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Coluna Surto Mundo Afora #52 - Doping, um rival que o esporte não consegue derrotar


Por Bruno Guedes

Na última semana o esporte se viu novamente diante de um caso de doping de um medalhista olímpico. Infelizmente, foi com a nossa campeã na Rio 2016 na categoria até 57kg, Rafaela Silva. A judoca foi flagrada por conta da substância Fenoterol. Antes mesmo das declarações oficiais das entidades responsáveis e da própria atleta, diversas pessoas já pré julgaram o ocorrido e levantaram suspeitas acerca dos valores esportivos da mesma. Tudo de forma leviana e precipitada. Mas tais fatos mostram o quanto o doping é um rival que já derrotou o esporte.

Não vem de agora os casos de desportistas que se utilizam propositalmente ou não de substâncias para elevar sua performance atlética. Há séculos a utilização de meios para melhorar o desempenho são empregados em muitas esferas. Mas foi após a Segunda Guerra Mundial que o doping se tornou não só uma ferramenta nociva como aprimorada. Foi nessa época, também, que outras ferramentas se desenvolveram por conta da alta pesquisa.

Segundo estudos e levantamentos, soldados faziam usos de produtos lícitos e ilícitos para aumento da concentração, agressividade e atividade em batalhas. Relatos afirmam que, durante a campanha contra a União Soviética, o exército nazista se dopava de tal maneira que passava dias sem dormir e com um nível de agressão acima do normal. Foi, desta maneira, que conseguiu avanços cruciais no começo da invasão. Porém foi, pelo mesmo motivo, que os combatentes tiveram diversos problemas físicos e psíquicos. 


De arma de guerra a fábrica ilegal de medalhas


Mas o que isso tem a ver com o esporte? Foi após esse enorme "laboratório" que o ato de se dopar ganhou notoriedade como ferramenta para estados e nações utilizarem nos atletas. E seus feitos como propaganda. O mais famoso caso durante o século XX foi da Alemanha Oriental. Entre 1972 e 1988 o país se consolidou como potência esportiva, entretanto com um programa sistemático de dopagem apoiado pelo governo. Esteroides, hormônios e substâncias altamente prejudiciais à saúde foram suportes para as 384 medalhas do período. O caso foi descoberto após a queda do Muro de Berlim, em 1989. Caia também o encanto sobre as glórias.

Conforme o doping foi tomando conta das disputas e as entidades responsáveis buscando soluções, mais sofisticados ficavam as maneiras de se dopar. Artifícios dos mais complexos foram introduzidos nas tentativas de burlar os testes, fiscalizações e até autoridades. Diversos remédios legais foram usados para mascará-lo. Ninguém representou melhor esse perverso método que Lance Armstrong. O ciclista confessou a ilegalidade durante seus maiores feitos e perdeu quase todas as conquistas.

Justamente um estudo sobre o seu caso abalou novamente o mundo esportivo e provou o quanto o rival é maior que qualquer outro. E, desta vez, novamente do lado oriental da Europa. A Rússia foi acusada pela Agência Mundial Antidpoing, a WADA, de usar um complexo e eficiente programa para desenvolver a Federação de Atletismo em buscas de vitórias. Para piorar, o documentário "Ícaro", vencedor do Oscar em sua categoria em 2018, explicou detalhadamente e com entrevistas reveladoras ao estudar justamente o caso de Lance. Inclusive nas Olimpíadas de 2014, em Sochi, dentro de casa.

Há casos e casos. Nem todos são trapaceiros

Estes foram alguns dos milhares de casos. E por conta dessa epidemia as agências passaram a adotar novos métodos de fiscalizações, testes cada vez mais rigorosos e banimento de diversas substâncias. Aí que chegamos ao problema que o doping causa, esportivo e social.

Sempre que aparece uma nova informação de testes positivos de atletas a opinião pública condena sem direito a defesa. Um problema que mistura trapaceiros e contaminados. O alvo da vez é a Rafaela, citada anteriormente. Sem mesmo pronunciamento oficial sobre o assunto, dedos apontaram para a judoca, "juízes" das redes sociais a condenaram e "especialistas" rotularam a campeã olímpica.

A defesa da atleta e ela própria alegam inocência, haja vista que seu teste deu negativo semanas depois, no Mundial. A Fenoterol, por ser usada em tratamento contra a asma, é liberada sob autorização da WADA se solicitado e provada a sua necessidade. Não é o caso da Rafaela. E nem por isso podemos afirmar seu uso proposital sem provas ou julgamento.

A campeã olímpica foi alvo da maior derrota do esporte, o rival mais perverso e implacável: o doping. Por tantos que já foram flagrados e condenados, até quem alega inocência e tem uma história limpa acaba sendo visto como um trapaceiro. Rafaela, que é uma das maiores bandeiras do desporto nacional e inspiração, se vê na inquisição esportiva com tantos outros que não merecem o mesmo respeito que ela. 

Mesmo que prove ser inocente, a judoca levará consigo o pré-julgamento da sociedade e até a desconfiança constante. Todos são tratados como ilegais e que tentaram burlar o sistema. É uma derrota gigante para o esporte. Os inocentados sempre manchados. 

Michael Phelps, maior atleta de todos os tempos, sofreu com isso. Flagrado por uso de maconha, foi suspenso por três meses com razão. Porém, em 2016, hackers divulgaram que o nadador teria utilizado a substância gabapentina, voltada para o tratamento de epilepsia. Apesar de liberada e legal, a opinião pública quase encerrou sua carreira nos dois casos. À época, Phelps alegou estar dentro da lei, mas que "nunca competiu num ambiente realmente limpo". Uma fogueira da inquisição onde todos e qualquer um é queimado por conta dos trapaceiros reais.

Rafaela Silva vai ter agora todos os trâmites legais para tentar provar sua inocência. Provado, será absolvida mas carregará esse fardo. Se for culpada, punida como manda a lei. Mas amanhã outro caso surgirá. Novas condenações prematuras. 

E o esporte tentando correr atrás. Só que ele já está derrotado. Muitos outros ainda usam de forma consciente e não são flagrados, pois a ciência não acompanha a evolução das drogas no mesmo ritmo. O doping venceu o esporte.

foto: Dreamstime.com

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