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Atletas brasileiros adaptam treinos para o período de quarentena em casa


A rotina de um atleta de alto rendimento envolve sequências pesadas de treinos, preparação física, fisioterapia e acompanhamento de médicos, psicólogos e nutricionistas. Nos tatames, nas piscinas, nos ginásios e nas quadras, os dias são intensos. Nada parecido com o imposto pelo período de quarentena e isolamento social provocado pela pandemia do novo coronavírus, que fechou as portas de clubes e adiou os Jogos Olímpicos de Tóquio para 2021. Impossibilitados de treinar da forma habitual e com um ano extra no calendário olímpico, os atletas adotaram uma nova palavra ao momento vivido: adaptação.

“É uma sensação nova, uma experiência que todos os atletas estão vivendo agora. É complicado porque não conseguimos treinar como gostaríamos, mas a gente sabe que é desse jeito e tem que se adaptar, trabalhar com o que a gente tem. Não é o momento de ficar se lamentando. A gente tem que manter o corpo ativo e estar preparado para quando voltar, que a gente não sabe quando vai ser”, avalia o mesatenista Vitor Ishiy.

Aos 24 anos, o paulista vinha em um dos melhores momentos da carreira. Terceiro brasileiro do ranking mundial, Ishiy participou da conquista da vaga para a equipe durante o Pré-Olímpico de Lima, em outubro do ano passado. Na partida final e decisiva, venceu o argentino Pablo Tabachnik e confirmou o Brasil em Tóquio. Até então, apenas Hugo Calderano tinha a vaga individual assegurada pela conquista dos Jogos Pan-Americanos.

Mesmo sem a definição da composição da equipe, Ishiy sabe que tinha grandes chances de ocupar uma das outras duas vagas na equipe do tênis de mesa. “Seria bom se a Olimpíada fosse agora. Daqui a um ano, o ranking vai mudar e não dá para saber se vou ou não, mas não adianta. Eles tinham que adiar. Acho que era impossível sediarem os Jogos nessas condições. Agora tenho que trabalhar duro de novo por mais um ano”, comenta.

Trabalhar duro, contudo, não tem sido exatamente fácil. Com o clube fechado, Ishiy e Calderano estão se virando como podem na cidade alemã de Ochsenhausen. Conseguiram uma mesa e materiais de preparação física emprestados da equipe e montaram uma estação de treinos na casa de Hugo. Vitor, que mora em outro lugar, mudou-se provisoriamente para a casa de um preparador físico francês, que retornou ao país de origem. “É no mesmo condomínio do Hugo, assim não preciso andar pela rua”, explica.

“É complicado. A gente tenta se adaptar, mas não dá para treinar igual antes. Tem dia que treinamos duas vezes, tem dia que treinamos uma só ou pegamos para descanso. Com a notícia da Olimpíada adiada, é também um período para pensar bem no que é preciso trabalhar de novo”, acredita Vitor. “É uma mistura de emoções. No primeiro dia fiquei um pouco afetado, dei uma desanimada, mas no outro dia já tem que pensar positivo. Tem que pegar a melhor parte disso, pensar que dá para se preparar melhor. Se eu me classificar, vou estar mais bem preparado para representar o Brasil”, confia. 

Uma das maiores dificuldades do modelo de treino atual é não poder variar os adversários na mesa. “Normalmente somos 20 jogadores no clube, mas todos voltaram para suas casas e os brasileiros ficaram aqui. A gente se conhece bem, consegue treinar bem, mas é limitado. Não tem essa variação de adversários que é muito importante para o tênis de mesa”, acrescenta. 

Ainda assim, ter os materiais à disposição já foi um certo alívio. “O fato de a gente estar tocando na raquete já é muito bom. Quando fico duas semanas sem tocar na raquete, volto sem ritmo de bola”, explica. “Mas chegar em um jogo, em uma competição, é diferente. Vai demorar um pouquinho para voltar, mas acredito que vai ser para todo mundo. Não tem privilégio de alguns”, ressalta Ishiy.

Retornar ao Brasil chegou a ser uma possibilidade, mas acabou descartada. “Sou de São Paulo e o Hugo é do Rio. A gente pensou em voltar para o Rio de Janeiro e alugar alguma casa que tivesse um espaço grande para poder treinar entre a gente, mas a situação no Brasil ainda estava começando e a Alemanha já estava em quarentena”, relembra. Preservar os pais foi o fator decisivo para a estadia na Europa durante a pandemia. “Meus pais já são de idade. Eu poderia pegar o vírus no aeroporto, fiquei com medo de passar para eles”, conta Vitor.

Luta em casa
Para quem cumpre a quarentena no Brasil, o momento também é de adaptação. Nas redes sociais, diversos judocas publicam como é a nova rotina: Rafael Silva faz agachamentos com a esposa, Bruna Luísa, nas costas. Mayra Aguiar faz treino de braços puxando a irmã Hellen pelo quimono. Eric Takabatake e Alexia Castilhos, que são namorados, elaboraram uma sequência de entradas de golpes e fazem dois treinos por dia, além da preparação física.

“A gente está tentando manter a rotina de dois treinos por dia, como já estávamos acostumados, e o preparador físico passa o que temos que fazer. A gente tenta se virar usando garrafa de água como peso, elástico... O judô já é um pouco mais difícil, não temos nem espaço para lutas”, explica Takabatake.

Em 12o lugar no ranking mundial da categoria ligeiro (60kg), o atleta era presença praticamente certa em Tóquio. Agora encara a necessidade de se manter entre os melhores em mais um ano de espera até o evento. “É bem difícil principalmente pela etapa em que a gente estava, a poucos meses dos Jogos, mas temos que ver o contexto geral. Esse isolamento é a melhor coisa a se fazer, é o certo”, acredita. “Claro que você fica um pouco chateado, mas o adiamento foi justo. Agora é não perder o foco e carimbar essa vaga no ano que vem”, afirma.

A Confederação Brasileira de Judô (CBJ) também entrou na onda dos treinos em casa e lançou um Desafio Olímpico nas redes sociais, em parceria com clubes. Todos os sábados, dois atletas se enfrentam virtualmente em um treino específico para judocas de alto rendimento proposto pelo clube anfitrião. Na estreia, o desafio foi entre Victor Penalber e Felipe Kitadai. No próximo sábado, as redes terão os veteranos Luciano Corrêa e Leandro Guilheiro.

Improvisos
Apesar de toda a seriedade do momento vivido ao redor do mundo, atletas brasileiros também aproveitam para descontrair um pouco nas redes sociais. Assim, o ginasta Arthur Nory publicou vídeos subindo escadas em parada de mãos e até levando um tombo durante outro exercício. Já o companheiro de seleção Francisco Barretto postou um vídeo em que estaria fazendo uma liberação de musculatura usando um tambor.

Entre os atletas paralímpicos, os treinos também seguem em casa. Nadador multimedalhista, Daniel Dias publicou como está se exercitando, usando elásticos e carregando os filhos. Já Debora Menezes, do parataekwondo, divulgou uma parte do treino de membros superiores.

Desafios
Diretor-geral do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e campeão olímpico de judô em Barcelona 1992, Rogério Sampaio sabe que os treinos domésticos não chegam perto da rotina habitual dos atletas. “Cada um está fazendo o que pode, como abdominais e fortalecimento físico, mas isso é muito distante do treinamento de um atleta olímpico, que vai disputar Jogos Olímpicos e que pensa em conquistar uma medalha. O retorno vai ser duro, mas esse é um panorama que não é só para o atleta brasileiro”, comenta.

“O importante é a gente ter todo mundo animado, estimulado, para retornar o mais rápido possível. Acho o adiamento desses Jogos Olímpicos tem esse aspecto motivacional. Em um primeiro momento, os atletas estavam muito preocupados com os Jogos Olímpicos este ano porque não conseguiriam chegar no melhor de suas formas físicas. Com o adiamento, todos terão tempo para recuperar o ritmo de competição internacional. Acho que a mudança traz uma motivação muito grande para os nossos atletas”, acredita Sampaio.

A pandemia, contudo, não trouxe desafios apenas para os atletas. No campo da gestão, uma das preocupações tem sido a alta do dólar. “Isso para a gente tem um grande impacto porque, além dos nossos maiores custos serem em dólar, cada vez que a gente faz uma remessa ao exterior, nós pagamos 33% de imposto”, explica o diretor-geral do COB.

Outra questão que chama a atenção dos dirigentes é a queda na arrecadação das loterias federais, grande fonte de recursos do esporte brasileiro via Lei Agnelo Piva. “O recurso da loteria é muito importante para o movimento olímpico. É com ele que os nossos atletas participam de competições no exterior, fazem seu treinamento, compram o seu material. Todas as necessidades para que um atleta esteja entre os melhores do mundo são investimentos feitos com recursos das loterias. Esse é um momento de muita preocupação”, reconhece Rogério Sampaio.

“Ainda não sabemos qual será o percentual desse diminuição, teremos um panorama melhor no fim de abril, mas eu entendo que, passado esse momento do isolamento, a tendência é que os valores de apostas subam e a gente possa ter o recurso suficiente para manter as nossas principais atividades”, acredita. Na última terça-feira (31.03), o Ministério da Cidadania publicou uma portaria ampliando o prazo para a prestação de contas dos recursos da Lei das Loterias. 

Por outro lado, o COB vê com alívio o fato de que o adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio para 2021 não acarretará em multas para os contratos atuais. “A maioria dos contratos que nós tínhamos, de passagens aéreas, hotéis, alimentação, nós estamos conseguindo fazer o aditamento de contratos, inclusive mudando datas de utilização sem multa. Isso para a gente é um grande alívio. Mesmo nos locais onde nós faríamos nossa aclimatação, são locais sem custo de aluguel. Nós permutávamos com ações de engajamento junto à comunidade. Então já estamos trabalhando para a mudança de todos .

Foto; Abelardo Mendes Jr/Rede do Esporte

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