Ontem morreu uma das grandes figuras do basquete brasileiro, o treinador Ary Vidal, e como homenagem, o Surto Olímpico tem a honra de apresentar o texto de Marcelo Laguna, originalmente publicado ontem, no blog Espirito Olímpico, do Portal IG.
Ainda estava tentando assimilar o soco no estômago deste domingo, após a tragédia de Santa Maria que causou a morte de mais de 230 jovens, quando abro a internet e me deparo com a notícia da morte de Ary Vidal,
um dos maiores treinadores que o basquete brasileiro já conheceu. Ele
estava com 77 anos e já vinha doente há algum tempo, tendo sofrido um
AVC anos atrás e mais recentemente um infarto e insuficiência renal.
Ele será sepultado nesta terça-feira, no Rio de Janeiro.
Seria até redundante tentar explicar em algumas linhas deste post a
importância de Ary Vidal para o basquete brasileiro. Com uma precoce
carreira de treinador, iniciada em 1959, comandou as principais equipes
do país, sempre introduzindo nelas um traço que o perseguiu ao longo da
carreira: o gosto pelo jogo ofensivo, intenso.
Característica essa que foi marcante na maior conquista de sua
carreira e uma das principais do próprio basquete masculino nacional,
com a medalha de ouro no Pan-Americano de Indianápolis, em 1987. Na
ocasião, a seleção brasileira causou a primeira e única derrota de uma
equipe dos EUA (que só tinha um tal de David Robinson no elenco) em seu
próprio território, vencendo a final por 120 a 115. E o grande segredo
desta vitória o próprio Ary se orgulhava em contar: estimular os chutes
da linha de três pontos de Oscar e Marcel, os especialistas neste
fundamento.
“Quando a Fiba introduziu a linha de três pontos, eu virei para o
Oscar e o Marcel e disse que se conseguíssemos saber tirar proveito
disso, teríamos uma arma imbatível. E estava certo”, disse Ary certa
vez, em uma das várias oportunidades em que tive a honra de
entrevistá-lo.
Críticos diziam que Ary Vidal era apenas um “bom motivador” de
elencos repletos de craques e medalhões. Ouvi isso de alguns dirigentes.
Pura inveja, na minha opinião. Ou como justificar que um mero
“motivador” exiba um aproveitamento de mais de 74% de vitórias no
comando da seleção (92 vitórias e 29 derrotas)? E como explicar aos
invejosos o feito histórico de Ary Vidal, ao transformar um time sem
estrelas, como o Corinthians de Santa Cruz do Sul (RS), em campeão
brasileiro, na temporada de 1994?
E vale lembrar que com Ary Vidal, o Brasil subiu ao pódio pela última
vez na história dos Mundiais de basquete, em 1978, nas Filipinas. E
antes do argentino Rubén Magnano dirigir o Brasil em Londres 2012, foi
Vidal quem estava à frente da seleção masculina em sua última
participação em Olimpíadas, em Atlanta 1996, ao classificar a equipe
durante o Pré-Olímpico de Neuquén (Arg), em 95.
Aliás, é deste torneio que guardo uma das lembranças mais marcantes
de Ary Vidal, um homem que era extremamente inteligente, bom de papo,
adorava falar com os jornalistas e, talvez por conta de tudo isso,
bastante vaidoso. O Brasil fazia uma campanha irregular e chegou à
última rodada da segunda fase ameaçado de eliminação. Para isso, bastava
o Uruguai bater Cuba, na preliminar de Brasil x Porto Rico.
A turma de jornalistas brasileiros estava posicionada para acompanhar
a partida, meio ressabiada, já prevendo o pior. Eis que vimos Ary na
tribuna de imprensa, sentado ao nosso lado. Ele disse que não
conseguiria esperar o resultado no hotel e decidiu chegar antes da
delegação. Ainda assim, esbanjava confiança: ”Cuba vai vencer”, disse,
mostrando um otimismo até um pouco excessivo, pela situação dramática do
time. Mas ele não perdeu a pose, muito pelo contrário.
Só sei que durante o jogo, ele fumou pelo menos uns cinco cigarros,
um atrás do outro, sem dizer uma palavra. No final, o inacreditável:
Cuba, que até então era o saco de pancadas, venceu os uruguaios por 20
pontos de diferença, assegurando a passagem do Brasil para as
semifinais. Aí, Ary Vidal se virou para o grupo de jornalistas, e todo
pimpão, nos desafiou: “Eu não disse que Cuba iria ganhar?”, dando uma
piscada marota.
Sim, Ary Ventura Vidal vai fazer muita falta…
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