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Surto História: O jogo do 'milagre no gelo' de Lake Placid 1980

Com o rigor do COI em não aceitar profissionais em jogos olímpicos, algumas competições tinham um pouco menos do glamour ou eram dominadas por um país que se mantinha amador. E no hóquei no gelo, era a URSS, que mantinha a sua liga com status de amadora, era a 'bicho-papão' na modalidade, vencendo seis das últimas sete disputas olímpicas. E em 1980 em Lake Placid, parecia que o enredo se repetiria.


Os soviéticos tinham uma seleção recheada de jogadores com larga experiência internacional, e com muitas vitórias no currículo, vinham para um ouro quase certo. E os Estados Unidos, querendo ou não, não queriam ver os soviéticos brilhando em um esporte tão popular entre os americanos, no auge da guerra fria. Mas ele não podiam fazer muito. Sem os seus craques profissionais da NHL, os americanos levaram uma seleção amadora e de jovens, a seleção com média de idade mais jovem da história.

No contexto geo-político, a Guerra Fria começava a dar sinais de fraqueza e a abertura econômica era uma questão de tempo. Mesmo com a iminente mudança, a União Soviética tinha acabado de invadir o Afeganistão. 1980 era o ano em que Moscou sediaria os Jogos Olímpicos de Verão e Lake Placid, nos Estados Unidos, os de Inverno. Em resposta à invasão do Afeganistão, o então presidente americano Jimmy Carter pediu que os Estados Unidos liderassem um boicote aos Jogos de Moscou, e a delegação americana se recusou a participar, levando consigo o apoio de muitos outros comitês olímpicos nacionais. O bloco socialista respondeu à altura, mas não boicotou Lake Placid, e sim os Jogos de Verão de Los Angeles, em 1984. 

O treinador da seleção americana de hóquei era Herb Brooks, tinha como única frustração da vida ter sido cortado do time americano que levou o ouro no hóquei em 1960 e queria conquistar o ouro em 1980 e derrotando a temida seleção soviética. algo considerado praticamente impossível. Mas Brooks juntou a seleção seis meses antes dos jogos começou um duro treinamento, pois ele martelava na cabeça de seus atletas que era impossível vencer a União Soviética no talento: eles não tinham talento para tal, portanto, precisavam ser a seleção com melhor preparo.

Enquanto isso, também em 1979,  a União Soviética participou de um torneio contra uma seleção all star da NHL e em uma melhor de três, venceu, com direito a um 6 a 0 na partida final. Às vésperas das Olimpíadas, EUA e URSS disputaram um amistoso no Madison Square Garden, com vitória soviética por 10 a 3. O resultado que irritou profundamente Brooks e deixou os soviéticos confiantes de que não teriam adversários.

Nos Jogos Olímpicos, os americanos mostraram sua força. Na fase de grupos, os Estados Unidos empataram em 2 a 2 com a Suécia (com gol de empate a 30 segundos do fim, sem goleiro e com patinador extra) e venceu a Tchecoslováquia por 7 a 3. O resultado mostrava a força do conjunto americano: os tchecoslovacos eram a segunda melhor seleção “amadora” do mundo. Na sequência, vitória sobre a Noruega (5 a 1), Romênia (7 a 2) e Alemanha Ocidental (4 a 2). Estados Unidos e Suécia avançaram para a rodada de medalhas. Do outro grupo, avançaram União Soviética e Finlândia. Na fase final, cada Seleção enfrentaria as duas seleções vindas do outro grupo; o resultado obtido anteriormente no seu próprio grupo seria mantido; assim, EUA enfrentaria URSS e Finlândia.

Logo na primeira rodada da fase final, dia 22 de fevereiro de 1980, os americanos enfrentaram os soviéticos. O primeiro período terminou empatado por 2 a 2, com os soviéticos sempre tomando a frente no placar - gols de Vladmir Krutov e Serguei Markarov- e os americanos indo buscar o empate- gols de Buzz Schneider e Mark Johnson. O técnico soviético se irritou com Vladislak Tretiak, na época considerado o melhor goleiro do mundo e pôs o seu reserva logo após o empate americano.

No segundo período, os soviéticos mesmo chocados com a mudança repentina no gol, dominaram o jogo e marcaram o terceiro gol com Aleksandr Maltsev. No último período, é que o milagre aconteceu. Mark Johnson marcou o terceiro gol americano, em uma jogada inesperada americana, já que em 27 minutos, eles só tinham chutado duas vezes ao gol. O empate fez o time americano crescer no jogo e os soviéticos não acreditavam no que viam. dois minutos depois, Mike Eruzione arriscou um chute de longe e a bola entrou. Os americanos estavam na frente pela primeira vez no placar.

Depois dali, o time tinha que segurar o jogo e outro herói surgiu. Jim Craig fez verdadeiros milagres debaixo das traves, com 36 de 39 chutes salvos na partida. Os soviéticos entraram em desespero e estranhamente não tiraram o goleiro para pôr um atacante extra. Após o jogo, foi revelado que o treinador soviético Viktor Tihkonov nunca tinha treinado esse esquema de seis contra cinco, por achar que nunca fosse precisar.

Os segundos finais foram com os Estados Unidos tocando a bola e a torcida contando os segundos. O narrador Al Michaels entrou para história com a seguinte frase ao fim do jogo: 'Você acredita em milagres? SIM!"


O feito inacreditável não foi o suficiente para o título olímpico. os Americanos tinham que vencer a Finlândia e venceram por 4 a 2, pondo o nome de todos de vez na história. Esse é considerado um dos maiores feitos olímpicos da história. A conceituada revista Sports Illustrated escolheu esse momento esportivo como o mais importante da história do século XX. Dos vinte jogadores campeões olímpicos, 13 fizeram carreira na NHL e apenas três ganharam a Stanley Cup, mas ninguém conseguiu ser maior do que o feito em 1980. Eruzione, autor do gol da vitória, resolveu encerrar a carreira após os Jogos, por crer que já tinha feito tudo que podia na carreira.

Na União Soviética, a prata foi encarada como uma grande competição. Tihkonov assumiu a culpa pela derrota, por ter tirado Tretiak - 'O maior erro da minha vida' - e ter deixado os soviéticos ficarem confiantes demais. Mas os soviéticos se mantiveram dominantes no hóquei no gelo até a dissolução da nação em 1991, o que engrandeceu ainda mais o feito dos americanos.

Esse feito tem muitos materiais feitos para o cinema como 'Desafio no gelo' de 2004, tem Kurt Russell como Brooks e mostra toda a trajetória do time campeão olímpico, assim como filme 'Miracle on Ice' e o documentário 'Do You Believe in Miracles?', ambos inéditos no Brasil. 

Os campeões olímpicos em 1980 foram responsáveis por acender a tocha olímpica de Salt Lake City em 2002, que a seleção americana tinha Herb Brooks como treinador. Ele venceu novamente a Rússia nas semifinais, mas perdeu o título olímpico para o Canadá. Brooks morreu em 2003 em um acidente de carro.

Herb Brooks entrou para história do hóquei ao liderar o 'milagre no gelo'


fotos: Joe Lipincott, Getty Images

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