Para o esporte brasileiro, o ano de 2015 estará longe de ser
monótono. Afinal, trata-se da última temporada esportiva completa antes
dos Jogos Rio 2016, o maior evento esportivo do planeta, que pela
primeira vez será realizado em um país da América do Sul.
A expectativa é grande entre as dezenas de modalidades que terão
disputas de medalhas durante os Jogos Olímpicos e os Jogos Paraolímpicos
na Cidade Maravilhosa. Entretanto, não são só os atletas, os técnicos e
os demais profissionais do esporte que vivem esse clima.
Em pleno ano de Jogos Pan-Americanos — que serão realizados entre 10 e
26 de julho, em Toronto — e de Jogos Para-Pan-Americanos (de 7 a 15 de
agosto, no mesmo local), os profissionais do Laboratório Brasileiro de
Controle de Dopagem (LBCD) vão trabalhar intensamente para que o LBCD
obtenha da Agência Mundial Antidopagem (AMA, ou WADA, na sigla em
inglês) a reacreditação, de modo que o laboratório possa conduzir os
milhares de testes de controle de dopagem durante os Jogos Olímpicos de
2016.
Nesse sentido, é importante esclarecer uma dúvida que ainda confunde
muita gente, mesmo os mais envolvidos com o esporte: a reacreditação não
é um processo conduzido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). O
LBCD, que antes chamado era de Ladetec/Lab-Dop, teve acreditação do COI
de 2002 a 2004. Depois disso, a Agência Mundial Antidopagem passou a
exercer a função de órgão acreditador, tendo mantido a acreditação até
2013. O laboratório funcionou, portanto, por 24 anos (1989 a 2013),
sendo que durante 11 deles esteve acreditado ou pelo COI ou pela AMA
para conduzir testes antidopagem, tendo sido, também, o primeiro
laboratório da América Latina e do Caribe a obter tal credenciamento.
Legado, novo prédio e novo nome
Desde que o Rio de Janeiro conquistou, em 2 de outubro de 2009, em
Copenhague, na Dinamarca, o direito de sediar os Jogos de 2016, uma das
principais preocupações do governo federal passou a ser que o evento
esportivo deixasse um amplo legado. E uma das iniciativas desse processo
de herança dos Jogos Rio 2016 foi a construção de um novo prédio para o
hoje rebatizado Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem.
O LBCD não é um novo laboratório. Trata-se do mesmo que foi fundado
em 1989, mas apenas com um novo nome e localizado em um novo prédio. As
novas instalações, assim como as antigas, estão localizadas na Cidade
Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o LBCD
segue como parte do Laboratório de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico
(Ladetec), que congrega vários outros laboratórios satélites do
Instituto de Química (IQ) da UFRJ. As novas instalações comporão um
conjunto de prédios do Polo de Química que serão erguidos na
Universidade. O Bloco C — onde fica o LBCD — foi o primeiro a ser
construído, em virtude da proximidade dos Jogos Rio 2016.
As obras começaram em fevereiro de 2013 e a ala do LBCD ficou pronta
em julho de 2014, mesmo mês em que começaram a ser transferidos os
equipamentos e as equipes que trabalhavam no prédio antigo. Com isso, o
LBCD já está funcionando no novo prédio desde o início de agosto de
2014.
Vale ressaltar que o controle de dopagem é apenas uma das áreas
desenvolvidas pelo Ladetec, que é composto por vários laboratórios que
em breve também ganharão novas instalações: Laboratório de Análise de
Proteínas e Sangue, Laboratório de Erros Inatos do Metabolismo,
Laboratório de Geoquímica Orgânica Molecular e Ambiental, Laboratório de
Preparação de Colunas Capilares e Cromatografia, Laboratório de
Espectrometria de Massas, Laboratório de Calibração, Laboratório de
Análises Geoquímicas e Laboratório de Análise de Resíduos.
Investimento e avanço tecnológico
O orçamento das obras do Ladetec é estimado em R$ 110,4 milhões — R$
85 milhões do Ministério do Esporte e R$ 25,4 milhões do Ministério da
Educação. Ainda na fase do projeto, o Ministério do Esporte já havia
repassado outros R$ 6,5 milhões à UFRJ para o trabalho da equipe de
engenharia e arquitetura da Universidade. Os novos equipamentos estão
orçados em R$ 30 milhões, a cargo do Ministério do Esporte e é
importante frisar que esse valor está fora dos R$ 110,4 milhões voltados
para as obras.
A maioria dos aparelhos é importada e uma parte já foi entregue. A
outra está em processo de compra. Todo esse investimento terá impacto
significativo em ciência, tecnologia e inovação, sendo, portanto, um
legado dos Jogos Rio 2016 que extrapola os limites do esporte.
Em relação ao controle de dopagem, a tecnologia utilizada no LBCD é a
mais sofisticada possível. Cadeias produtivas de vários setores
dependem de análises químicas qualificadas como as que são desenvolvidas
e utilizadas para controle de dopagem, o que significa um grande avanço
tecnológico para o Brasil, com impacto também na formação de
profissionais especializados para diversas áreas.
Com equipamentos de ponta e processos inovadores já em
desenvolvimento, os investimentos realizados no Ladetec beneficiarão não
apenas a Universidade Federal do Rio de Janeiro como toda a comunidade
científica do país. Várias universidades brasileiras que buscam expandir
e modernizar sua atuação na área de química encontrarão na UFRJ e no
Ladetec um importante suporte para suas pesquisas e demais aplicações de
rotina.
Outro legado dos investimentos diz respeito à melhoria na capacitação
dos profissionais brasileiros. Com os avanços técnico-científicos em
curso, o LBCD e demais laboratórios do Ladetec, além dos testes,
seguirão atuando em pesquisas científicas de diversas áreas e também no
ensino acadêmico e na formação de profissionais cada vez mais
qualificados.
Toda essa estrutura estará a serviço dos Jogos Rio 2016, que terão
profissionais não apenas do LBCD, mas de todo o Ladetec atuando nas
análises de controle de dopagem durante o período das competições
olímpicas e paraolímpicas. Depois disso, as diferentes áreas retomarão
suas atividades rotineiras.
Essa força-tarefa é necessária pelo grande volume de trabalho que os
Jogos exigem. Isso, em muitos casos, faz com que cidades-sedes, mesmo
aquelas que já possuem laboratório de controle de dopagem acreditado,
montem estruturas temporárias para o laboratório que será usado durante o
período de competições. Isso ocorreu, por exemplo, durante os Jogos
Olímpicos de Londres 2012 e também durante os Jogos Olímpicos de Inverno
de Turim-2006, Vancouver-2010 e Sochi-2014.
Para os Jogos do Rio de Janeiro, entretanto, não haverá estrutura
temporária. As novas instalações permanentes são suficientes para
garantir a realização de todas as análises necessárias. Portanto, 100%
do investimento serão transformados em legado.
Por último, ter um laboratório acreditado no país contribui muito
para o desenvolvimento de um programa antidopagem nacional mais eficaz. O
controle é beneficiado em termos de segurança da cadeia de custódia e
da preservação da integridade das amostras, que levam menos tempo para
chegar ao laboratório. Há, ainda, a economia com os custos do transporte
das amostras.
Mais profissionais qualificados
Durante os Jogos Rio 2016, o LBCD irá funcionar 24 horas, sete dias
por semana, em todo o período de competições dos Jogos Olímpicos e dos
Jogos Paraolímpicos. Não há um número determinado de análises a serem
feitas. Mas pode-se tomar Londres como parâmetro: lá foram feitos 5,5
mil testes nos Jogos Olímpicos e 1,5 mil nos Jogos Paraolímpicos.
Para conduzir tantos testes será necessário ampliar o número de
profissionais envolvidos. Atualmente, a UFRJ promove concursos para
contratar pesquisadores e dezenas de outros profissionais (químicos,
biólogos, farmacêuticos, técnicos de laboratório de áreas diversas,
entre outros). A equipe vem aumentando desde agosto de 2014, com a
contratação desses novos concursados. A força de trabalho atual é de
aproximadamente 60 profissionais, mas haverá outras contratações.
Os novos técnicos estão sendo submetidos a um programa intenso de
treinamento. Além disso, o corpo docente também está sendo reforçado.
Foram contratados recentemente sete professores, visto que o laboratório
é um espaço de formação acadêmica. O LBCD terá ainda, para os Jogos Rio
2016, o apoio de consultoria de técnicos especialistas em operações
antidopagem que já atuaram em outras edições olímpicas.
Segundo Francisco Radler, coordenador do Ladetec, os investimentos do
governo federal abrirão uma nova frente no setor. “O investimento no
LBCD e no Ladetec representa contribuição ímpar para a atualização do
país em análises químicas moleculares de alta complexidade. O controle
de dopagem no esporte exige emprego de tecnologias de ponta de modo a
reduzir a margem de manobra dos atletas fraudadores. O trabalho de
fronteira também exige o intercâmbio intenso com os demais laboratórios
acreditados pela WADA, podendo-se antever estreito relacionamento com
pelo menos dez deles engajados em pesquisas de fronteira em química
analítica, bioquímica e genética, dentre outras.”
Para o especialista, o trabalho em conjunto de todos os laboratórios
do Ladetec e os centros de pesquisa que estão surgindo representam uma
revolução para a ciência no Brasil. “O modelo do Ladetec, de
constituir-se de laboratórios associados, operando nas mais diversas
áreas, traz expertise para o controle de dopagem e dissemina o
conhecimento avançado para as demais áreas de atuação”, destaca Radler.
“Além disso, a UFRJ está recebendo inúmeros centros de pesquisas de
empresas multinacionais estrangeiras de renome, revertendo a situação
histórica do Brasil de não contar com esses centros em seu território.
Como a maioria das atividades produtivas depende da química em alguma
etapa de sua cadeia, o Polo de Química da UFRJ vai preencher a enorme
lacuna gerada pela demanda desses centros de pesquisa por formação de
pessoal adequado e também pelas interações com os laboratórios de
pesquisa do Polo. É claro que todos esses benefícios serão capilarizados
pelo país, uma vez que é tradição da UFRJ interagir fortemente com as
comunidades acadêmicas e de pesquisas em todo o território nacional.”
Processo de acreditação
Atualmente, a equipe do LBCD tem trabalhado na execução de todas as
etapas relativas a exames de controle de dopagem. Porém, essas tarefas
são realizadas com amostras internas, o que garante que os profissionais
do laboratório mantenham treinamento e procedimentos de trabalho em
dia, além de realizarem adequadamente a análise das amostras de
acreditação enviadas pela Agência Mundial Antidopagem (AMA) e
responderem aos questionamentos decorrentes das auditorias da agência
mundial.
O processo de reacreditação do LBCD começou em julho de 2014 e segue
um calendário determinado pela AMA, com expectativa de término em meados
de 2015. O objetivo é que, no ano que vem, o laboratório obtenha a
reacreditação para fazer os testes de controle de doping nos Jogos de
2016.
Em setembro de 2013, quando Marco Aurelio Klein, secretário nacional
para a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), e Francisco
Radler se reuniram com representantes da AMA em Montreal, ficou decidido
que, assim que o novo prédio estivesse pronto e equipado, com a equipe
devidamente instalada, a UFRJ iniciaria o processo de reacreditação por
uma via rápida (fast track).
Desde julho de 2014, portanto, o LBCD está passando pelo chamado
estágio probatório — que durará cerca de um ano. Nesse processo será
demonstrada a capacidade técnica e operacional para fazer os testes
conforme os requisitos da AMA. Esse estágio se compõe basicamente de
visitas do grupo de auditoria da AMA e de testes de controle de
qualidade em que a agência mundial envia amostras de urina para serem
analisadas. Os testes envolvem controle com amostras cegas cuja
composição deve ser completamente identificada.
Marco Aurelio Klein está confiante de que o LBCD receberá a
acreditação. “A ABCD é a maior cliente em potencial do novo laboratório.
Temos um programa ousado de controle, com uma série de testes em número
e qualidade, e ter um laboratório acreditado no Brasil será um
privilégio”, afirma Klein.
“A ABCD está otimista de que o LBCD se tornará o 33º laboratório no
mundo acreditado pela WADA. São menos de 30 países que têm um
laboratório de controle de dopagem (alguns países possuem mais de um
laboratório acreditado)”, lembra. “Vale a pena mencionar que com a volta
do LBCD teremos três laboratórios acreditados em todo o hemisfério sul.
A experiência dos Jogos é um legado extraordinário pelas instalações,
pelo conhecimento e muito também pela convivência de nossos
profissionais com ao menos uns 100 melhores profissionais de controle de
dopagem do mundo. Toda essa troca de conhecimento vai contribuir para
formar grandes técnicos no Brasil e isso é um legado incrível para a
ciência brasileira. A acreditação do LBCD, a mais de um ano do início
dos Jogos, é a materialização muito clara dos legados dos Jogos Rio
2016.”
Para Ricardo Leyser, secretário de Alto Rendimento do Ministério do
Esporte, quando se fala em legado olímpico, é importante ressaltar
alguns aspectos específicos que vão muito além da herança deixada pelas
instalações esportivas dos Jogos. “Acho importante destacar o aspecto da
sustentabilidade desse legado olímpico e sua vinculação a órgãos
federais. O que o governo tem feito é valorizar o investimento em
instalações federais, seja em universidades seja nos espaços das Forças
Armadas, de modo que o uso seja pré-definido”, destaca Leyser.
“Com isso, você já tem todos os profissionais definidos para a
operação desses espaços pós-Jogos Rio 2016. No caso do Laboratório
Brasileiro de Controle de Dopagem, depois dos Jogos 2016 toda essa
estrutura vai se reverter para o Ladetec e para seus vários laboratórios
de química. Assim, vamos aproveitar 100% do legado, já que toda a
estrutura montada para os Jogos não será temporária. É um legado que vai
além do esporte e que terá reflexos em áreas científicas e acadêmicas”,
conclui o secretário.
Foto: Divulgação
Fonte: Brasil 2016
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