A remoção das famílias da Vila Autódromo ainda não é um assunto
superado. Na última terça-feira, 18, o jornalista e historiador Felipe Pena
lançou no Rio de Janeiro o longa "Se essa vila não fosse minha". O
filme narra o processo de remoção de parte das famílias das comunidade,
localizada na Barra da Tijuca e vizinha ao Parque Olímpico do Rio 2016.
O documentário retrata a luta dos moradores que não querem deixar o
bairro, existente há 40 anos.
Eles são contra a
série de remoções da Prefeitura do Rio e a "extinção" do local, o que
para os habitantes só privilegiaria a especulação imobiliária. Do início
das obras na Zona Oeste da cidade até outubro deste ano, centenas de
famílias foram realocadas para o Parque Carioca, condomínio oferecido
pela prefeitura, também na Zona Oeste, próximo ao Riocentro. Muitas
foram indenizadas e deixaram o bairro. Outras tantas, porém, não
desistem, e permanecem no local.
O documentário foi produzido de forma independente e estará presente em
diversos festivais ao redor do país e do mundo. Na segunda-feira, o
longa de Felipe Pena foi exibido em Pequim, na China, que também passou
por processos de remoções para as Olimpíadas de 2008. Pena conheceu a
comunidade quando voltava de um festival e mostra que os moradores vivem
em meio a escombros de casas demolidas, falta de energia, água e
saneamento básico.
- Fiquei sufocado quando fui lá. A poeira subia. Percebi que eles
estavam demolindo metade da comunidade. A estratégia da Prefeitura é
cruel. Ela diz que você pode ficar, mas não te dá condições para isso.
Como metade desistiu da luta, quem sai, eles demolem a casa. São 200
famílias vivendo entre escombros. Quis registrar as histórias de quem
seguiu lutando e também de quem saiu. Não me interessa a história
oficial e sim dos dois lados. De quem saiu e de quem ficou. O programa
Favela-Bairro nunca passou lá, nunca houve melhoria. É só uma pergunta,
não uma acusação. Será que é por quê a região tem o metro quadrado a
quase nove mil reais (R$ 9 mil)? E que vai virar um conjunto de prédios
de classe média alta? É só uma pergunta - frisou Felipe Pena.
Líder comunitário da região, Altair Antunes Guimarães participou da
primeira sessão do filme e diz que não pretende sair. Ele frisa que só
deixa a Vila Autódromo se a justiça assim determinar. Grande parte dos
moradores do bairro têm direito de uso dos lotes por 99 anos, dado em
1992, outros têm até registro do imóvel. Amparados pelo Ministério
Público, até o momento os moradores têm respaldo para permanecer
legalmente.
Quem sai é porque quer. O desejo da prefeitura é ver aquilo ali
limpo. Mas muitas famílias querem ficar, não querem vender. O que
queremos do prefeito é um projeto para os que querem ficar. Já estamos
angustiados com toda essa demora. A remoção começou para o Parque
Carioca, depois foram pagas indenizações. Fica no nosso entendimento que
eles querem a área vazia. Temos direito de morar ali. Temos concessão
do Governo do Estado, do Brizola (Leonel), de 30 anos, depois pelo
Marcelo Alencar, de 99 anos. Se o Governo diz que podemos morar 99 anos
ali, como o município diz que não? As Olimpíadas passam. As pessoas
ficam - garante Altair Antunes Guimarães, que construirá uma creche com o
dinheiro de um prêmio internacional conquistado pela comunidade.
Diretor do filme, Felipe Pena diz que acredita em um final feliz para quem ficar na comunidade.
-
Foi mostrado que a comunidade não precisava ser removida, a UFRJ e a
UFF mostraram isso cientificamente. Um projeto deles ganhou US$ 60 mil
de um projeto internacional. Será que o legado é só ferro e concreto? E o
legado humano? Urbanizar e deixar o legado humano seria o grande marco.
E a vida das pessoas, a história de vida das pessoas? A Prefeitura
poderia transformar isso em um símbolo do legado humano - explica Felipe
Pena.
De acordo com a Secretaria Municipal de Habitação do Rio de Janeiro,
das 583 famílias da Vila Autódromo, 280 tinham suas casas nas áreas onde
serão duplicadas as avenidas Salvador Allende e Abelardo Bueno e também
onde passarão obras de canalização de rios. Dessas famílias, 204
preferiram o imóvel no Parque Carioca, outras 76 foram indenizadas.
Outras 172 famílias que não seriam afetadas diretamente preferiram sair e
foram reassentadas ou indenizadas.
No longa também há espaço
para o cenário do Parque Carioca, onde diversas famílias estão
satisfeitas com seu novo lar, a um quilômetro da Vila Autódromo.
-
Quando o prefeito mostrou isso aqui, eu não acreditei. É muito bom.
Quem ficar na Vila Autódromo está condenado - frisa moradora
entrevistada no longa.
Outras, mesmo morando no condomínio, demonstram que se pudessem optar prefeririam uma casa.
-
Eu não estou satisfeita aqui. Se pudesse escolher preferiria uma casa.
Gosto mais. Aqui, em três meses, tem até infiltração no meu banheiro -
diz uma moradora do Parque Carioca retratada no longa.
De acordo com a Secretaria Municipal de Habitação do Rio de Janeiro (SMH), a prefeitura sempre respeitou os moradores.
- O processo de negociação
realizado entre a Prefeitura do Rio e os moradores da Vila Autódromo sempre foi
transparente, com realização de diversas reuniões coletivas de esclarecimento e
atendimento individual das famílias, como é de praxe em todas as ações de
reassentamento realizadas na cidade, que são regidas por decreto municipal. A
Prefeitura repudia com veemência qualquer acusação de uso de violência e
desrespeito aos direitos das famílias da Vila Autódromo - frisa a SMH em nota.
Foto: Thierry Gozzer
Fonte: Globoesporte.com
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