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Os Jogos Olímpicos na Televisão Brasileira - Sydney 2000, Globo









(Vinheta de abertura das transmissões da TV Globo para os Jogos Olímpicos de 2000. Postado no YouTube por Thiago Rocha)


Narração: Galvão Bueno, Luís Roberto e Maurício Torres

Comentários: Casagrande (futebol masculino), Miguel Ângelo da Luz (basquete masculino/basquete feminino), Renan dal Zotto (vôlei feminino/vôlei masculino/vôlei de praia), Lauter Nogueira (atletismo) e Alexandre Saldanha (iatismo)

Reportagens: Marcos Uchôa, João Pedro Paes Leme, Carlos Dornelles, Pedro Bial, Mauro Tagliaferri, Régis Rösing, Pedro Bassan, Renato Ribeiro, Pedro Bial, Glenda Kozlowski e Maurício Kubrusly

Apresentação: Ana Paula Padrão, Léo Batista, Mylena Ciribelli, Glenda Kozlowski, Pedro Bial, Mariana Becker e Alexandre Bacci

Participação: Jô Soares


Enfim detentora preferencial dos direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos, a Globo poderia escancarar o que já era claro desde Atlanta: tinha um poderio cada vez maior. E já começou a se planejar a partir do começo de 1999, para impor seu estilo e suas condições a partir da cobertura para as disputas em Sydney. No período citado, a emissora já iniciou um “núcleo olímpico” interno – comandado por Ricardo Pereira, vindo da redação do Fantástico para capitanear uma equipe que produziria material para os noticiários do canal dos Marinho, esportivos ou não, e também os tradicionais programetes “pré-olímpicos”. Acima de Ricardo no comando dos trabalhos, seguindo como diretor de esportes da Globo, estava Luiz Fernando Lima.


Demorou pouco para que surgissem os primeiros frutos do núcleo: ao invés do “Momento Olímpico” de 1988 e 1992, focando momentos marcantes da história dos Jogos em um minuto, no decorrer da programação global, o que haveria seria o “Perfil Olímpico”. Em uma matéria de três minutos, enxertada em edições diárias após o Jornal Hoje e o Jornal Nacional, o perfil apresentava candidatos brasileiros a se destacarem em Sydney. Ricardo Pereira (nada a ver com o repórter homônimo que estivera pela Globo em Los Angeles-1984) comemorou, em depoimento ao Memória Globo, projeto de memória do Grupo Globo: “A gente gravou 100 perfis. Desses, cerca de 90 foram ao ar”.


E a entrevistadora e apresentadora dos programetes era uma novidade daquela cobertura que era preparada. Com larga e próspera experiência esportiva - foi quatro vezes campeã mundial de bodyboard (1987, 1989, 1990 e 1991) -, a carioca Glenda Kozlowski chegara até a atuar no cinema (“Manobra Radical” e “Os Trapalhões e a Fonte da Juventude”, filmes de 1991). Mas foi iniciada de verdade na mídia via SporTV, em 1994, na apresentação do 360 Graus, programa de esportes radicais no canal esportivo da Globosat. Pouco depois, por volta de 1996, Glenda passou à emissora-mãe, apresentando o Esporte Espetacular e, esporadicamente, o Globo Esporte. E ela comemorou a experiência no “Perfil Olímpico”, falando ao Memória Globo: “A nossa preparação para Sydney foi muito boa”.


Aos poucos, vieram outros pequenos projetos que preparavam a Globo para o que viria em 2000. Já na metade de 1999, os Jogos Pan-Americanos de Winnipeg foram cobertos em matérias nos noticiários da casa, mesmo sem transmissão das principais competições na cidade-sede canadense. Uma primeira vinheta já era mostrada, para assuntos relativos aos Jogos, unindo o ano 2000 – que seria olímpico – aos 500 anos que o Brasil completaria então.


Ainda em 1999, para a familiarização com a Austrália, a equipe que comandava o “núcleo olímpico” pensou outro quadro – este, trabalhado pela produtora Rosane Araújo e exibido no Esporte Espetacular a partir do ano anterior aos Jogos de Sydney. Na série “Um pulo na Austrália”, formada por 28 quadros, Bernardo Bichucher mostrava pontos turísticos, hábitos e preferências esportivas dos australianos. Morando na cidade-sede olímpica havia cinco anos, após passagem pelo departamento comercial da emissora dos Marinho, Bernardo sempre começava o quadro com o típico cumprimento informal australiano: “G’day, mate” (“Bom dia, cara”). E também terminava como mandavam as despedidas no país-sede: “See you later, mate” (“Vejo você depois, cara”).


Por falar em pulo, o início de 2000 já trouxe mais outra novidade para preparar o terreno olímpico da Globo. Esta, mais focada no público infantil: pela primeira vez, a emissora do Jardim Botânico carioca teria um mascote para suas coberturas. Aproveitando a clássica vinculação dos cangurus à Austrália, por obra do departamento de arte gráfica do canal, nasceu o marsupial Zé do Pulo. E o pequeno canguru aparecia em várias oportunidades: em algumas edições do “Um pulo na Austrália” (como esta), no “Globinho Olímpico” – quadro dentro do Angel Mix, infantil de auditório que Angélica apresentou até junho daquele ano -, e até em interações com repórteres esportivos da casa, como Régis Rösing e Glenda Kozlowski. Em todas elas, Zé falava de tudo: dos candidatos a destaques olímpicos em Sydney à fauna australiana. E finalmente, aparecia no Globo Esporte, fazendo a contagem regressiva para o início dos Jogos.



Eis "Zé do Pulo", o mascote da Globo para a cobertura olímpica de Sydney-2000 (Divulgação)


Além do chamariz desenhado, também haveria um chamariz musical para a cobertura olímpica em Sydney. Chamariz que estreou em janeiro, durante as transmissões do Pré-Olímpico sul-americano de futebol masculino, realizado na paranaense Londrina, com Brasil e Chile ganhando as vagas para as partidas na Austrália. Com relativo sucesso popular aliado ao habitual sucesso de crítica, depois do álbum Isopor (1999), a banda Pato Fu foi chamada a fazer uma canção de apoio para os atletas brasileiros que fossem buscar medalhas na Austrália.


Bastou: nas últimas semanas do Pré-Olímpico, a cançoneta do grupo mineiro já era divulgada nas transmissões globais dos jogos da Seleção Olímpica. E a cada menção a Sydney dentro do Esporte Espetacular e do Globo Esporte, era previsível: surgia a voz de Fernanda Takai a entoar “Com um sonho na cabeça/E uma chance em minhas mãos/Pro outro lado do planeta/Levo o meu coração/São milhões torcendo agora/Todos juntos nessa hora/Vamos lá... ver o Brasil brilhar”. Até que o grupo capitalizou a exposição: nos primeiros meses de 2000, uma nova versão de Isopor foi para as lojas, com “Olimpíadas 2000”, o nome da canção, encaixada como faixa-bônus, com os outros sucessos daquele trabalho do Pato Fu – “Depois” e “Made in Japan” como as mais ouvidas daquele álbum.




(“Olimpíadas 2000”, canção do grupo Pato Fu, tema da cobertura da TV Globo para os Jogos Olímpicos de 2000, exibida no vídeo durante a transmissão de jogo da Seleção Brasileira no Pré-Olímpico de futebol masculino, em janeiro de 2000)


Havia o Zé do Pulo, havia a colaboração do Pato Fu... mas a Globo seguia de olho no material eminentemente esportivo rumo a Sydney, com os Jogos cada vez mais próximos. Naquele ano, tanto no Esporte Espetacular quanto no Globo Esporte, mais um quadro era exibido: o “Aconteceu em Atlanta”, obviamente mostrando os momentos marcantes da edição anterior das Olimpíadas. A cem dias dos jogos, uma edição especial do Globo Esporte foi exibida: nas palavras do editor-chefe da época no noticioso esportivo diário global, Sidney Garambone, foi o “GE grego”, evocando a mitologia helênica para lembrar a origem olímpica. A partir de maio de 2000, quase todo dia a programação global teria uma menção aos Jogos.


Finalmente, chegou a hora da reta final dos planejamentos. Por exemplo, com os 125 enviados a Sydney - mais 25, contratados já na Austrália, para colaborarem em questões logísticas, como transporte. Liderados por Luiz Fernando Lima (como supracitado, o diretor de esportes da Globo) e Emanuel Mello Castro (gerente de eventos, dentro da editoria de esportes da emissora), eles trabalhariam num estúdio de 800m², dentro do centro olímpico de imprensa. Nas transmissões, além do sinal original gerado, 21 câmeras exclusivas da Globo. A equipe (144 pessoas) que ficasse na retaguarda, no Rio de Janeiro, teria outro experiente nome a comandá-la: Marco Mora (1946-2018), diretor executivo da divisão de esportes.


Claro, Galvão Bueno figurava absoluto como o carro-chefe da cobertura da Globo à frente das câmeras: seria o narrador das cerimônias de abertura e de encerramento, e de qualquer outro grande momento que os Jogos Olímpicos pudessem ter – em especial, as participações de destaque do Brasil, e mais em especial ainda, as partidas da Seleção Brasileira no torneio de futebol masculino. Mas haveria uma surpresa nos outros narradores enviados pela Globo a Sydney, além de Galvão. Mesmo já tendo duas edições de Jogos nas costas pela Vênus Platinada, Cléber Machado ficou no Brasil: durante o período olímpico, o paulistano seria o encarregado de narrar as partidas da Copa João Havelange – o Campeonato Brasileiro de futebol daquele ano, na prática. Em seu lugar, Maurício Torres (1971-2014) seria “promovido”: após apresentar o bloco olímpico do Bom Dia Brasil em Atlanta-1996, o carioca seria uma das vozes globais para as disputas na Austrália, com destaque para as narrações no vôlei e no atletismo. Finalmente, Sydney-2000 também daria destaque para Luís Roberto: na Globo desde o começo de 1998, tendo a experiência pela ESPN Brasil em Atlanta, o paulistano teria sua voz a conduzir várias transmissões do canal, com ênfase para os jogos de basquete.


Nos comentários para as disputas, haveria uma alternância de posturas. Para as modalidades mais importantes, apenas dois comentaristas da emissora carioca estariam entre os enviados à Austrália. Na cobertura dos torneios olímpicos de futebol – masculino e feminino -, Casagrande (na Globo desde 1997) estaria nas partidas das seleções brasileiras, enquanto Paulo Roberto Falcão ficaria no Brasil daquela vez. Nas partidas de vôlei, disputadas no Centro de Entretenimento em Darling Harbour (e também nas de vôlei de praia, em Bondi Beach), se não haveria mais Bebeto de Freitas, a experiência do comentarista global também era inquestionável: presente nas transmissões do canal para a modalidade desde o fim dos anos 1990, Renan Dal Zotto colocaria nos comentários as credenciais de um dos símbolos da “Geração de Prata” dos anos 1980.


De resto, os comentaristas seriam chamados de acordo com a necessidade – o que fazia com que precisassem estar de prontidão para trabalhar nos estúdios da emissora no Rio de Janeiro, durante a madrugada brasileira. Foi assim no caso de Magaly Cremona, que colaboraria com a Globo nas provas de nado sincronizado. Ou no de Alexandre Saldanha, comentando o iatismo. Até para o caso do técnico Lauter Nogueira, acompanhante do locutor da vez nas competições do atletismo no Estádio Olímpico de Sydney. Ou mesmo para Miguel Ângelo da Luz, treinador da Seleção Brasileira feminina prata no basquete, em Atlanta-1996: do Rio, Miguel comentaria as partidas das mulheres no bola-ao-cesto.


No reportariado, a Globo faria uma divisão semelhante à que se viu em Atlanta. Para a campanha da Seleção Brasileira no futebol masculino, uma importância digna de Copa do Mundo. Nada menos que três repórteres ficaram baseados em Brisbane: Tino Marcos, Mauro Tagliaferri (vindo para a emissora após passagem pela Folha de S. Paulo) e Renato Ribeiro (desde o Pré-Olímpico, o repórter carioca – hoje diretor de esportes - acompanhava a equipe). Só com o fim da participação brasileira no futebol masculino é que Tagliaferri e Renato foram colaborar com os nomes restantes, que ficaram em Sydney para as demais modalidades. Com sua experiência já então considerável em Jogos Olímpicos – iria para a quarta edição seguida na Globo -, Marcos Uchôa cobriria de tudo um pouco, bem como Pedro Bassan, que viera para a emissora em 1997, após começo elogiado na ESPN Brasil. Já calejada pela experiência nas produções do “Perfil Olímpico”, Glenda Kozlowski estaria fazendo as reportagens sobre a natação, no Centro Aquático Internacional de Sydney. Para as campanhas do Brasil no vôlei – masculino e feminino -, João Pedro Paes Leme seria o repórter preferencial. Acompanhando o atletismo no Estádio Olímpico, em alternância com Marcos Uchôa, estaria Carlos Dornelles, que voltava a cobrir os Jogos, após 12 anos. E como fizera nos Jogos de 1996, Maurício Kubrusly estaria focando o lado cultural de Sydney, em reportagens para o Fantástico.


Falando no programa dominical da Globo, um de seus apresentadores da época também estaria lá: Pedro Bial foi destacado como um dos âncoras olímpicos do canal dos Marinho, além de também fazer reportagens. Outro nome fundamental na apresentação da maratona olímpica do canal, durante todas as madrugadas de disputa, foi Ana Paula Padrão: apresentando o Jornal da Globo, a jornalista foi enviada a Sydney, e o telejornal que comandava seria praticamente a introdução do que vinha na Globo durante as competições.


(Abertura do Jornal da Globo de 27 de setembro de 2000, apresentado por Ana Paula Padrão, diretamente do centro de imprensa em Sydney, durante os Jogos Olímpicos daquele ano)


Mas talvez nenhum outro dos 125 enviados da emissora às Olimpíadas era tão badalado como Jô Soares. Em 2000, o showman carioca tivera um retorno luxuoso à Globo, após 12 anos, para manter o formato de talk show que popularizara no SBT, estreando em abril daquele ano o Programa do Jô nos fins de noite da programação global. Fim de noite? Madrugada? Pois bem, a Globo uniu o útil ao agradável: já que o Programa do Jô era seu grande trunfo diário para o horário, e já que a madrugada seria lotada de disputas olímpicas, por quê não levar o programa de entrevistas para Sydney? Dito e feito: lá se foi Jô para os estúdios do centro de imprensa na cidade-sede dos Jogos, apresentando de lá seu programa. Com tudo a que os espectadores estavam acostumados: o sexteto, o garçom Alex, os diretores Willem van Weerelt e Diléa Frate, o roteirista Max Nunes, os entrevistados, uma pequena plateia... Mas as aparições do Programa do Jô em Sydney descontentaram a alguns. Em edição especial durante os Jogos, a revista Placar espicaçou: “Sempre pode piorar. Em Sydney, com seus sopros infantis em um minitrompete, o humorista já encheu com a piada de que teria sido um esportista de verdade no passado”.


E enfim, a cobertura da Globo para as Olimpíadas podia começar. A bem da verdade, a madrugada olímpica global começava já na noite brasileira: alguns flashes de competições já eram mostrados durante o Jornal Nacional (caso da final dos 200m femininos no atletismo, prova narrada por Maurício Torres direto do Estádio Olímpico de Sydney) e durante Laços de Família, a novela das 20h/21h do canal naqueles tempos olímpicos.


Mas como já dito, somente no Jornal da Globo é que a audiência era aquecida de vez para a overdose de esporte que, enfim, tomaria as primeiras horas da manhã brasileira, só terminando com o Bom Dia Brasil. Começando às 3h de 13 de setembro de 2000, com o 2 a 0 do Brasil na Suécia, pela estreia do torneio de futebol feminino. Continuando em 14 de setembro, quando, às 6h, Galvão Bueno narrou e Casagrande comentou o 3 a 1 da Seleção Olímpica masculina na Eslováquia. E finalmente, se apresentando em 15 de setembro, quando Galvão Bueno, Marcos Uchoa e Ana Paula Padrão ancoraram a cerimônia de abertura – com direito a câmera exclusiva para filmar toda a entrada da delegação brasileira, Sandra Pires portando a bandeira e Gustavo Kuerten se mostrando alegre, no Estádio Olímpico. Falando em delegação brasileira, novamente uma medida tomada em Atlanta-1996 estaria nas telas globais durante os dias de competição: uma ligação com a Vila Olímpica, via teleconferência, permitiria que gente da emissora entrevistasse os atletas do país nos noticiários da competição.


Na madrugada de 16 de setembro, Galvão Bueno já daria a voz ao primeiro momento emotivo do Brasil em Sydney: seria do carioca a narração na Globo para a primeira medalha do país naqueles Jogos, com o bronze do revezamento 4x100 na natação masculina (destacando-se a participação de Edvaldo “Bala” Valério na reta final da prova), reportado por Glenda Kozlowski para o Globo Esporte daquele sábado, exibido horas mais tarde. Falando no noticiário esportivo da emissora dos Marinho, ele traria a quem não pudesse/não quisesse ficar acordado o resumo diário do que havia ocorrido em Sydney, horas antes, com um revezamento de vários apresentadores dia a dia (Léo Batista, Mariana Becker, Mylena Ciribelli e Alexandre Bacci). Além disso, vários quadros do Globo Esporte tentariam mostrar, com algum humor, como o brasileiro se esforçava para acompanhar aquelas Olimpíadas na madrugada – como o “Repórter de Pijama”, com Régis Rösing indo a bares, trajado como dizia o nome do quadro: num pijama verde e amarelo.


Aos poucos, os destaques daquela cobertura iam aparecendo. No judô, Maurício Torres se destacava nas narrações que lhe eram atribuídas, dentro das lutas no Centro de Convenções e Exibições de Sydney – culminando nas trajetórias de Carlos Honorato à final (meio-pesado masculino, até 90kg) e Tiago Camilo (leve masculino, até 73kg). As derrotas de ambos nas decisões do ouro olímpico – Honorato, para o holandês Mark Huizinga; Camilo, para o italiano Giuseppe Maddaloni – também viraram temas das matérias de Pedro Bassan no Jornal Nacional, fazendo com que Bassan se tornasse um nome elogiado naquela cobertura global. E fazendo com que, de certa forma, fosse preconizado o clima da cobertura global: alguns destaques saltando aos olhos, sem que viesse o grande momento, aquela transmissão que grudasse na cabeça de todos que a assistissem – algo sempre implicitamente aguardado pela emissora carioca, em coberturas esportivas.


Isso podia ter vindo com Gustavo Kuerten: afinal, as partidas do então bicampeão de Roland Garros (que terminaria aquele 2000 como número 1 do mundo, pela ATP) no torneio olímpico masculino de tênis foram narradas por Galvão Bueno na Globo, no único momento em que o canal e o locutor puderam transmitir ao vivo o momento de apogeu do tenista catarinense. Mas Guga caiu nas quartas de final. Podia ter vindo com a campanha no vôlei de praia feminino, em que a dupla Adriana Behar/Shelda parecia destinada fortemente ao ouro. Mas em 25 de setembro de 2000, na madrugada brasileira, Galvão Bueno teve de narrar a atuação de dedicação notável da dupla australiana, Nathalie Cook/Kerri Pottharst, para surpreender o duo brasileiro e ganhar o ouro, empolgando a torcida em Bondi Beach. Só restou a Marcos Uchôa reportar mais uma decepção brasileira em Sydney, no Jornal Nacional, muitas horas mais tarde, registrando o choro de Shelda e Adriana – e, pelo menos, a alegria de Sandra Pires e Adriana Samuel, medalhadas em Atlanta (Sandra com o ouro, Adriana com a prata), medalhadas em Sydney, formando dupla e levando o bronze.


As Olimpíadas transcorriam. A cobertura olímpica da Globo em Sydney, também. E as chances de ter “o grande brasileiro” iam se esgotando. Poderia ter sido Maurren Maggi: Carlos Dornelles reportou em 27 de setembro de 2000, o drama da paulista nas eliminatórias do salto em distância, se lesionando e precisando desistir da disputa. Outro candidato foi Robert Scheidt, bem na disputa do ouro na classe Laser do iatismo, buscando a segunda conquista olímpica – aí, Mauro Tagliaferri noticiou em 29 de setembro, no Jornal Nacional, a virada do inglês Ben Ainslie na regata final, preferindo conter o iatista paulista, para chegar à frente dele e levar o ouro. Outras expectativas de medalha sempre estavam no vôlei de quadra, masculino e/ou feminino. No caso do time dos homens, na madrugada de 27 de setembro, Galvão Bueno narrou e Renan Dal Zotto comentaram a derrota do time de Radamés Lattari (com Maurício, Gustavo, Giovane, Dante, Giba, Nalbert, Tande...) para a Argentina, nas quartas de final, por 3 sets a 1 – muitas horas depois, reportado por Pedro Bial para o Jornal Nacional. A queda da seleção feminina de vôlei, treinada por Bernardinho (com Leila e Virna como grandes destaques), demoraria mais, porém também viria: em 28 de setembro, a partir das 4h30 da manhã no horário de Brasília, Galvão e Renan estavam na cabine da Globo no Centro de Entretenimento de Sydney, na transmissão de mais um Brasil x Cuba como semifinal olímpica – e de mais um 3 sets a 2 cubano.




(Ponto final de Cuba 3 sets a 2 no Brasil, na semifinal do torneio de vôlei feminino, dentro dos Jogos Olímpicos de 2000, na transmissão da TV Globo, com a narração de Galvão Bueno e os comentários de Renan dal Zotto. Postado no YouTube por HelNascimento)


Mas é possível dizer: nenhuma decepção foi tão dolorosa para o Brasil – e para a cobertura da Globo – como a do futebol dos homens. Com muita gente dedicada às transmissões das partidas, esperava-se que a equipe brasileira cumprisse a grande expectativa de ouro que lhe era atribuída. Mas em nenhum momento o time de Vanderlei Luxemburgo (com Alex e Ronaldinho Gaúcho como nomes mais falados) empolgou. Teve dificuldades na fase de grupos: venceu a Eslováquia, mas perdeu para a África do Sul (Mauro Tagliaferri fez a reportagem exibida no Globo Esporte de 18 de setembro) e ganhou do Japão com ainda mais tensão para ir às quartas.


Aí... às 6h da manhã de 23 de setembro, Galvão Bueno, Casagrande, Renato Ribeiro e Mauro Tagliaferri estavam em Brisbane para as quartas de final do torneio olímpico masculino de futebol, em que o Brasil pegaria Camarões. E fizeram uma transmissão dramática, do gol de Patrick Mboma que abriu o placar para os camaroneses à falta de Ronaldinho Gaúcho, aos 48 minutos do segundo tempo, que empatou o jogo na última hora (passando pelo desentendimento entre Lúcio e Roger, pouco antes do empate do Brasil). Transmissão concluída pelo gol de Modeste Mbami, o “gol de ouro” na prorrogação, eliminando a Seleção e impulsionando Camarões rumo ao ouro olímpico no ludopédio, num registro aturdido de Galvão Bueno, como se visse o grande chamariz global em Sydney se apagar naquele começo de sábado – e se apagar com dois homens a mais em campo, enquanto Camarões rumava para o ouro, transmitido parcialmente pela Globo em 30 de setembro de 2000 (e noticiado por Alexandre Bacci no Globo Esporte do dia 30, horas depois).


(Gol de Modeste Mbami, fazendo Camarões vencer o Brasil por 2 a 1, nas quartas de final do torneio de futebol masculino, nos Jogos Olímpicos de 2000, na transmissão da TV Globo, com a narração de Galvão Bueno e os comentários de Casagrande. Postado no YouTube por Wallace Bernardo)


Como último capítulo nas várias decepções, o hipismo. No último dia dos Jogos – 1º de outubro de 2000 -, Rodrigo Pessoa era outro nome brasileiro fortemente cogitado a conquistar a medalha de ouro que não vinha para os atletas do país. A Globo nem mostraria as provas na íntegra, no Centro Olímpico de Equitação, mas tão logo Rodrigo entrou na pista montando Baloubet du Rouet, por volta das 0h30 de Brasília, um flash foi aberto na programação da emissora, que já se aprontava para a cerimônia de encerramento. Eis que Baloubet aguentou até onde deu, dando a histórica “refugada” e frustrando Rodrigo, que saiu em lágrimas da pista após a eliminação. E Pedro Bial retratou aquilo em sua última aparição olímpica no Fantástico, na noite brasileira de 1º de outubro. Nas internas dos enviados globais a Sydney (e também entre os que ficaram no trabalho de retaguarda da emissora, no Rio de Janeiro), uma gozação pouco afável suprimia a decepção pelas quedas brasileiras: todos cantavam uma paródia de “Vai vadiar”, canção popularizada por Zeca Pagodinho naquele ano, substituindo o refrão por “foi passear” a cada atleta verde-amarelo que ficava sem medalhas. Falando ao Memória Globo em 2007, Galvão Bueno resumia pesaroso: “[Ao falar em] Sydney, o que me vem à cabeça é isso: cadê o ouro?”.


Ainda na área das gafes, Luís Roberto cometia dois erros engraçados – e compreensíveis, tantas são as coisas faladas numa transmissão ao vivo. Em 16 de setembro, na fase de grupos do futebol masculino, num boletim rápido durante a madrugada, foi mostrado um flash de Itália 3x1 Honduras. Usando a medida de noventa minutos, o cronômetro apontava 50 minutos (ou seja, cinco minutos do segundo tempo). Porém, pensando em dois tempos de 45, Luís achou que era o fim do segundo tempo e se empolgou: “Honduras pressiona a Itália nesse finalzinho de jogo”. Mais tarde, houve outra. Talvez iludido pela confusão sonora entre o “Cameroon” inglês e o “Camarões” em português, o narrador tascou após o empate em 1 a 1: “Terminou o jogo entre Estados Unidos e Camarão [sic]”.


Então, nada prestou para a TV Globo em Sydney-2000? Claro que prestou. No aspecto técnico, ao contrário de Atlanta-1996, todos os ouvidos pelo Memória Globo se embeveceram, saudosos do que viveram na Austrália. Para Marcos Uchôa, “depois da decepção de Atlanta – sob o aspecto das Olimpíadas, ‘não-brasileira’ -, Sydney foi maravilhosa. (...) Teve matérias fantásticas”. Para Fernando Guimarães, diretor de operações, “foi coisa de inglês: tudo muito bem organizado (...) não tivemos nenhum tipo de problema”. E Galvão Bueno escancarou seu fascínio ao projeto de memória do grupo de mídia: “A Austrália é um país espetacular, um país fantástico. Sempre tive um encantamento pela Austrália muito grande. Um povo alegre, um povo bonito, um povo competente. (...) A cidade de Sydney é simplesmente espetacular. Olimpíadas em Sydney, então... fantásticas”.


E no aspecto esportivo, já que a vitória não veio para impulsionar aquela cobertura que ocupou a madrugada da Globo como nunca antes um evento esportivo fizera na emissora, algumas medalhas ganharam grande importância. Algumas vitórias também. Dentre elas, uma em especial. Não o segundo bronze do vôlei feminino, ganho com 3 sets a 0 sobre os Estados Unidos – e celebrado por Galvão Bueno com os habituais links com famílias de medalhistas no Brasil (como a de Leila). Nem mesmo o bronze do basquete feminino, ganho com um 84 a 73 sobre a Coreia do Sul, narrado com alegria por Luís Roberto e comentado por Miguel Ângelo da Luz – os mesmos que haviam estado na transmissão do emocionante 68 a 67 sobre a Rússia, nas quartas de final, em 27 de setembro, com a cesta decisiva da vitória brasileira no último segundo, impulsionando rumo à medalha o time capitaneado por Alessandra, as irmãs Luz (Helen e Cíntia) e, à frente de todas, Janeth.


A medalha brasileira que se tornou mais importante na cobertura da TV Globo para Sydney-2000 veio da pista. Galvão Bueno já disse muitas vezes, e sempre dirá: particularmente, acha que foi uma das melhores e mais queridas narrações de toda a sua carreira. Foi na pista do Estádio Olímpico de Sydney, na madrugada de 30 de setembro de 2000. Na cabine do estádio, Galvão; nos estúdios do Rio de Janeiro, Lauter Nogueira comentaria. Próximos à pista, na zona mista, João Pedro Paes Leme e Carlos Dornelles fariam as reportagens, ao vivo e também para os noticiários globais. Era a final do revezamento 4x100m, no atletismo masculino. E por mais que o quarteto brasileiro tivesse ótimos corredores, todos vivendo a melhor fase da carreira (Édson Luciano, André Domingos, Claudinei Quirino e Vicente Lenílson), foi a mais agradável das surpresas vê-los superar os cubanos e partirem rumo à medalha de prata. Galvão Bueno começava dizendo: “É a medalha do atletismo”. E terminou celebrando: “Vamos que é prata, vamos que é prata, vamos que é prata, é prata, é prata, é prata para o Brasil!” – emendando com o clássico bordão “essa prata vale ouro”.


Falando ao Memória Globo em 2007, Galvão justificou sua estima pelo trabalho no 4x100m em Sydney: “Acho que, tecnicamente, é a transmissão que mais me encanta. Sabe por quê? Porque não dá 40 segundos. (...) E nesses 40 segundos, eu consegui dizer o nome dos quatro brasileiros, o nome dos quatro que ganharam o ouro. (...) Eu não sei por quê – imagina se vai me passar isso na cabeça, eu fui narrando no atropelo -, na hora em que cruzou [a linha], decidindo entre prata e bronze, eu falei ‘é prata, é prata, é prata, é prata!’. As pessoas vieram me falar depois: ‘que bacana, você falou quatro vezes prata, porque eram quatro corredores’. Nem pensei nisso”. Não pensou nisso, mas deu voz a mais um bom momento do esporte brasileiro.



(A final do revezamento 4x100, no atletismo masculino, nos Jogos Olímpicos de 2000, na transmissão da TV Globo, com a narração de Galvão Bueno, os comentários de Lauter Nogueira e as reportagens de Carlos Dornelles e João Pedro Paes Leme)

Veio o encerramento, em 1º de outubro de 2000. As medalhas de ouro que fizeram falta à cobertura global só viriam em Atenas.

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