Por Juvenal Dias
No fim de agosto, tive oportunidade visitar o
projeto social Caravana do Esporte e das Artes, que reúne jornalistas e atletas
com o objetivo de educar crianças de escolas públicas através do esporte e
outras atividades culturais. Também estimula e capacita profissionais da
educação para continuar o trabalho, mesmo após a passagem da Caravana. O evento
ocorreu em São Bernardo do Campo(SP).
Dentre os personagens conhecidos, estava
Keila Costa, saltadora que esteve nas últimas quatro edições dos Jogos
Olímpicos e pode se tornar a primeira mulher do atletismo nacional a conseguir a
vaga pela quinta vez. A pauta da entrevista era para o site Torcedores, mas
como o assunto rendeu principalmente no tema olímpico e foi acordado que a
entrevista poderia ser publicada para os leitores do Surto Olímpico. Então
confira o que a atleta falou sobre o projeto, a evolução de sua carreira e como
está a preparação para Tóquio.
Keila, gostaria que
começasse falando das suas impressões sobre a Caravana do Esporte
Eu não conhecia. É a primeira vez que vim participar. Já
tinha visto pela televisão. Achei o máximo! Eu também vim de um projeto social,
lá em Abreu e Lima, região metropolitana de Recife, em Pernambuco. Essa
inclusão social através do esporte, toda criança deveria ter acesso a esse tipo
de evento. Deveria ser contínuo e fixo (nos lugares por onde passa), seria bem
melhor. Mas não há tanto suporte para isso. Seria bem bacana, porque é destas
ações que as crianças precisam mesmo.
Fazendo um paralelo
com sua origem em projetos semelhantes, qual a importância para as crianças, no
aspecto de formação de um cidadão e atleta?
Isso é oportunidade. Do projeto que eu vim, o treinador não
tinha como objetivo a formação de atletas olímpicos, campeões. Ele apenas
pensava na inclusão mesmo. Quem não estivesse frequentando a escola, não
poderia participar das atividades. Isso acaba estimulando a criança, até para
não ficar fora do grupo. O projeto era em comunidade carente. Virei atleta pelo
destino. O treinador me levava nas competições e eu acabava me destacando das
outras meninas. Ele viu que eu tinha um talento maior para o atletismo. Fui
gostando também, competindo e ganhando no Brasileiro, Sul-americano... Mas o
objetivo inicial era apenas a inclusão social mesmo.
Você acredita que da
Caravana possa surgir outros campeões, outras 'Keilas'?
Com certeza! Pode aparecer campeões olímpicos, profissionais
de áreas ligadas ao esporte e arte. Elas (crianças) têm acesso à instrumentos,
têm acesso à música! Imagina se não achamos um músico muito talentoso ou um
atleta olímpico aqui... É uma grande oportunidade para elas conhecerem coisas
diferentes, até porque, muitas vezes, nunca viram uma raquete, acham que
atletismo é só corrida. É uma chance de conhecer um pouco mais.
Aproveitando para
falar de atletismo em si, faz dez anos da conquista da Maurren Maggi no salto
em distância, em Pequim, prova que você também participou. O Brasil já tinha
uma tradição de saltadores, mas sempre eram homens. O que representou aquela
conquista para as atletas mulheres?
Primeiro que ela fez história, foi a primeira medalha
individual no atletismo feminino. Parecia que não era apenas a Maurren subindo,
eram todas as atletas. Ela representava todas as atletas do atletismo feminino.
Ficamos muito felizes. Na época, admirava a Maurren, depois viramos mais
adversárias, mas, no meu começo, sempre a admirei, então a conquista dela era
motivo de alegria para mim. Dentro da prova, fiquei muito emocionada. Fui bem
também, saltei dentro daquilo que eu esperava, que era estar entre as doze
melhores. Terminei em 11ª. Foi uma prova completa para nós e para o Nélio
(Moura), que era meu treinador na época.
De lá até hoje, como
você viu sua evolução como atleta?
Acabei deixando de lado um pouco o salto em distância,
porque minha prova principal é o salto triplo. Na época, não fui nesta prova
por causa de lesão. Mudamos a perna de salto e tive algumas complicações.
Depois foquei mesmo no salto triplo, continuei com o salto em distância para
ajudar na finalização do movimento. Evolui bastante no salto triplo. Bati
recordes, brasileiro (que hoje já não é mais meu), sul-americano... De 2013 a 2015
tive uma evolução bem legal no triplo.
Nota: O recorde brasileiro no salto triplo é atualmente de Nubia Soares e recorde sul-americano é de Caterine Ibarguen (COL)
Como foi a emoção de
competir em uma edição de Jogos Olímpicos em casa?
Fui para Atenas-2004, Pequim-2008, Londres-2012 e Rio-2016.
Eu falo que foi a melhor olimpíada da minha vida, mesmo eu tendo me machucado.
Sentir a energia que nós sentimos dentro da pista, a torcida conosco, foi uma
sensação maravilhosa. Já tinha passado por isso no Pan de 2007, mas nos Jogos
Olímpicos isso foi bem maior.
E como você está hoje em
termos de condicionamento físico, preparação no ciclo olímpico?
Depois dos Jogos de 2016, na verdade, eu estava pensando em
parar, finalizar minha carreira por uma lesão, tive uma protusão discal da L4 e
L5 durante os Jogos. Competi por teimosia, porque o médico falou para não ir.
Mas eu já tinha a vaga, não tinha como substituir por outra atleta. Estava com
dor, mas já estava lá e fui competir. Era uma decisão que, havia esperado
quatro anos, em uma semana, por uma lesão, não poderia ficar fora.
Depois consultei outros especialistas para saber o que, de
fato, havia acontecido comigo. Muitos deles me alegraram com notícias boas, que
não era tão grave e eu poderia voltar. Foi o que aconteceu. Fiz todo o
tratamento, fiz fortalecimento e hoje não sinto mais nada no local. Voltei a
treinar e competir forte, veio lesão novamente, agora joelho. De qualquer
forma, este é um ano mais “morto”. É um ano que não tem nada mais importante,
até tiveram bons resultados, mas os melhores atletas não fizeram o esperado, já
que é um ano de “descanso”.
2019 já tem Pan-Americano, que é uma preparação para os
Jogos de Tóquio. Aí sim é preciso fazer uma boa preparação na janela entre
outubro e janeiro. É o período de base do treino. Sem lesão ou qualquer tipo de
estresse para entrar na temporada bem forte, sem sentir dor e voando.
Mesmo sendo um ano com
menos atividades, como enxerga a preparação do atletismo brasileiro?
Na verdade, depois de 2016, está sendo um período difícil.
Patrocinadores saíram, clubes acabaram, então muitas portas se fecharam. Você
fica naquela: “Continuo ou não continuo”? O atletismo está acabando... Mas se
eu falar que acabei, não estarei ajudando o atletismo. Até por outras crianças,
pelos mais novos que estão pensando em 2020. Não podemos deixar o atletismo
cair, morrer. Decidi que vou continuar. Se não for por mim, vai ser pelos que
estão vindo. Mas foi bem difícil encontrar motivação pela falta de patrocínio,
por ter ficado sem equipe, mas estamos aí, firme e forte, treinando do jeito
que dá.
fotos: Jone Roriz/Exemplus/COB
0 Comentários