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Coluna Surto Mundo Afora #11

Por Bruno Guedes
O que mais fascina no esporte é a sua capacidade de mesclar - em doses iguais, inclusive - realidade e emoção. O factual se misturando ao impossível. Muitas das vezes, as maiores histórias e mais incríveis imagens vieram da esfera esportiva. As duas Coreias, mais uma vez, encarnaram isso na última segunda-feira, dia 8.


Há pouco mais de um mês o mundo estava diante de um impasse assustador e com a possibilidade de uma guerra nuclear entre Coreia do Norte e EUA, tudo embasado em uma ridícula troca de ofensas se referindo ao tamanho do botão (!) que cada líder, Kim Jong Un e Trump, tinham sobre suas mesas. Mas o esporte, sempre ele, entrou em cena e se tornou a desculpa necessária para quer Sul e Norte, separados há mais de 60 anos pela guerra nunca terminada de fato, se sentassem à mesma mesa após tanto tempo e conversassem.

Foi sob a desculpa de tratar, entre outros assuntos o esportivo, que os momentos de ódio e provocações foram deixados de lado. Levando à sério as tréguas durante as Olimpíadas da Grécia Antiga, as duas Coreias se encontraram para debater a possibilidade e como a do Norte seria recebida ou poderia estar em Pyongyang, durante o mês de fevereiro. As delegações, segundo relatos da imprensa e mídia que acompanhou de perto, foram amigáveis e tiveram soluções que agradaram ambas as partes. Com isso, após mais de meio século, coreanos estarão sobre o mesmo território e em paz.

Mas o que mais animou participantes dos Jogos Olímpicos e líderes de nações ao redor do mundo foi a afirmação do vice-ministro de Esportes da Coreia do Sul, Roh Tae-Kang, de um desfile conjunto das duas delegações e formar uma seleção feminina de hóquei unificada. Tal gesto seria, neste momento, muito mais que simbólico, uma reaproximação que o esporte ajudaria na consolidação da paz na península.

Vale lembrar, porém, que as duas Coreias oficialmente ainda estão em guerra e já desfilaram juntas nas cerimônias de abertura dos Jogos Olímpicos de 2000 em Sydney, em 2004 em Atenas, e em 2006 em Turim. Desde então as negociações continuaram, mas sempre sem um objetivo final concretizado. A Coreia do Norte boicotou os Jogos de Seul, em 1988, únicos organizados até o momento na Coreia do Sul.

É uma ilusão imaginar que competições esportivas consigam, por si só, resolver impasses geopolíticos. Entretanto estes gestos de reaproximações representam a sinalização de que há um espaço para o diálogo quando as partes envolvidas demonstram interesse. E isso não se limita às Coreias ou é novo. Daí a esperança gerada.


No auge da Guerra Fria, em 1971, um time de mesa-tenistas se tornou o primeiro grupo de americanos a visitar a China comunista. Foi sob a gestão de Richard Nixon, tão polêmico quanto as decisões externas que tomava. Os chineses, com tal atitude, deram o primeiro de muitos passos para o fim do seu isolamento com o resto do mundo, algo que seria definitivamente encerrado alguns anos depois com Deng Xiaoping, em 1978.

À época, a imprensa internacional chamou de "diplomacia do pingue-pongue". Nixon e Mao Tsé Tung, líder do Partido Chinês, fariam um histórico encontro meses após essa experiência bem sucedida.

Ainda na mesma década, logo após a descolonização britânica, uma intensa disputa entre Índia e Paquistão levou os dois países a diversos conflitos. O primeiro da religião hindu e o segundo, islâmico. Porém, uma herança esportiva deixada pelos ingleses se tornou a pavimentação para a reaproximação: o críquete.

Esporte mais popular em ambos territórios, em 1978, após anos de disputas, campeonatos voltaram a ser disputados entre as nações. Em 2005, Manmohan Singh e Pervez Musharraf, líderes dos respectivos países, sentaram-se lado a lado durante uma partida e afirmaram que "a paz era irreversível".

Já que o assunto é descolonização, o maior símbolo da luta pela paz aconteceu na África do Sul. Assolada pelo Apartheid, um movimento de segregação racial que atingia em cheio a população negra local, o Comitê Olímpico Internacional decidiu agir após pressões internacionais e baniu o país dos Jogos de Tóquio. A punição foi um dos muitos boicotes que os sul-africanos sofreram durante o período, que incluía também o chamado "boicote cultural", que excluiu o território dos grandes shows e artistas.

O COI só autorizou sua volta aos Jogos Olímpicos em Barcelona, em 1992, após negociações intensas pela liberdade de Nelson Mandela e líderes políticos. O Apartheid só foi cair em 1994, mas no ano seguinte o esporte deu provas de como pode ser um agente de mudança. Através do rugby, prática que representava a maior separação entre a população e considerada "coisa de branco", foi usada por Mandela, recém eleito presidente da África do Sul, para unir a nação.

Durante a Copa do Mundo de Rugby, que aconteceu no país, o Madiba fez com que diversas camadas sociais se unissem para torcer pelos Springboks, como é conhecida a Seleção Nacional. Ele mesmo fez questão de participar da preparação e agenda do evento. O caso foi tão simbólico que virou livro, filme, História... e exemplo.

Que após fevereiro possamos incluir também o caso das Coreias no livro de História: o esporte em favor da paz.

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