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Protesto






As manifestações que sacudiram o país nos últimos dias são legítimas. Sem mas, mas não sem mais. Entendo que se proteste contra corrupção, contra preço da tarifa de ônibus, contra o dinheiro que foi investido na Copa do Mundo (e nas Olimpíadas, podem esperar) em detrimento da saúde, da educação, da infraestrutura, da segurança. Porque é surreal que se pague R$ 2,2 bi por reformas no Maracanã e no Mané Garrincha, enquanto os hospitais do Rio e de Brasília mínguem. Ou que gente seja expulsa de casa para dar lugar a uma nova linha de metrô que atenderá a uma demandada do mundial da Fifa. Os protestos, no que dizem à Copa, são legítimos e eu queria mais.

Queria que tivessem ocorrido mais cedo, quando o Brasil ainda pretendia sediar o campeonato ou antes de licitarem a primeira obra. A sensação de que o movimento chegou quando o prejuízo já era grande demais é como a de um gol de honra. Mais ou menos como o do Taiti contra a Nigéria: o momento foi bonito demais, talvez o mais empolgante da Copa das Confederações, mas não evitou a derrota nem a goleada – ainda assim, um gol.

Gostaria de ver, ainda, outros pleitos, pelo menos, no que concerne ao esporte.

Seria sensacional de ver uma marcha pela moralização das contas públicas das Olimpíadas de 2016 e pela situação do pessoal desalojado de casa, próximo ao que sobrou do Autódromo de Jacarepaguá. Seria interessante ouvir gente gritando contra a demolição do Parque Júlio Delamare e cobrando explicações pelo velódromo. Ou ainda questionando por que o Engenhão foi interditado depois de apenas seis anos de uso. Incluam nas manifestações também o vocábulo predileto da cartolagem olímpica, “legado”. Porque prometeram um Pan rico em legado esportivo e prometem uma Olimpíada no mesmo padrão, só que mais caro. No fundo, se os manifestantes querem proteger a paga de seus impostos, precisam olhar para o esporte e irem além da Fifa. São necessárias palavras de ordem contra nossos dirigentes esportivos e com grave urgência.

O Brasil vai receber as próximas olimpíadas e a única preocupação de pessoal de terno e gravata é com o quadro de medalhas. E até com isso se preocupam mal, pois não faz muito tempo que Arthur Zanetti chiou para que lhe dessem condições dignas de treino, não obstante a fortuna que os cofres públicos têm injetado no COB. Proteste-se contra a Confederação Brasileira de Futebol, que tem um dedo-duro do regime militar na presidência, e também contra a Confederação Brasileira de Voleibol, que entregou o esporte a uma emissora, que reserva parcas manhãs de quatro ou cinco sábados no ano para a modalidade, e não repassa absolutamente nada para os clubes, e nem mesmo permite que os chamem pelo nome.

Protestem, mesmo, contra o descaso governamental com os estádios e ginásios públicos, sucateados, e também contra o COB, que não se levanta contra isso. Protestar contra a omissão é necessário ao esporte, porque ela faz o gramado virar mato, o azulejo da piscina rachar, o piso da pista descolar do terreno, o teto criar goteira e a tabela de basquete cair no pescoço de um atleta em Brasília e matá-lo.

Protestem contra o discurso patético-nacionalista de Nuzman, que encontra eco no Ministério do Esporte. Protestem contra o dinheiro que o governo usa para pagar atletas de alto rendimento e nega ao esporte escolar. Protestem contra a corrupção nas confederações, contra clubes endividados com a Previdência Social, contra prefeituras que sustentam times de futebol profissional.

A passeata (não o quebra-quebra) deve ganhar todas as ruas, ser ouvido no Planalto, no Cerrado, no Litoral, no Sertão. O protesto é a demonstração mais genuína de insatisfação do povo contra quem deveria representá-lo e o representa mal. O homem comum, enfim, mostra que se importa com o destino do dinheiro público, seja no transporte, seja na área que for – esporte, inclusive. Se os governantes estão agora com medo do povo, a cartolagem também deveria temer.

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