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Royalties, Rio de Janeiro e os Jogos Olímpicos de 2016






Nos últimos tempos, a questão dos royalties do petróleo tem dominado os noticiários, especialmente os que se sediam ou se focam na região Sudeste do País. O Rio de Janeiro, estado da federação com a maior produção de petróleo, sofreria grandes perdas, da ordem de sete bilhões de reais por ano, caso a lei seja julgada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse momento, o leitor deve estar se perguntando: - Qual o sentido de esse tema ser discutido em um blog sobre Olimpíadas? A resposta é simples: sem o dinheiro dos royalties em caixa, todo o planejamento financeiro do estado do Rio, incluindo as diversas obras para os Jogos de 2016, estará prejudicado.

Nesse artigo, dividiremos o tema em alguns pontos: inicialmente, uma breve explicação sobre o que são os royalties será dada. Em seguida, o percurso legislativo brasileiro em relação ao petróleo, incluindo as emendas Ibsen e Simon serão analisados para, finalmente, vermos de que forma o Rio de Janeiro seria lesado com a eventual perda das compensações recebidas pela exploração do chamado ouro negro.

Segundo o dicionário digital Aurélio, royalty é a importância paga ao detentor ou proprietário ou um território, recurso natural, produto, marca, patente de produto, processo de produção, ou obra original, pelos direitos de exploração, uso, distribuição ou comercialização do referido produto ou tecnologia”. Desta definição, podemos extrair a ideia de compensação, ou seja, de que o pagamento do royalty seria uma forma de compensar prejuízos decorrentes da exploração de um determinado bem. No caso do petróleo, poderíamos citar um eventual vazamento – provocando sérios danos ambientais – o aumento da demanda por serviços, população.etc.

Vamos agora saber um pouco mais sobre a história da legislação brasileira relativa ao petróleo. A lei de criação da Petrobras e da Política Nacional do Petróleo – Lei nº 2004/53 – previu o pagamento de compensação para os estados, território e municípios onde ocorresse a exploração do petróleo. Segundo o art. 27: “A Sociedade e suas subsidiárias ficam obrigadas a pagar aos Estados e Territórios onde fizerem a lavra de petróleo e xisto betuminoso e a extração de gás, indenização correspondente a 5% (cinco por cento) sobre o valor do óleo extraído ou do xisto ou do gás”.

No § 3º do mesmo artigo, havia a previsão do repasse de 20%, a partir da indenização paga pela Petrobras (detentora do monopólio de extração do petróleo entre 1953 e 1997), para os municípios atingidos pela extração do petróleo e gás. Depois, a partir da lei 3.257/57, o pagamento foi feito diretamente pela União aos municípios, sem a intermediação dos governos estaduais. Com o início da exploração marítima do petróleo a partir das décadas de 70 e 80, o pagamento de royalties aos estados e municípios confrontantes com aqueles em que ocorria a lavra do petróleo também foi prevista. O professor de Direito Constitucional da UERJ e Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Luís Roberto Barroso, afirma brilhantemente:

“Já na década de 1980, com o início da exploração marítima do petróleo, a Lei nº 7.453/85 previu o pagamento de compensação também quando o óleo ou o gás natural fossem extraídos da plataforma continental. Nesse caso, o pagamento deveria ser feito não apenas aos Estados e Municípios confrontantes com os poços produtores, mas também aos Municípios integrantes da área geoeconômica dos Municípios confrontantes. Posteriormente, a Lei nº 7.525/86 veio explicitar os conceitos de Estados e Municípios confrontantes e de área geoeconômica. Nos termos da lei, teriam direito a royalties não apenas os Municípios que possuíssem instalações relacionadas à produção e ao seu escoamento – como oleodutos, gasodutos e estações de compressão e bombeio –, mas também os Municípios contíguos que suportassem as consequências sociais ou econômicas da produção e exploração de petróleo. Duas observações parecem relevantes aqui.

 Em primeiro lugar, restava evidente da legislação que o pagamento de royalties aos Estados e Municípios produtores (nessa expressão já incluídos os confrontantes, como referido) não se dava por conta da propriedade do bem – que já era federal –, mas sim em razão dos ônus causados a alguns dos outros entes pela exploração do petróleo. Em segundo lugar, é interessante observar que a Lei nº 7.453/85 previa também – paralela e independentemente dos pagamentos devidos aos Estados e Municípios produtores – que 1% do valor dos produtos extraídos seria destinado a um “Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Estados, Territórios e Municípios”. Os recursos recebidos por todos os entes federativos por conta desse fundo, como se vê, em nada se relacionam seja com os valores a serem pagos aos Estados e Municípios produtores – as duas previsões coexistem simultaneamente –, seja com a circunstância de serem ou não afetados pela produção e exploração do petróleo.”

Do texto legislativo e da observação feita pelo professor, é possível extrair, como já foi dito, de que o pagamento de royalties é visando compensar estados e municípios pelas perdas decorrentes da extração do petróleo. Além disso, como cita a lei 7.453/85, os entes federativos (estados e municípios) independentemente de serem ou não afetados pela produção do citado combustível fóssil também teriam direito a receber recursos financeiros devido a essa exploração. As previsões coexistem no ordenamento jurídico brasileiro.

A Constituição Federal de 1988 seguiu na linha das citadas leis e também previu indenizações aos estados e municípios produtores de petróleo, assim como a Emenda Constitucional nº9/95 e a Lei do Petróleo (lei nº 9.478/1997), legislações criadas na esteira da abertura de mercado brasileira, iniciada em 1990 pelo presidente Fernando Collor e mais intensamente realizadas durante o governo Fernando Henrique Cardoso. De modo geral, os textos legislativos apresentados possuem pequenas diferenças, principalmente no que toca à porcentagem de distribuição dos royalties, mas que não são relevantes para o nosso estudo, sendo necessárias apenas em uma seara jurídica mais profunda.

Vimos, nessa curta análise, de que os estados e municípios em cujo território ocorria a exploração do petróleo receberam compensações por essa lavra, algo justíssimo devido aos danos e riscos decorrentes. De modo semelhante, todos os entes da federação – independentemente de afetados ou não pelo petróleo - receberam recursos do fundo especial implantado pela lei 7.453/85. De 1953 até 2008, foi assim que vigorou, sem grandes alterações.

Com a descoberta do pré-sal, os olhos dos estados não produtores de petróleo cresceram sobre a potencialidade de recursos que essa nova área de exploração poderia proporcionar. Em 2009, foi iniciada a criação do marco regulatório do pré-sal, com a apresentação de projetos de lei na Câmara dos Deputados, como os PL 5.938/09 até 5.940/09, que dispõem sobre a exploração e produção no pré-sal, a criação da Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. – PETRO-SAL, o Fundo Social dos recursos e sobre a capitalização da Petrobras para facilitar financeiramente a exploração, pela Petrobras, do petróleo na camada do pré-sal.

Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro

As emendas Ibsen (em referência ao deputado Ibsen Pinheiro, que apresentou a proposta, presidente da Câmara dos Deputados na época do impeachment de Fernando Collor e cassado em 1993 por envolvimento no escândalo dos Anões do Orçamento) e Simon propõem retirar os royalties do petróleo dos estados e municípios produtores, destinando os recursos para um Fundo Social a ser repartido entre todos os estados e municípios, independentemente de afetados ou não pela exploração do petróleo ou gás natural. A emenda Simon fez uma ressalva em relação aos municípios afetados pelas operações de transporte de petróleo e gás natural.

Todos esses textos normativos são flagrantemente inconstitucionais. A alteração no regime de distribuição dos recursos oriundos do petróleo seria válida não apenas para as futuras áreas concedidas (sejam do pré-sal, sejam de exploração marítima ou terrestre), mas também para os atuais contratos, firmados sob a vigência da Lei do Petróleo. Modificar o regime de contratos firmados licitamente, ou seja, atos jurídicos perfeitos, fere gravemente a segurança jurídica, como demonstrado no art. 5º, XXXIV, d, da Constituição Federal: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”

Além disso, o pacto federativo – uma cláusula pétrea do nosso documento constitucional – também é ferido, pois a autonomia e a proporcionalidade no tratamento dos estados não é respeitada, tratando-se igualmente estados desiguais. Quebra-se também, como dito, com toda a história legislativa brasileira em relação ao tema.

Os projetos foram aprovados em 2012 e submetidos para análise da presidente Dilma Rouseff. A chefe do Executivo vetou cerca de 120 dispositivos. No retorno do projeto para o Congresso Nacional, em março de 2013, o presidente da Casa, Renan Calheiros, fez uma votação apressada, que derrubou os vetos da Presidente da República. Logo que o projeto se converteu em lei, publicada no Diário Oficial da União, os estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, que, por meio de uma medida liminar, suspendeu os efeitos da lei até o julgamento decisivo do caso, ainda sem data marcada.

O tema ainda vai render bastante e é muito mais profundo do que foi dito aqui. Vamos, agora, ver o caso específico dos Jogos Olímpicos de 2016 e de que forma a perda dos recursos poderia afetar o estado do Rio de Janeiro.

Ministra Carmen Lúcia, que concedeu a liminar

As obras do Maracanã, estádio que irá sediar jogos do futebol e as cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos, não seriam afetadas pela perda dos recursos. A reforma do estádio é financiada pelo Governo Federal. As obras do Porto Maravilha (revitalização do Centro da cidade do Rio de Janeiro), o Parque de Deodoro, o Parque dos Atletas e as obras do BRT Transolímpica (sistema de transporte com ônibus articulados) são bancadas pela Prefeitura do Rio de Janeiro podem ser prejudicadas, pois o Governo do Estado repassa muitos recursos oriundos dos royalties para auxiliar nessas despesas (orçadas em cerca de R$ 11 bilhões).
A Linha 4 do Metrô do Rio de Janeiro, cujo custo é de cerca de R$ 8,5 bilhões (desses, cerca de R$ 4 bilhões bancados pelo Estado do Rio) também está ameaçada, sendo esta obra de fundamental importância, pois vai ligar a Barra da Tijuca (local onde boa parte dos atletas e profissionais envolvidos nos Jogos ficará instalada) à Zona Sul e Centro. Sem contar uma imensidão de outras obras e os pagamentos para terceirizados do Governo do Estado.

A situação da cidade do Rio de Janeiro, apesar de complicada, ainda é mais tranquila do que de outros municípios do estado. Macaé e Campos, por exemplo, perderiam mais de 50% de suas receitas devido à nova fórmula de distribuição proposta pelo Congresso Nacional.

A lição que fica, para nós, é que a mudança que o Congresso pretende fazer, além de claramente inconstitucional, é uma covardia. Prejudicar direitos já amparados, as obras para os Jogos Olímpicos (já tão envolvidas em controvérsias desde que o Rio foi escolhido como sede), ou seja, é prejudicar esse que é um dos maiores espetáculos da Terra, que será sediado no Rio de Janeiro e, pela primeira vez, no Brasil. Devemos dizer “não” ao que é proposto e dizer “sim” para a manutenção no regime atual, que possibilitará, em 2016, que mais uma vez a frase “esses foram os maiores Jogos Olímpicos da história” seja dita.



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