curiosa história em paralelo. Ambos nasceram para o mundo praticamente ao mesmo tempo, em uma busca incessante típica do fin-de-siècle pelo suposto progresso humano, seja através do manuseio e criação de tecnologias, seja através de esforços com o próprio corpo: Enquanto os irmãos Auguste e Louis Lumière fizeram várias exibições públicas e privadas de seus filmes em 1895, outro francês, o Barão Pierre de Coubertin passou o ano auxiliando nos preparativos para os Jogos da I Olimpíada, que aconteceriam em Atenas entre 6 e 15 de abril de 1896.

Ainda que ambos tenham sido sido uma invenção da burguesia do século XIX, suas origens remontam a períodos muito mais distantes. Os Jogos Olímpicos refletem basicamente o surgimento do esporte como forma de lazer no século XIX, mas encontrou uma tradição nos Jogos Olímpicos da antiguidade– de onde encontrou a origem do próprio nome –, que duraram mais de um milênio, de 776 AC a 393 DC (datas disputadas entre historiadores, evidentemente). Enquanto isso, o cinema também bebeu de várias fontes antes da exibição clássica de 28 de dezembro no Grand Café de Paris: seja a lanterna mágica, câmera obscura e outros truques de ilusionismo.

As novidades demoraram um pouco para alcançar o público e garantir certa estabilidade. O cinema como o conhecemos hoje, com sinopse amarrada, personagens definidos e trama coesa, foi sendo formado na década de 1910, mas várias formas de "outros cinemas" ainda existem; eventualmente o vídeo e hoje em dia as imagens de captação digital por câmeras cada vez mais portáteis e a difusão cada vez mais fácil representa uma facilidade em cada pessoa produzir e consumir seu "próprio cinema", sendo ainda assim uma constante ameaça ao padrão pré-estabelecido.


Com o esporte aconteceu algo parecido, já que enquanto a aposta de Pierre de Coubertin em focar apenas nas competições esportivas deu certo em 1896, feiras enormes que receberam as Olimpíadas de 1900 e 1904 em Paris e St. Louis praticamente destruíram o evento, que foi se recuperando aos poucos. Com o retorno à Atenas em 1906 e a decisão de separar os Jogos Olímpicos de outras atividades, encontrou-se finalmente uma identidade olímpica, ainda que programas de artes fizessem parte dos Jogos Olímpicos.

Um dos primeiros temas de interesse do cinematógrafo e de outros experimentos com imagens em movimento era o corpo humano. A captura do corpo humano (e de animais, como o cavalo) em movimento era algo extraordinário e um das principais temas de interesse do fim do século XX. Ainda assim, as Olimpíadas e o cinema demoraram a se aproximar do cinematógrafo. Ainda que existam fotografias dos primeiros jogos (acima, detalhe do Estádio Panatenaico), as primeiras imagens em movimento conhecidas dos Jogos Olímpicos são da edição "extra" de 1906, hoje não-reconhecida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), mas que renovaram o espírito olímpico e a força do movimento - aqui estão as imagens, incorretamente identificadas como sendo de 1896

O primeiro filme realizado com apoio do COI foi "O Estádio Branco" (Das weiße Stadion, 1928, Arnold Fanck), sobre as Olimpíadas de Inverno de St. Moritz em 1928. Ainda que bem sucedido, nada que se compare ao estardalhaço político e artístico de "Olympia", sobre a Olimpíada de Berlim em 1936, lançado em 1938 por Leni Riefenstahl em duas partes: "Festival das Nações" e "Festival da Beleza", e que influenciaria uma série de filmes e transmissões esportivas até os dias atuais.


Desde 1948, todos Jogos Olímpicos passaram a ter um filme oficial comissionado, com resultados que variam das inovações técnicas e de estilo, como a obra-prima "Tokyo Olympiad" (Kon Ichikawa, 1965) sobre os Jogos Olímpicos de Tóquio-1964 até alguns filmes bem banais feitos para a televisão nos últimos anos. Em compensação, as Cerimônias de Abertura e Encerramento ficaram progressivamente mais elaboradas e inspiradas, utilizando-se de várias técnicas cinematográficas.

A última década também viu uma enxurrada de imagens de competições, treinamento, ou mesmo de momentos de vida-lazer dos atletas disponibilizadas ao público, seja através do Youtube, Facebook, Instagram. O COI se reinventou através de sua página de Facebook e contas no Instagram, Twitter e YouTube, disponibilizando vários vídeos de momentos marcantes de edições passadas, aproximando a herança olímpica do público atual.

Cada vez mais experienciamos o esporte mediado pela imagem em movimento: seja nos telões dos estádios, nos replays e movimentos de câmera durante a partida ou nos closes e zooms que nos apresentam em detalhes o que os atletas estão sentindo e como os espectadores estão participando do jogo – a câmera na torcida é prova dessa espetacularização do esporte. Cada vez mais câmeras oficiais dos eventos invadem os bastidores para observarmos desde a chegada até a partida dos atletas nos estádios. E ainda assim não basta. Hoje em dia não é suficiente ver Federer ou Neymar jogar, é preciso saber o que eles estão fazendo no dia-a-dia. É preciso ver a imagem "real" do atleta, que obviamente se transforma num personagem 24h ao dia. Com patrocínios e luta por popularidade em jogo, os atletas estão cada vez mais transformando seus momentos de intimidade em prolongamento da carreira através não só da palavra (twitter, etc), mas principalmente imagens compartilhadas em snapchat, Instagram stories, etc. Qual o papel então dos órgãos oficiais (televisão, cinema) enquanto isso? E como devem se portar os patrocinadores, dirigentes e jornalistas na sede de acompanhar e vender os atletas ininterruptamente? Mais do que isso, pensando na importância histórica e em como as futuras gerações irão acompanhar o esporte contemporâneo, outras perguntas se fazem: Como preservar, como analisar e qual importância que devemos dar para essa enxurrada de imagens em movimento? Humberto Mauro, um dos principais diretores de cinema teria dito que "Cinema é cachoeira" e nunca essa expressão faz mais sentido do que nos dias atuais de streaming constante e timeline infinita.

Essas são algumas das questões que planejo abordar neste espaço. A ideia é seguir acompanhando o esporte olímpico, como é de praxe aqui no Surto Olímpico, mas com um foco especial nas imagens, e como elas fazem parte da história do esporte.

Fotos: Twitter do COI / Arquivos do COI / Bundesarchiv

0 Comentários

.

APOIE O SURTO OLÍMPICO EM PARIS 2024

Sabia que você pode ajudar a enviar duas correspondentes do Surto Olímpico para cobrir os Jogos Olímpicos de Paris 2024? Faça um pix para surtoolimpico@gmail.com ou contribua com a nossa vaquinha pelo link : https://www.kickante.com.br/crowdfunding/ajude-o-surto-olimpico-a-ir-para-os-jogos-de-paris e nos ajude a levar as jornalistas Natália Oliveira e Laura Leme para cobrir os Jogos in loco!

Composto por cinco editores e sete colaboradores, o Surto Olímpico trabalha desde 2011 para ser uma referência ao público dos esportes olímpicos, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.

Apoie nosso trabalho! Contribua para a cobertura jornalística esportiva independente!

Digite e pressione Enter para pesquisar

Fechar