A Agência
Antidoping dos Estados Unidos (ou USADA) acaba de destruir, na base da
"canetagem", uma das histórias mais fantásticas do ciclismo, e
destrói um dos maiores mitos do esporte mundial. O ciclista Lance Armstrong
anunciou que não mais vai se defender das acusações de uso de doping que pesam
contra ele, movidas pela USADA. Tão rápido quanto humanamente possível, o
diretor-executivo da agência, Travis Tygart, afirmou que reconhece a decisão de
Armstrong como "admissão de culpa", o que fará com que o atleta perca
todos os títulos conquistados por ele desde 1998, incluindo os sete títulos do
Tour de France e a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000.
Armstrong é acusado de utilizar desde 1996 a substância EPO, que só foi detectada
como doping no esporte a partir de 1998, com a descoberta de um grande esquema
entre as equipes "pro-Tour" para uso da substância, o que gerou a
criação de um sistema de controle anti-dopagem mais rígido desde 2000. Lance
também é acusado de realizar, também desde 1996, o que é considerado hoje como
"doping branco", que é a transfusão de sangue com quantidades de
glóbulos brancos alterados pelo exercício em locais muito acima do nível do
mar. O atleta exerce a atividade física em montanhas ou locais de grande
altitude, retira o sangue (com maior quantidade de glóbulos brancos), congela o
mesmo, volta para o nível do mar, e um pouco antes da competição começar, recebe
o sangue alterado via transfusão. Desse modo, o atleta possui uma maior
capacidade de oxigenação sanguínea, aumentando assim a sua performance.
As acusações da USADA ganharam força depois que a mesma reuniu depoimentos de
ex-companheiros de equipe de Armstrong na finada equipe U.S. Postal
Service/Discovery Channel, que participaram de todas as conquistas do ciclista
no Tour de France. Os principais delatores de Armstrong na questão foram os
ciclistas Tyler Hamilton e Floyd Landis. Landis inclusive chegou a vencer o
Tour de France de 2006, um ano depois de Armstrong se aposentar do ciclismo
pela primeira vez, mas perdeu o título depois de ser pego no exame anti-doping.
Bom, vamos aos fatos.
Para começar, Hamiltion e Landis são motivados pelo fator "inveja".
Pura e simples. Enquanto Armstrong estava na ativa, ambos jamais tiveram
qualquer chance de capitanear a sua equipe "pro-Tour", mesmo porque,
independente do doping ou não, Armstrong era um atleta mais técnico do que
ambos. Além de ir muito bem nas etapas de montanha, tinha um contra relógio bem
eficiente, o que o tornava o mais apto para vencer as grandes voltas.
Quanto à USADA, algumas coisas levantam polêmicas sobre a sua investida contra
Armstrong. O ciclista acusa a agência de "fazer acusações injustas,
realizando uma caça às bruxas anticonstitucional". De fato, se olharmos
para os detalhes do caso, é realmente algo a se questionar. Afinal de contas, a
USADA alega ter provas contra Lance desde 2000. Então... por que não
apresentaram essas provas antes? Porque era conveniente para o ciclismo
norte-americano ter a história de Lance Armstrong sendo promovida para o mundo?
Para aumentar a visibilidade do esporte no país? Fatores econômicos? O que
motivou a USADA a só revelar esse caso agora?
Outro detalhe: Armstrong alega ter passado por mais de 150 exames antidoping
nas suas sete conquistas do Tour de France, e por institutos tão eficientes
quanto a USADA. E teve resultado negativo para doping em todos eles. Isso, sem
falar dos exames realizados dentro da janela de tempo que a agência
norte-americana alega que ele se dopou, onde mesmo Armstrong apresentando
documentos que comprovam que o resultado foi negativo em todos eles, essas
provas não foram aceitas. Como assim? Como fazer uma defesa justa disso?
E quanto aos títulos conquistados por Lance, nenhum deles foi vencido pela
Federação Norte-Americana de Ciclismo. Quem pode remover os títulos do ciclista
é a comissão internacional do esporte, e isso, se eles realmente considerarem
que Armstrong é indigno de mantê-los. Os advogados de Armstrong ainda vão
buscar nos tribunais uma forma de que, se o ciclista perder os sete títulos do
Tour e a medalha de bronze, que não seja pelas mãos da USADA.
Por fim, um parecer pessoal sobre o assunto. Eu defendo o jogo limpo. Eu
defendo que o doping não é a forma correta de se vencer. Defendo que todos nós
precisamos vencer pelos próprios méritos. Mas, quer saber? Eu não me importo
com nada disso no caso de Lance Armstrong. Não estou sendo hipócrita, estou
sendo justo. Para mim, Lance Armstrong sempre vai ser o maior atleta que vi em
todos os esportes, e não falo isso por causa da performance. Falo isso porque
ele venceu o desafio que a maioria das pessoas não consegue vencer. Derrotou a
morte.
Armstrong foi diagnosticado com um câncer nos testículos 1994, o que
interrompeu a sua carreira no ciclismo. Esse câncer se alastrou para o cérebro,
deixando o atleta com apenas 20% de chances de sobreviver. Intensificou os
tratamentos, e foi considerado livre da doença em 1997. Poucos acreditavam que
ele voltaria a praticar o ciclismo profissionalmente, mas em 1998, voltou a
disputar as provas de estrada. E, em 1999, assombrando o mundo, venceu o
primeiro de sete edições consecutivas do Tour de France.
Lance Armstrong, para mim, sempre será um exemplo. Independente do que a USADA
venha a dizer ou decidir, para mim, ele sempre será a maior prova de vontade de
viver, tenacidade, persistência e força que eu já vi no mundo dos esportes.
Armstrong se recusou a ser derrotado pela morte, e buscou com as forças que
tinham a vida. Venceu naquilo que mais amava fazer e, por aprender a lição,
decidiu buscar ajudar, da forma que podia, aqueles que sofriam da mesma mazela
que ele, criando o projeto Live Strong (aquelas pulseirinhas de borracha
patrocinadas pela Nike, que fizeram sucesso no começo dos anos 2000). Para mim,
Armstrong é muito mais sinônimo de exemplo positivo na vida do que qualquer
decisão que a USADA venha a tomar.
Afinal de contas, quais deles derrotou a morte? Esse é um título que a USADA
não pode tirar de Armstrong.
Com informações da ESPN.com.br
0 Comentários