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SurtoRetrô do Rio 2016 - 08 de Agosto de 2016

Recomeço, redenção, reescrever sua história. De todas as palavras e sentimentos que envolvem uma Olimpíada, talvez estes sejam os que mais encontro em heróis olímpicos. A superação, tanto dentro quanto fora do esporte, é algo que inspira, que emociona, que nos faz amar e torcer por nossos atletas nas Olimpíadas. Rafaela Silva fez tudo isso e mais um pouco nesse dia.

Segunda, 8 de agosto de 2016.

Não se sabe o que passava pela cabeça da judoca brasileira naquele dia, mas quem olhava para o semblante de Rafaela, cada vez que ela pisava no tatame, a comparava facilmente com um tigre em busca de sua presa. Focada, seu olhar exigia respeito e gritava para todas as suas adversárias: "ninguém vai ganhar de mim na minha casa". E literalmente, sua casa.

Como um roteiro de cinema ou uma história de um bom livro, o primeiro ouro do Brasil viria de uma mulher, negra e criada em uma comunidade carente, a descrição mais fiel das pessoas que mais sofrem desigualdades no Brasil. Criada na famosa Cidade de Deus, apenas 8 km de distância da Arena Carioca II, Rafaela começou no judô aos sete anos em um projeto social criado pelo judoca medalhista de bronze olímpico Flávio Canto. E não esconde de ninguém que tocar na medalha de Flávio após a volta dele de Atenas mudou sua vida e a fez acreditar que um dia ela teria uma também, principalmente para inspirar as crianças que treinam diariamente com ela no Instituto Reação.

Para tornar a história mais épica ainda, duas lutas marcaram a trajetória de Rafa naquela segunda feira. Primeiro, nas quartas de final, derrotou a húngara Hedvig Karakas, mesma atleta e mesma fase onde quatro anos antes em Londres, por uma catada de perna, a brasileira foi desclassificada e em um dos momentos mais tristes de sua vida, sofreu ainda com ofensas racistas que quase a fizeram parar de lutar. Após vencer no Golden Score a Romena Corina Caprioriu, chegou a vez de enfrentar a mongol Dorjsürengin Sumyaa na grande final. A brasileira, assim com em todas as lutas, ganhou por waza-ari, mas o golpe aplicado mais uma vez foi com pegada nas pernas. Mongóis comemorando, tensão na arena e reunião dos árbitros que levou alguns intermináveis segundos de expectativa para dar o  Waza-ari confirmado e minutos depois, uma explosão de alegria em todo o Brasil, tínhamos nossa primeira campeã olímpica, e a saga dessa medalha como uma boa história olímpica não poderia ter sido mais bem escrita. 

Muita coisa aconteceu nesta primeira segunda feira olímpica. 

No vôlei de praia, vitória da dupla brasileira feminina Ágatha/Bárbara por 2x0 contra a dupla argentina. Por outro lado, derrota de Alison / Bruno Schimidt para Doppler / Horst da Áustria por 2x1

Na ginástica, melhor colocação da história da equipe masculina brasileira, um excelente sexto lugar. A final foi vencida pelo Japão. Diego Hypólito (solo), Arthur Nory (solo) e Arthur Zanetti  (argolas) voltariam nos dias seguintes para as finais individuais.

Nos esportes coletivos, vôlei feminino e pólo aquático masculino atropelaram seus rivais. As bicampeãs olímpicas fizeram 3x0 sobre a Argentina, enquanto nas águas do Parque Aquático Maria Lenk, os rapazes do pólo golearam o Japão por 16 x 8. No handebol feminino, outra vitória fácil do Brasil, 26 x 13 sobre a Romênia. A perfeição só não veio pois no basquete feminino, as meninas do Brasil perderam para o Japão por 82 x 66, a segunda derrota na Rio-2016.

Dois esportes sem tradição no Brasil conquistaram boas colocações, chegando as oitavas de final de suas chaves nesse dia. No tiro com arco feminino, Ane Marcele venceu atletas do Japão e Áustralia e garantiu a melhor colocação de uma brasileira na história. A disputa seria no dia seguinte.
Já no tênis de mesa, o jovem e promissor Hugo Calderano - anote esse nome - perdeu nas oitavas de final para o japonês Jun Mizutani por 4x2. Jun, número seis do mundo, conquistaria o bronze dias depois na chave individual.

Na natação, o destaque ficou para a húngara Katinka Hozzsu, que conquistou sua segunda medalha de ouro, desta vez nos 100 costas. Os americanos Lilly King (100 peito) e Ryan Murphy (100 costas) e o chinês Sun Yang (200 livre) foram os outros vencedores do dia. Michael Phelps se garantiu na final dos 200 borboleta, a ser disputada no dia seguinte.

Um outro grande destaque desse dia tão emocionante e simbólico, foi a participação de Ibithad Muhhamed na esgrima. Mesmo eliminada, se tornou a primeira americana da história olímpica a representar a nação trajando um hijab, vestimenta feminina típica da religião islâmica.

E pra finalizar, vitória dos Estados Unidos sobre a Venezuela no basquete masculino por apenas 113 x 69!

O depoimento de hoje, não poderia ser diferente. A vitória de Rafaela Silva emocionou o Brasil inteiro.

Veja nas palavras de Daniel Barbosa, editor do Surto Olímpico como foi esse especial dia para ele.

Por Daniel Barbosa

Após 2 dias de disputas do judô, o Brasil ainda estava sem medalhas, já que Sarah Menezes e Érika Miranda, esperanças de medalha nos dias anteriores haviam saído de mãos vazias, o que já estava causando apreensão na torcida e imprensa brasileira, havendo até mesmo críticas dos "corneteiros" de plantão.

Coube a Rafaela Silva a missão de trazer a primeira medalha do judô brasileiro e a primeira de ouro do Brasil nos Jogos. Quatro anos antes, em Londres 2012, ela havia sido desclassificada após aplicar uma 'catada de perna", um golpe ilegal, acabando ali o sonho de conquistar uma medalha. Rafaela foi alvo de críticas nas redes sociais, chegando até mesmo a receber insultos racistas, que a fizeram entrar em depressão e até mesmo chegou a pensar em abandonar a carreira, mas felizmente foi convencida do contrário.

Uma das coisas mais legais que o esporte proporciona é que ele é capaz de fazer com que um atleta receba uma segunda chance para poder dar a volta por cima. Afinal de contas, nada como um dia após o outro, ou melhor dizendo, uma Olimpíada após a outra. A campanha dela trouxe algumas coincidências com a campanha em Londres. Na estreia, enfrentou a alemã Miryam Hoper, mesma judoca com quem estreou em 2012. E a Rafaela foi arrasadora, conseguindo logo um waza-ari com 14 segundos de luta e 30 segundos depois aplicou um ippon. Na segunda luta, ela derrotou a coreana Jandi Kim, uma das favoritas da chave, com um waza-ari faltando um minuto pra luta terminar, classificando para as quartas de final.

E ai, quis o destino que ela reencontrasse a húngara Hedvig Karakas, a mesma adversária que ela enfrentou em Londres e foi desclassificada. Rafa aplicou um waza-ari, faltando 2 minutos para o fim. Muito concentrada e focada na luta, a brasileira garantiu vaga na semifinal, espantando o "fantasma" de 2012. A semifinal contra a romena Corina Caprioriu foi a luta mais tensa da campanha. A luta foi pro golden score, onde o árbitro chegou a apontar um waza-ari em favor da brasileira, que acabou sendo retirada em seguida, que irritou a torcida. Mas com 3 minutos de luta, ela finalmente encaixou o golpe e encerrou a luta.

Na final, a consagração. A adversária foi a mongol Sumiya Dorjsuren. Rafa aplicou um waza-ari (sua marca na campanha), faltando 3 minutos pro final. Depois conseguiu administrar a luta para conquistar a primeira medalha de ouro pro judô feminino brasileiro. As lágrimas de tristeza de Londres deram lugar as lagrimas de alegria. O primeiro ouro do Brasil nos Jogos veio de uma mulher, negra e da favela.

Sempre me emocionei muito com Olimpíadas e principalmente com as conquistas olímpicas brasileiras. Mas a primeira medalha de ouro é sempre a mais especial de todas. E a primeira de ouro em casa e com uma atleta que conseguiu dar a volta por cima, se torna mais especial ainda. Infelizmente não tive o prazer de ver in loco esta conquista. Estava acompanhando em Salvador mesmo, em uma tarde de segunda-feira ensolarada na capital baiana. Mas era como se eu estivesse lá.

Foto: Pedro Kirilos / Agência O Globo


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